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Um voto para vencer e convencer

19:40 | Fev. 24, 2019
Autor Agência Estado
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Tipo Notícia
"Sei que, em razão de meu voto e de minha conhecida posição em defesa dos direitos das minorias serei inevitavelmente incluído no índex mantido pelos cultores da intolerância." Assim o decano do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Celso de Mello, iniciou a leitura das 155 páginas do voto em que mencionou da obra da escritora Simone de Beauvoir, ícone do feminismo, à fala da ministra Damares Alves de que "meninos vestem azul e meninas vestem rosa", de reportagens sobre agressões contra a comunidade LGBT ao direito da busca da felicidade, para enfim enquadrar como crime a homofobia e a transfobia.
Considerado histórico pelos colegas, o voto de 19 tópicos foi lido pacientemente pelo decano - o ministro há mais tempo no cargo - ao longo de duas sessões plenárias do Supremo, totalizando cerca de 6 horas e 30 minutos de duração.
A discussão sobre a homofobia inverteu a "ordem natural das coisas" no STF: na condição de relator, coube a Celso de Mello abrir o julgamento com a leitura do voto na ação em que o PPS aponta omissão do Congresso Nacional no enfrentamento da homofobia. Tradicionalmente, de acordo com o regimento interno, o decano é o penúltimo a se posicionar.
O decano tem uma forma de trabalho muito peculiar: a Coca-Cola o ajuda a varrer madrugadas estudando casos e elaborando decisões, ao som de música clássica e corais sacros. Depois, deixa na mesa das assessoras pilhas de livros e referências - e costuma usar marcador de texto para destacar trechos de seus votos (a versão impressa vem com partes grifadas em itálico, negrito e até sublinhadas).
Para os colegas do ministro, a extensa leitura do voto sobre a criminalização da homofobia reafirmou o papel institucional do STF de defender minorias e lidar com um tema tão urgente quanto delicado, mesmo com potencial para contrariar o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional (a bancada evangélica pressionou Toffoli para que o tema não fosse pautado). Além disso, elevou a discussão a outro patamar, sensibilizando colegas para aderir à tese (ao menos um ministro definiu o voto após ouvir o decano, segundo o jornal "O Estado de S. Paulo" apurou). Por fim, criou um "custo argumentativo" para quem quiser discordar.
"É claro que, do ponto de vista formal, não existe uma hierarquia entre os votos dos ministros, o que vale é a maioria. Mas esse voto, por vir do decano, com argumentos tão fortes, se tornou a bússola do Supremo nesse caso", avaliou Thiago Amparo, especialista em discriminação e diversidade da FGV Direito São Paulo. "Para você ter uma divergência, ela tem de ser tão bem fundamentada quanto o voto do ministro Celso de Mello."
O decano foi acompanhado pelos outros três ministros que se posicionaram no julgamento até agora: Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso. O trio utilizou, ao todo, três horas e quinze minutos para a leitura de seus votos.
O voto de mais de seis horas de Celso de Mello também reacendeu dentro da Corte o debate em torno da duração das sessões do tribunal - e da produtividade do plenário. Conforme tese de doutorado do economista Felipe de Mendonça Lopes, os ministros do STF passaram a escrever votos maiores desde que as sessões começaram a ser transmitidas ao vivo pela televisão, em 2002.
Barroso já defendeu um tempo máximo de 20 minutos para os votos dos relatores. Marco Aurélio, Toffoli e Luiz Fux também já se manifestaram nesse sentido.

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