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O aliado que incomoda o Planalto e agrada a base

08:22 | 19/05/2013
Obstinado nas brigas políticas e conhecedor dos detalhes técnicos dos debates no Congresso, o articulador dos maiores entraves à MP dos Portos, o líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha (RJ), acentuou, ao longo da semana, sentimentos opostos: a irritação do governo e a admiração dentro e fora da bancada peemedebista.

"Esse episódio deixou clara a deficiência de articulação política e mostrou que o governo tem que tratar melhor sua base. Não é possível essa história de que tudo que o governo manda é para o bem e qualquer mudança é para o mal", disse o deputado a caminho de seu escritório, no centro do Rio. "Não sou oficial de cartório para carimbar qualquer papel que vem do governo. O Congresso não é um departamento do governo."

O líder diz que seu discurso reflete o espírito da bancada do PMDB e que não dá um passo sem consultar os deputados. Capaz de identificar nos projetos em tramitação "janelas de oportunidade" de negociação política, o parlamentar ouve pacientemente os colegas. Em pouco mais de três meses à frente da liderança, aglutina em sua órbita um contingente numeroso de aliados no "baixo clero" - parlamentares de menor influência política, sem acesso aos gabinetes poderosos de Brasília.

Diferentemente de seu antecessor - o atual presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN), que só ouvia os deputados sob ameaça de rebelião - Cunha promove reuniões semanais com a bancada. Com isso, conseguiu que 64 dos 69 deputados peemedebistas votassem a MP dos Portos de acordo com sua orientação.

Efeito Garotinho

A votação da medida provisória seria mais um dos muitos embates de Cunha com o governo, não fosse o desgaste extra provocado pelas acusações de Anthony Garotinho (RJ), líder do PR na Câmara. Ex-governador do Rio e ex-aliado do peemedebista, Garotinho acusou Cunha de agir em favor dos interesses de empresários que atuam no setor portuário e apelidou a emenda defendida pelo peemedebista de "Tio Patinhas", além de chamar o objeto da discórdia de "MP dos Porcos".

Com outros deputados acusados, Cunha decidiu denunciar Garotinho à Corregedoria da Câmara. Também promete processar o ex-aliado. Procurado pelo Estado, Garotinho não respondeu às ligações. "Lamento profundamente ter perdido algum tempo da minha vida política ao lado dele, foi um desperdício. Um erro crasso", diz Cunha sobre Garotinho.

A relação dos dois, porém, já foi a melhor possível. Quando governador, Garotinho nomeou o ex-aliado presidente da Companhia Estadual de Habitação (Cehab). Cunha deixou o cargo depois de uma série de denúncias de irregularidades em licitações, entre 1999 e 2000.

Os processos abertos no Tribunal de Contas do Estado (TCE) foram arquivados em 2004, mas reabertos no fim de 2012, após a Justiça do Rio concluir que os documentos do Ministério Público que inocentavam Cunha foram falsificados.

Cunha nega qualquer irregularidade nos contratos da Cehab e diz que, no episódio dos documentos falsos, é vítima e não réu. O caso gerou também uma denúncia da Procuradoria-Geral da República, encaminhada ao Supremo Tribunal Federal (STF). "Ainda não fui instado a me defender", diz. Outro processo no STF investiga suposto tráfico de influência para beneficiar um ex-diretor da Refinaria de Manguinhos. Cunha alega inocência.

Foi pelas mãos de Garotinho que Cunha chegou ao PMDB, saído do PP. Depois de se desentender com o governador Sérgio Cabral, Garotinho deixou o partido e ingressou no PR. As relações com Cunha continuaram cordiais até o rompimento, há quase dois anos. Quase ao mesmo tempo, Cunha se aproximou de Cabral, que o ajudou na campanha pela liderança do partido. Hoje, Cabral e Cunha têm boa relação política, embora não sejam amigos.

No momento em que o PMDB do Rio ameaça suspender o apoio à reeleição da presidente Dilma Rousseff se o senador petista Lindbergh Farias não desistir da candidatura ao governo, Cunha é um fiel defensor do pré-candidato peemedebista, o vice-governador Luiz Fernando Pezão. Na votação da MP dos Portos, teve a solidariedade do presidente do PMDB fluminense, Jorge Picciani: "O Eduardo unificou e expressou o sentimento majoritário da bancada. O PMDB ganhou peso".

Carioca de 54 anos, economista e evangélico, Cunha está no terceiro mandato. É acusado pelos adversários de criar dificuldades para o governo sempre que tem algum interesse contrariado, como em 2007, quando foi relator na Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) da prorrogação da CPMF e defendeu pontos que contrariavam o Planalto. O impasse só foi resolvido depois que o ex-prefeito do Rio Luiz Paulo Conde assumiu a presidência de Furnas.

Apoio de Collor

Cunha deve o início de sua carreira política ao ex-presidente Fernando Collor, que o nomeou presidente da Telerj (então estatal federal que cuidava das comunicações no Rio) em 1990. O economista tinha então apenas 30 anos e foi apadrinhado por Daniel Tourinho, presidente do PRN, partido que elegera Collor em 1989.

Entre políticos de fora do PMDB, Cunha também granjeou admiração por sua atuação na votação da MP dos Portos. O sucesso do líder do PMDB é apontado como resultado da conjugação de qualidades: preparo técnico, grande capacidade de trabalho e muita habilidade nas articulações. "Ele dorme quatro horas por noite. Às 2h da manhã, ainda está no telefone, e às 6h está de novo. Deve ser a maior conta telefônica do Brasil", diverte-se um parlamentar.

"Ele tem cumprido decisões de bancada e isso tem dado a ele muito crédito", comentou outro colega. Líder da segunda maior bancada da Casa, com 82 deputados, Cunha tem relação de proximidade com PSC, PR, PSD, PTB e até com figuras de destaque do PT. A votação da MP dos Portos mostrou ao governo a habilidade do líder para manter coesa a enorme bancada peemedebista. Na seara do Planalto, a avaliação é que atuação do "aliado inimigo" ameaça mais o vice-presidente Michel Temer do que a presidente Dilma Rousseff. "Eles (o PMDB) vão ter de se entender e definir quem manda no partido".* Colaborou Tânia Monteiro. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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