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Após denúncias, força eleitoral de Bolsonaro começa a ser testada

Suspeitas contra o deputado federal se multiplicaram em uma semana. Cientistas políticos apontam que ele passará a receber mais ataques de adversários com a aproximação das eleições
10:43 | Jan. 12, 2018
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Em uma semana, o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) viu o seu capital político na disputa pelo Palácio do Planalto sofrer uma série de ataques. Denúncias feitas pela Folha de S. Paulo mostraram que o político e a sua família possuem 13 imóveis com valores de mercado estimados em R$ 15 milhões, a maioria comprada a preços abaixo da avaliação da Prefeitura do Rio de Janeiro à época. O mesmo jornal ainda revelou que ele e o filho, Eduardo Bolsonaro (PSC-RJ), receberam auxílio-moradia da Câmara dos Deputados, apesar de terem casa em Brasília, no Distrito Federal. O pré-candidato também estaria empregando uma servidora fantasma, que, na verdade, é vizinha dele, moradora de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, dona de comércio de açaí.

Em meio à turbulência, o parlamentar assinou acordo com líderes do Partido Social Liberal (PSL) para sair candidato à Presidência neste ano pela sigla. Em resposta, a ala mais liberal da legenda promoveu debandada e anunciou a criação do Livres, de tendência libertária. O mais recente contratempo de Bolsonaro veio do Ceará. O senador Tasso Jereissati (PSDB) indicou o deputado estadual Capitão Wagner (PR) para concorrer ao Governo do Estado nas próximas eleições, mas estabeleceu uma condição: o militar não pode apoiar Bolsonaro. Caso dispute mesmo a Presidência, Bolsonaro ficaria sem palanque no Estado. 

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Dois anos sem oposição

Desde 2015 declarando interesse em concorrer ao principal cargo do Executivo federal, o deputado carioca ganhou visibilidade nacional com discurso de extrema direita, no qual defende o retorno dos militares ao poder. Bolsonaro também causa polêmica com declarações contra minorias, após as quais ganhou notoriedade e passou a contar com apoio de um eleitorado conservador.

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Sempre com a artilharia a postos para minar adversários políticos nos últimos dois anos, chegou a hora de a força do pré-candidato ser testada, analisa Rodrigo Prando, cientista político e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie. “Só ele se movimentava, falava sozinho, podia bater em todo mundo. Agora, a campanha se aproxima. Ele, que só jogava pedra, também vira vidraça e começa a recebê-las de volta”, afirma.

Para Bruno Reis, cientista político da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), foi o discurso extremado que garantiu as sete reeleições seguidas de Bolsonaro no Rio de Janeiro. “Para a Presidência, ele precisa sair de um nicho de 1% de cariocas nostálgicos da ditadura para algo em torno de 50 milhões de brasileiros. Nesse cenário, ele tem de moderar, isso significa dar um cavalo de pau” , avalia o pesquisador.

Incompatibilidade ideológica

Bolsonaro ficou meses acenando para várias siglas antes de assinar o acordo com o PSL que o define como candidato da legenda. A escolha do grupo é apontada por analistas como sinalização da postura mais equilibrada que o deputado pretende assumir, ao menos na economia. “Ele tenta construir um discurso distante da perspectiva histórica de intervencionismo. Aí entra num partido e os liberais abandonam porque não creem no Bolsonaro. É um mau sinal”, comenta Prando.

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Para Rodrigo Marinho, presidente do Livres no Ceará e prestes a se desligar do PSL, as denúncias contra o deputado se assemelham às suspeitas de corrupção que pesam contra o PT, partido ao qual ele se opõe. “Lembra muito o PT do passado, que se colocava como o bastião da moral e virou uma organização que praticamente trabalhou a corrupção como excelência na sua atividade”, critica.

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Além do distanciamento com os liberais, a candidatura de Bolsonaro será testada na principal pauta defendida por ele: a ética. “Teriam de ser provadas, mas essas denúncias começam a desidratar o discurso dele. Começa o contradiscurso: 'ele não era honesto?’ A mídia vai começar a vasculhar a vida dele, comparar discursos e checar falas”, afirma Prando.

