TJs acatam 1/3 dos recursos por direito ao esquecimento
Levantamento do jornal O Estado de S. Paulo mostra que, de ao menos 94 processos já analisados por desembargadores no PaÃs, 67 negaram o pedido de se esquecer o passado. No entanto, 27 aceitaram a hipótese.
O direito ao esquecimento obriga retirar e apagar de páginas da internet conteúdos que associem o nome de qualquer pessoa a fato calunioso, difamatório, injurioso ou a um crime do qual ela tenha sido absolvida e sobre o qual não haja mais possibilidade de recurso. Para o advogado que representa a famÃlia Curi, Roberto Algranti Filho, o caso da jovem AÃda Jacob Curi, estuprada e assassinada brutalmente aos 18 anos de idade em julho de 1958, no Rio, é exemplar e pode criar "critérios mÃnimos para a atividade de imprensa".
Na avaliação de Algranti Filho, com o fim da Lei de Imprensa (2009), "ficou um vácuo em relação ao que é notÃcia de interesse público e aquilo que só diz respeito à famÃlia". A defesa da famÃlia questiona a veiculação do caso no programa Linha Direta, da TV Globo, em 2004. "Se tudo é jornalismo, nada está protegido, nem a própria imprensa. O caso de AÃda não tem interesse público, não é um caso que conta a história do PaÃs, não existem motivos para reabrir uma ferida e causar dor aos parentes", diz o advogado.
Em seu parecer sobre o caso, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, lembrou que o direito ao esquecimento "ainda não foi reconhecido ou demarcado no âmbito civil por norma alguma do ordenamento jurÃdico brasileiro". Portanto, segundo ele, "não pode limitar o direito fundamental à liberdade de expressão por censura ou exigência de autorização prévia".
Embora o direito ao esquecimento tenha sido aprovado na Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) da Câmara, ele ainda não foi votado em plenário. Ainda assim, acumulam-se processos em que o "princÃpio" é posto em pauta - alguns deles tendo como base o caso julgado no Tribunal de Justiça da União Europeia (mais informações nesta página).
EquÃvoco
Além do questionamento da famÃlia Curi, um outro recurso envolvendo um dos acusados, e depois absolvido, pela chacina da Candelária já chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e muitos outros rondam os tribunais estaduais. "Ainda é um tema muito recente. Um princÃpio que ainda causa muito debate e dúvidas. Nesse sentido, o caso Curi não foi um bom exemplo para ser tomado como Â?repercussão geral", diz o professor de Direito Constitucional da FGV Direito e coordenador do Supremo em Pauta, Rubens Glezer. "Ã? um equÃvoco. O caso dos Curi está muito mais relacionado à Â?ofensaÂ? do que ao Â?esquecimentoÂ?. A decisão do STF, seja qual for, pode causar mais problemas e interpretações inconclusivas", afirma Glezer.
Para o professor de Direito Constitucional Luiz Guilherme Arcaro Conci, da PontifÃcia Universidade Católica (PUC-SP), é imperativo separar a questão entre o cidadão comum e aquele que exerce cargo público ou que, porventura, tenha feito algo de repercussão nacional. "Ã? preciso levar em conta a situação e a particularidade de cada caso. O que é Â?vida públicaÂ? não pode ser protegido pela lei do esquecimento. Uma coisa é quem teve um problema na vida pessoal aparecer na busca do Google para o resto da vida. Outra, bem diferente, é um polÃtico, com mandato, querer tirar seu nome de uma denúncia", diz.
A advogada TaÃs Gasparian, que já atuou em diversos casos em que o direito ao esquecimento foi ao menos citado, diz que a hipótese de aplicá-lo é "como queimar bibliotecas, uma volta à Idade Média". "Quem pode decidir o que é histórico ou não?", questiona TaÃs. Ela afirma que, "na esfera pública, mesmo os erros de informação podem ter relevância para estudos futuros". De acordo com a advogada, o perfil atual do STF não deve "abrir as portas para a Lei do Esquecimento".
Para PatrÃcia Blanco, diretora do Instituto Palavra Aberta, "toda e qualquer regra que estabeleça a retirada de conteúdo ou link de acesso a determinado conteúdo fere a liberdade de expressão e de imprensa". PatrÃcia diz acreditar, no máximo, em um código de autorregulamentação e voluntário, sem que haja a necessidade de uma nova lei que estabeleça esse procedimento. "Além disso, já existe no Brasil um amplo arcabouço jurÃdico capaz de proteger o cidadão de qualquer abuso ou excesso que possa ser cometido", afirma.
História
Para o professor de História da PUC-SP Luiz Antônio Dias, a função do historiador é "lembrar o que a sociedade quer esquecer". Para ele, o direito ao esquecimento não poderia criar barreiras para, por exemplo, o Brasil se deparar com sua própria história. "Separar o personagem público do personagem histórico é difÃcil. Eu entendo que a famÃlia de um torturado na ditadura militar não queira falar sobre o assunto, mas, ao mesmo tempo, o depoimento dele tem uma importância histórica fundamental. Em tese, sou contra a Lei do Esquecimento, mas não acho que seja um tema simples. Consigo entender o lado de quem, à s vezes, prefere esquecer."
O doutor em História Social e colunista do jornal O Estado de S. Paulo, Leandro Karnal, afirma que o direito ao esquecimento "deveria ser possÃvel". "O resgate da privacidade é um desafio novo. Nunca estivemos tão expostos. Logo, surge uma nova meta ou utopia: o esquecimento. O debate é muito contemporâneo: quem tem direito a controlar a memória da minha vida? Todos devem ter acesso permanente aos dados sobre mim? Ser esquecido é um direito, mas será exequÃvel? Talvez, em breve, incluamos o anonimato como direito fundamental do homem", diz.
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