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Confira entrevista com a ex-prefeita de Fortaleza Maria Luiza Fontenele

A ex-petista, que há 30 anos vencia disputa histórica pela Prefeitura da Capital, é a primeira convidada da 10ª edição do Debates Grandes Nomes; acompanhe ao vivo pela rádio O POVO/CBN

11:00 | 23/11/2015
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11 horas: Começa a 10ª edição do Debates Grandes Nomes com a presença da ex-prefeita de Fortaleza Maria Luiza Fontenele. A apresentação é do jornalista e diretor institucional do Grupo de Comunicação O POVO, Plínio Bortolotti. Participam do debate o editor-executivo do núcleo de Conjuntura, Gualter George; o editor-executivo do núcleo de Cotidiano, Érico Firmo; a colunista social Lêda Maria; e o jornalista Carlos Mazza.

Gualter George: Qual a reflexão que faz hoje do que fez e deixou de fazer na sua gestão, em 1985. Se hoje houvesse segunda oportunidade, há algo que faria diferente? Alguma ação foi adotada na época que, hoje, com mais experiência, poderia ter feito diferente?
[SAIBAMAIS 3]
Maria Luiza: Ao assumir a administração, sofri a ruptura do grupo que integrava o PRC dentro do PT. De um lado ficou (José Nobre) Guimarães, (José) Genoíno e Tarso Genro. Do outro lado, eu, Rosa (da Fonseca), Jorge (Paiva). Concluímos que, naquele movimento, queríamos mais participação do povo. Houve uma cisão no sentido de administrar a crise. Foi a posição que me levou até Brasília para buscar dinheiro junto a deputados e senadores do PT. Os demais companheiros continuaram a mobilização com o povo para construir o novo. A gente sentiu que houve um certo baque. O PCdoB quando chamou a cassação do mandato, no primeiro mês da gestão, o povo foi lá e botou os vereadores... Ficou essa cisão, entre administrar a crise e dar poder popular.

Carlos Mazza: Como faria diferente?

Maria Luiza:
Os projetos que fizemos com a participação do povo foi espetacular. Como enfrentar o problema do lixo quando os empresários colocavam o lixo na rua? Foi o povo que ajudou. De um primeiro momento vacilei de tal forma tão cruel que, ao invés de decretar estado de calamidade - tínhamos uma situação de chuva derrubando a cidade, decretamos só o estado de emergência. Com a calamidade, teriamos mais possibilidade de receber verba.

Érico Firmo: Como foi a incursão no meio político tradicional para quem vinha de outro meio, negociar com grupos de coronéis? Como foi o diálogo, conhecer os métodos?

Maria Luiza: Queríamos uma mudança que saísse da lógica do sistema capitalista. No entanto, a proposta de mudança do Tasso (Jereissati) era só administrar dentro do projeto neoliberal que se implantou na época.

Plinio Bortolotti: Você acha que as deficiências da sua gestão ajudaram a promover o Tasso?

Maria Luiza: Não só as dificuldades, mas elas passam por aí. Eu acho que tinha um estrategista do lado de lá semelhante ao que tinha do lado de lá. O Beni Veras com sua equipe percebeu que poderia entrar nesse vácuo.

Érico Firmo: O Beni Veras era o Jorge Paiva do Tasso?

Maria Luiza: Acho que sim.

Carlos Mazza: Você acha que deveria ter radicalizado mais?

Maria Luiza: Um juiz queria me arguir porque foi lançada uma cartilha sobre o transporte. Não era no sentido de tocar fogo, era organizar as pessoas no bairro para pedir um transporte legal. No dia em que os empresários foram ao meu gabinete pedir para eu dar aumento, lá embaixo estava cheio de gente. Não deixaram o juiz entrar, era tanta gente entre o Paço e a Catedral que o juiz não pode entrar.

Plinio Bortolotti: O juiz ia arguir lá?

Maria Luiza: Sim. A cartilha dizia que tinha de fazer diferente, e eles diziam que a gente falava em tocar fogo. Quando eu estava atendendo os empresários, eu via a confusão lá embaixo. Era os aposentados que diziam que se eu não descesse, eles subiam. Fui lá e conversei com o pessoal e houve um recuo dos empresários.