Campanha: teste de resiliência

A história recente tem outros exemplos de pré-candidaturas ou candidaturas que não registiram às cobranças, críticas e ataques resultantes da superexposição de quem começa a despontar. Em 2002, anunciada como pré-candidata à Presidência, Roseana Sarney (à época, PFL) viu o círculo se fechar contra ela antes mesmo de a campanha ser efetivada. A empresa que comandava com o marido, Jorge Murad, foi alvo de operação da Polícia Federal (PF). Os policiais apreenderam R$ 1,3 milhão não declarados na Lunus Participações. Naquele ano, ela renunciou à disputa ao cargo no Executivo.

Já em 2014, o apelo emocional provocado pelo falecimento de Eduardo Campos (PSB) elevou as intenções de voto e colocou a companheira de chapa, Marina Silva (PSB), em posição de ameaça à liderança de Dilma Rousseff (PT) nas eleições. Durante a campanha, tucanos e petistas engrossaram a artilharia contra a candidata, tanto em debates e programas eleitorais quanto em redes sociais. Os ataques ajudaram a jogar Marina em terceiro lugar no fim do primeiro turno.

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Candidatos de “grife”

Segundo Bruno Reis, essas candidaturas centradas em um nome de “grife” tendem a se tornar vulneráveis, já que uma pessoa concentra toda a identificação do eleitorado. “São mais voláteis. Elas crescem rápido, mas tendem a cair rápido porque não têm o lastro que uma estrutura partidária dá. Um candidato do PT, por exemplo, tem todo o petismo, e, eventualmente, todo o anti-petismo já mobilizado”, explica.

Para ele, este é o período-chave para entender o perfil dos apoiadores de Bolsonaro. “Toda essa intenção de voto está para ser testada. E, em princípio, não dá para apostar nela. É de se esperar a volatilidade”, comenta.

Para Heitor Freire, líder do Movimento Direita Ceará, as suspeitas contra o deputado não abalam o discurso cultivado por ele. “Podem chamá-lo de tudo, mas não de corrupto. É um homem íntegro e honesto”, defende. Segundo Freire, as denúncias contra o pré-candidato estão servindo para divulgar o nome dele para pessoas que ainda não o conheciam. “Enquanto tentam equipará-lo aos políticos corruptos, ele prova ser uma pessoa correta”, ressalta.

Na terça-feira, 9, Bolsonaro comentou em redes sociais pela primeira vez as informações sobre o próprio patrimônio. Ele se limitou a publicar uma tabela afirmando que usou R$ 1,7 milhão da Câmara para financiar atividades legislativas entre 2010 e 2017, uma economia de R$ 1,3 milhão ao que poderia ser repassado pela Casa. Contudo, após repercussão, a equipe do deputado corrigiu a publicação, mostrando que, na verdade, ele usou R$ 2,5 milhões no período.

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Defesa e ataque

Nessa quarta-feira, 10, ele usou novamente as mídias sociais para se defender e atacar a Folha de S. Paulo. Para Bolsonaro, as informações reveladas pelo veículo de comunicação têm como objetivo abalar a projeção nacional que ele ganhou. "Eu não sou corrupto, não sou citado em nenhum escândalo, está comprovado", disse.

O pré-candidato reconheceu que tem apartamento em Brasília, apesar de receber auxílio-moradia. Contudo, afirmou que usa menos recursos públicos do que se estivesse em apartamentos fornecidos aos parlamentares. “Estão implicando com R$ 3.500 ou R$ 3.600 que eu recebo como se eu fosse bandido”, afirmou.

Já sobre os imóveis supostamente comprados a valores incompatíveis, ele defendeu que foram adquiridos ainda na década de 1990, em cotações inferiores às atuais. Para Bolsonaro, a pretensão de disputar o Planalto segue inabalada. "Só em duas situações eu posso não estar neste ano no debate presidencial: se me tirarem na covardia por um processo qualquer ou se me matarem”, garantiu.

Na quinta-feira, 11, a Folha de S. Paulo encontrou o deputado federal em Angra dos Reis. Ele criticou o jornal pelas denúncias e novamente defendeu o recebimento do auxílio-moradia. "Como eu estava solteiro naquela época, esse dinheiro de auxílio moradia eu usava pra comer gente", disse o parlamentar. Bolsonaro disse ainda não ver irregularidade na compra dos imóveis a valores abaixo do avaliado pela Prefeitura. O pré-candidato também se defendeu de declarações feitas em 1999, quando disse que sonegava impostos e recomendou à população fazer o mesmo. "Eu nunca soneguei. Eu sonego... 'Eu mato tudo quanto é bandido que vier pela frente'. Matei algum bandido?", argumentou.

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