Moro diz que cabe ao ministro da Justiça dar condições e independência à PF
A decisão de Moro ocorre alguns dias depois das notÃcias sobre supostos encontros de autoridades do governo federal com advogados dos empreiteiros. Uma autoridade citada é o ministro José Eduardo Cardozo (Justiça), que nega ter tratado da Lava Jato com seus interlocutores. "Não censuro a autoridade polÃtica em questão, nem seria apropriado que o fizesse já que não sujeita a minha jurisdição, mas acima de tudo porque não há notÃcia ou prova de que o Ministro de Justiça tenha se disposto a atender à s solicitações dos acusados e das empreiteiras", escreveu Sérgio Moro.
"Embora os episódios ainda não tenham sido totalmente esclarecidos, trata-se, a ver deste JuÃzo, de uma indevida, embora mal sucedida, tentativa dos acusados e das empreiteiras de obter uma interferência polÃtica em seu favor no processo judicial", alerta o juiz. "Evidentemente, não com o oferecimento de vantagem indevida, mas certamente com o recorrente discurso de que as empreiteiras e os acusados são muito importantes e bem relacionadas para serem processadas ou punidas e que cabe ao governo ajudá-las de alguma forma."
Sérgio Moro cita o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, que pelas redes sociais defendeu a demissão do ministro da Justiça. "O eminente Ministro Joaquim Barbosa, ex-presidente do Egrégio Supremo Tribunal Federal, bem definiu a questão em comentário também divulgado na imprensa: Â?Se você é advogado num processo criminal e entende que a polÃcia cometeu excessos/deslizes, você recorre ao juiz. Nunca a polÃticos.Â?"
O magistrado destaca, ainda, que "sequer é crÃvel que (o ministro da Justiça) se dispusesse a interferir indevidamente no processo judicial e na regular e imparcial aplicação da Justiça na forma da lei".
"Rigorosamente, aliás, o discurso do Poder Executivo tem sido no sentido de apoiar o combate à corrupção e a apuração dos crimes na Petrobrás", assinala Moro. "Entretanto, a mera tentativa por parte dos acusados e das empreiteiras de obter interferência polÃtica em seu favor no processo judicial já é reprovável, assim como foram as aludidas tentativas de cooptação de testemunhas, indicando mais uma vez a necessidade da preventiva para garantir a instrução e a aplicação da lei penal e preservar a integridade da Justiça contra a interferência do poder econômico. Não é necessário que o mal seja consumado para que se tome a medida preventiva."
O juiz federal da Lava Jato adverte que "existe o campo próprio da Justiça e o campo próprio da PolÃtica". Ele manda um duro recado a advogados que estariam buscando socorro no governo para tentar livrar os empreiteiros do fantasma do cárcere da PolÃcia Federal. Ele invocou uma frase conhecida do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Carlos Ayres Britto. "(Justiça e PolÃtica) Devem ser como óleo e água e jamais se misturarem. A prisão cautelar dos dirigentes das empreiteiras deve ser discutida, nos autos, perante as Cortes de Justiça e pelos profissionais habilitados, no que diz respeito à Defesa, pelos advogados constituÃdos, dotados de procuração, tudo com transparência e publicidade."
Sérgio Moro anota. "Não há qualquer empecilho para que os advogados constituÃdos procurem este JuÃzo ou os relatores dos diversos recursos já interpostos nos Tribunais ou mesmo outras autoridades públicas envolvidas diretamente nos processos. Este julgador, aliás, recebe, quase cotidianamente, advogados dos acusados, desde que munidos de procuração, o que faz de portas abertas. Ã? um direito e dever do advogado lutar por seu cliente na forma da lei e um dever do magistrado ouvir seus argumentos. Intolerável, porém, que emissários dos dirigentes presos e das empreiteiras pretendam discutir o processo judicial e as decisões judiciais com autoridades polÃticas, em total desvirtuamento do devido processo legal e com risco à integridade da Justiça e à aplicação da lei penal."
"Mais estranho ainda (prossegue Moro) é que participem desse encontros, a fiar-se nas notÃcias, polÃticos e advogados sem procuração nos autos das ações penais. Não socorre os acusados e as empreiteiras o fato da autoridade polÃtica em questão ser o Ministro da Justiça. Apesar da PolÃcia Federal, órgão responsável pela investigação, estar vinculada ao Ministério, o Ministro da Justiça não é o responsável pelas ações de investigações, cabendo-lhe apenas dar à PolÃcia Federal as condições estruturais de realizar o seu trabalho com independência e, se for o caso, definir orientações gerais de polÃtica criminal e de atuação dela."
Ao falar do pagamento de propinas no escândalo Lava Jato, o juiz federal observa que a investigação revela envolvimento de polÃticos com o cartel das empreiteiras que se instalou na Petrobras. "Mais grave ainda, embora esta parte dos crimes esteja sob a competência do Supremo Tribunal Federal, propinas também eram dirigidas a agentes polÃticos e a partidos polÃticos, corrompendo o regime democrático. Não se trata de um ou dois parlamentares, mas mais de uma dezena. Há, é certo, quem prefira culpar a PolÃcia Federal, o Ministério Público Federal e até mesmo este JuÃzo pela situação atual da Petrobras, em uma estranha inversão de valores. Entretanto, o policial que descobre o cadáver não se torna culpado pelo homicÃdio e a responsabilidade pelos imensos danos sofridos pela Petrobras e pela economia brasileira só pode recair sobre os criminosos, os corruptos e corruptores."
Moro indeferiu pedido de revogação da prisão preventiva e decretou nova ordem de prisão dos empreiteiros Ricardo Pessoa, Eduardo Leite, Dalton Avancini e Ricardo Auller porque citados em outras suspeitas, além do esquema da Petrobras. "A ilustrar que os crimes não se resumem aos praticados contra a Petrobrás, releva destacar que, incidentemente, surgiram indÃcios veementes do pagamento de propina pela UTC/Constran a servidores do Governo do Maranhão da gestão passada, inclusive ao ex-chefe da Casa Civil, para obtenção de liberação de precatório milionário pelo Estado. Há provas de que a UTC/Constran teria contratado os "serviços" de Alberto Youssef (doleiro da Lava Jato) para liberação do precatório junto ao Governo Estadual."
"Posteriormente (prossegue Sérgio Moro), este JuÃzo recebeu do Supremo Tribunal Federal cópia de depoimento prestado por Alberto Youssef sobre todo o episódio, confirmando o pagamento de propina pela UTC/Engenharia sob as ordens de Ricardo Pessoa. Não se pode ainda olvidar as revelações efetuadas por Pedro José Barusco Filho (delator da Lava Jato), ex-gerente da área de serviços e engenharia da Petrobras, de que similar esquema de pagamento de propinas reproduziu-se, a partir de 2011, na empresa SeteBrasil, em contratos de construções de sondas celebrados com a Petrobras, com envolvimento também das empreiteiras investigadas na Operação Lava Jato, inclusive a UTC Engenharia e a Camargo Correa."
"Apesar da certeza de que a Petrobrás irá reerguer-se e que conseguirá desenvolver seus negócios com mais eficiência e economia, já que reprimido o custo decorrente do crime, isso não alivia a responsabilidade criminal dos seus algozes", destaca Moro. "Presentes, portanto, riscos à ordem pública, não só diante da necessidade de prevenir novas práticas delitivas de cartel, corrupção e lavagem, mas também diante da própria dimensão em concreto dos crimes que constituem objeto de imputação e de investigação e do consequente abalo à ordem pública. Só o apelo à ordem pública já bastaria à manutenção da preventiva."