Segundo bloco

Carlos Mazza: Quando você assumiu em 1985 pegou uma seca, pessoas flageladas na capital, época de chuva, problema do lixo... Como vê a fama de que sua gestão foi um caos na cidade?
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Maria Luiza: No primeiro ano, não há dúvida que você teve um verdadeiro caos. O POVO publicou, no dia 1°, a foto de um carro dentro de um buraco. Não foi obra minha. Orgãos com até seis meses de atraso. Fortaleza havia recebido, nos três últimos anos, uma população igual a de Natal (RN), de pessoas que vieram por causa da seca. As pessoas estavam em lugares indevidos e,com as chuvas, você tinha mais casas derrubadas. Era pra ter tido um ímpeto diferente no sentido de garantir que a população tivesse uma forma de se manifestar, porque senão ficava cada um no seu espaço sem ter uma expressão disso. Outro momento foi o da queima do caixão. Quando percebemos que não dava para ir pelos trâmites normais, procurar deputados, ou senadores, partidos, chamamos o grito das capitais, prefeitos de outras cidades para ir falar com Sarney. Quando a posição defendida por quem tem sempre a postura de ir contra o sistema, Rosa e outros companheiros que formam o Crítica Radical, era de que não devíamos ir a Brasília. A todo momento você tinha expressões do movimento popular que indicavam que o caminho devia ser esse. Quando chamamos os prefeitos, vieram vários do Nordeste, o pessoal do PCdoB, principalmente Lula Morais que era vereador, arregimentou pessoas para levar caixão como se fosse meu velório

Gualter: Era o Chico Lopes.

Maria Luiza: Era o Chico Lopes, perdão. Estávamos vivendo uma década de crise, era considerada a década perdida. No governo Sarney experimentamos uma inflação extraordinária, foi um desastre. Daí as pessoas sempre dizem, "a Maria não fez porque não tinha dinheiro". Não foi só isso. De onde saiu o dinheiro? Foi desse processo organizado.

Lêda Maria: Você se refere a todas essas tempestades, tradições, caos implantado na sua gestão... Como foi sua gestão marcada pelo lado cultural? Você teve Cláudio Pereira, na época o maior programador cultural da cidade. Na sua gestão, muita coisa boa foi feita.

Maria Luiza: Não tinha dinheiro para o desenvolvimento das ações culturais, e o Cláudio garantiu o Carnaval. Na época disseram que a gente estava propagando a promiscuidade porque ele arranjou preservativo. Diziam que era a prefeita depravada e o secretário pregando isso. O Cláudio fez o Salão de Abril. Fez Judas por todo lugar, era festa de São João em todo lugar. Ele tinha um grupo de portadores de HIV. O Cláudio cuidou desses meninos. Ele fazia festas religiosas, Paixão de Cristo. O pessoal queria que eu ficasse no terceiro lugar, porque ficava bem com o PT, mas o povo queria. Por isso mudamos o comício para a véspera. 

Carlos Mazza: É importante lembrar que, naquela época, não havia aporte de verba. Você chegou a fazer greve de fome por causa do Governo Sarney na época?


Maria Luiza: As más línguas diriam que era porque eu queria ser tratada pelo secretário de Saúde. Aquela época, Sarney vinha ao Ceará. Se ele não fazia os repasses, porque receber com festa? Daí recebemos com protesto, houve manifestação muito grande na Praia de Iracema. Alguns da esquerda estavam jantando com o Sarney, e nós estávamos protestando.

Carlos Mazza: Ele se sensibilizou?

Maria Luiza: Acho que ele achou ridículo. A marca da nossa trajetória sempre foi abrir perspectivas novas.

Terceiro bloco

Gualter George: Vamos falar sobre a questão do gênero. O que significou, em 1985, um mulher, numa cidade do tamanho de Fortaleza, sendo eleita e tendo de enfrentar tantos problemas. Até que ponto você acha que o machismo acentuou esse quadro? Um homem enfrentaria menos problemas? Além do que você pontuou de ser dito que era apaixonada pelo secretário de Saúde, tinha ex-maridos na gestão...

Maria Luiza: Não era só o fato de ser mulher, era ser divorciada... Tinha o questionamento de como a igreja ia me apoiar se eu era divorciada. Na época, a gente tinha o compromisso de construir o socialismo. Quando Tasso assumiu, ele foi para os 13 pontos para combater a nossa administração. Chamar Violeta Arraes, chamar o PCdoB e o MR8 que me fazia oposição... Ele tinha 13 pontos. O Sindicato dos Motoristas, como ele via que o problema era grave, ele se ligava, era uma estratégia de combate. Qual elemento que veio desse grupo duro do Tasso? Ele via uma ameaça, não só pela questão da mulher. Eu simbolizava a garra, a coisa da música "Maria, Maria". Mas tinha outras pessoas que diziam: "vai limpar o lixo!".

Plinio Bortolotti: Você assustou as elites políticas?

Maria Luiza: Na época nós assustávamos porque queríamos o socialismo. Por que Cuba, que não tinha nada, tinha que ter um bloqueio internacional? Eu fiz a mesma comparação. Estávamos assustando pelo que projetávamos.

Érico Firmo: Como vê a possibilidade de a política, como ela se organiza, dar espaço para as mulheres? Por que o espaço é tão restrito?

Maria Luiza: Fomos contra a cota para mulher. Achamos que conquista é conquista, não é dádiva. As bem comportadas ficam em casa, as que não são vão para a rua?

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Lêda Maria: A mulher Maria Luiza ativista, economista, danadíssima... Não foi só na administração que você teve grandes amores, você teve grande amor militar, teve uma tendência enorme a ter amores médicos, isso é muito bom, não sei se é porque a mulher gosta de ter mais saúde, vivacidade... A mulher romântica, quem é você?

Maria Luiza: Sou muito paixão e emoção. Você ter amor, sensibilidade, solidariedade, é algo fundamental. Quando fomos à China...

Lêda Maria: Você arranjou um chinês?

Maria Luiza: Não, arranjei um brasileiro, também médico! (risos) Foram muitos amores, mas o meu amor maior é pela causa da humanidade, porque isso pega a consciência, a imaginação...

Leda: Você vai escrever um livro sobre seus amores?

Maria Luiza: Não! São poemas. Não tinha escrito até então porque não tinha dimensionado com a clareza que tenho até esse momento.

Lêda Maria: 73 anos, sagitária, quem é seu amor hoje?

Maria Luiza: Todos querem saber! Está difuso! (risos)

Quarto bloco

Érico Firmo: Quando você falou, antes, sobre a questão do Chico Lopes, pedindo a cassação. Por que não foi mais fácil trazer o PCdoB? Por que foi esse enfrentamento? Na sua eleição, não foi eleita uma câmara municipal, administrou com a câmara anterior. Como foi a experiência tendo como ponta de lança um partido que foi aliado?

Maria Luiza: Eu sempre dizia que eu era uma área de influência no PCdoB. Até a candidatura de deputada teve apoio, mas depois, com as Diretas, sem conciliação, houve a separação. Da mesma forma que expliquei porque Tasso pegou os 13 pontos, entendo porque o PCdoB foi tão contra. Eles tinham receio. O PT vai governar com conselho popular? Havia receio de que entidades, organismo que eles tinham nos bairros fossem tragados. Não governamos com vereadores. Nós decretamos a APA do Cocó, mas esse projeto era de uma administração fantástica que representava nosso compromisso com Fortaleza, mas não conseguimos. Hoje seria diferente? Tenho minhas dúvidas. Esse sistema se implantou pelas armas, é o sistema do terror. O sistema capitalista se impôs como o sistema do homem macho, branco, do europeu. Por isso hoje temos o terror pelo mundo todo. Como um sistema que se implanta pelo terror, vai deixar de tê-lo?

Pergunta do ouvinte: O que poderá substituir o capitalismo?

Maria Luiza: Você tem que tirar da sua cabeça essa matriz que lhe diz que você só pode viver se tiver dinheiro para comprar as coisas. Se ficar só na lógica do dinheiro, não é capaz de pensar. 

Carlos Mazza: Voltando para a questão da mulher. Você falou do contracheque, você falou mais de 20 mil, ainda hoje há muitos problemas com essa questão do serviço público. Gostaria de saber casos curiosos desse fato. Quais foram as consequências?

Maria Luiza: Criaram uma categoria que não existia. Era tão impressionante. Um rapaz chegou do Rio Grande do Sul, não tinha qualificação para a função e perguntou se não dava para colocar a irmã dele no lugar. Não existia cadastro.

Plinio Bortolotti: Foram cortados 26 mil contracheques?

Maria Luiza: Eram 46 mil contracheques e deixamos em 26 mil. 


Quinto bloco

Gualter George: A questão do PT: você lembrou que, no começo da gestão, vocês compunham um grupo dentro do PT. Imaginar que hoje o PT deixou ser carimbado como um partido de corruptos, pessoas como Lula, que você conviveu, têm essa pecha... Foi só o sistema que levou a isso? Que tipo de reflexão você faz sobre a situação do PT?

Maria Luiza: Acho deplorável, não tem termos de aceitação, porque criou no imaginário do povo uma perspectiva e, em nenhum momento, atuou nesse sentido. Nosso amigo Valton Miranda fica muito revoltado quando se diz que o Lula deixou que a classe baixa ascendesse através do Bolsa Família.

Gualter George: Você não reconhece isso?

Maria Luiza: Reconheço, mas não acho que isso alterou nada. Todos, pobres ou ricos, vivemos uma situação miserável. Temos uma sociedade de assassinos e psicopatas. Quem deve responder por isso? Esse desemprego em massa? Devo dizer que é o PT o responsável? Todos os operários foram substituídos por máquinas. Quem está determinando isso? Nenhum partido, nenhum parlamento, nenhum político. É uma lógica que está por trás de nós. O barco está afundando e vamos todos para o colapso sem criar uma nova perspectiva?

Gualter George: Por que o PT deixou se cravar nele essa pecha?

Maria Luiza: Na política, dificilmente existe ética. Se você está dentro do poder, a politica lhe leva a derrubar o inimigo. Como é que você vai aceitar isso? Que em nome do poder você destroi o ser humano? Ou em nome de uma religião? No Estado Islâmico, a maioria dos integrantes são jovens. Como nós permitimos isso? Em nome da incompetência você encobre algo que não tem solução se não tiver uma alternativa.


Sexto bloco

Carlos Mazza: Você fala que não vê perspectiva na política, nem seria candidata. Nem no Psol, com quem faz ações em parceria?

Maria Luiza: O Psol repete o que num primeiro momento foi o PT. Não estou dizendo que são pessoas que vão se corromper, mas é o poder. Ou criamos alternativas onde o ser humano seja capaz de construir seu destino ou não haverá saída. A última campanha que fiz foi a do Lula. Não defendo em hipótese alguma autoritarismo, corrupção, não apoio nenhum candidato porque não acredito na possibilidade de nenhum mudar isso.

Érico Firmo: Como é a interlocução com parlamentares?

Maria Luiza: Você não se acha um pouco marginal quando você está fora dos sindicatos, dos parlamentos? Onde estão sindicatos e parlamentares que não barram a demissão de 700 pessoas do hospital das clínicas e da maternidade escola da Universidade Federal do Ceará?

Plínio Bortolotti: Vocês também não poderiam chamar esses grupos?

Maria Luiza: Nós chamamos. Se esses jovens e pessoas idosas criaram um movimento e pediram nosso apoio, nós iriámos deixá-los?

Ouvinte: Caso sua filha quisesse se candidatar a uma vaga de vereadora, qual conselho daria?

Maria Luiza: Que não se candidatasse! (risos) Ela já está velhinha e sabe decidir. Mas sofreu muito quando era jovem, com a história do motel.

Plínio Bortolotti: Que história é essa do motel?

Maria Luiza: Inventaram que eu tinha um motel. Era o mesmo nome da dona. Uma vez peguei um táxi e o motorista disse: "eu sei onde a senhora quer ir, é vizinho ao motel da prefeita". Eu falei: "que história é essa?". Ele olhou para trás espantado. (risos)

Carlos Mazza: A fome no Brasil despencou da democracia para cá. Você pegava os índices de fome, eram imensos, mas caiu para zero. Você não acha que poderia mudar dentro da democracia?

Maria Luiza: Quando fui para Wall Street, a imprensa dando apoio. Chegamos para conversar e vimos que eles não têm noção da crise. Eles acham que o problema é do 1% que produz carro, sendo que na família cada um tem um carro.

Carlos Mazza: Você acha que daria para convencer as pessoas só no debate, na razão?

Maria Luiza: Vou citar o exemplo da escola de medicina. Estamos conversando com as pessoas para criar experiências diferentes. Como fazer com que as pessoas tenham consciência dessa política.

Érico Firmo: O que Fortaleza mudou nos últimos 30 anos?

Maria Luiza: Basta olhar a construção vertical, isso é um horror. A cidade não comporta a quantidade de carros. Quem vai impedir isso? Só um movimento. Não pode ser uma ação do administrador.

Gualter George: Mas um administrador que invista no transporte público vai diminuir essa situação.

Maria Luiza: Não tenho dúvida que diminui, mas os carros continuam sendo vendidos, produzidos...Todo mundo continua com esse telefone. Eu não consigo fazer esse Whatsapp porque aí o povo vem se declarando... (risos)

Ouvinte: Por que não fala sobre a corrupção?

Maria Luiza: Pior que a corrupção é a enganação, é a politica passar para as pessoas que vai minimamente resolver os problemas. A todo momento são novas doenças, coisas horrorosas acontecendo, mas é principalmnte essa coisa da insegurança generalizada. Que lógica de vida é essa do ser humano? Você não tempo de namorar, de curtir crianças. Ouvi uma frase que a mãe dá amor, o pai dá segurança. Que frase ridícula. O mundo macho acabou, brochou! 

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