A Alemanha recicla mesmo tanto quanto parece?
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A Alemanha recicla mesmo tanto quanto parece?

14:47 | 15/10/2018
Alemanha tem fama de campeã mundial da reutilização de materiais descartados. Como em diversos outros países europeus, porém, os números não refletem a realidade.Reciclar é um passatempo nacional na Alemanha. Há o recipiente azul para papel, marrom para o lixo orgânico, amarelo para plástico e preto para o resto. Além disso, os cascos retornáveis são levados de volta ao supermercado, e as garrafas de vidro, depositadas em pontos de coleta públicos. Os alemães se orgulham de seu sistema de reciclagem; até mesmo livros infantis contam a história das latas coloridas. De fato, nesse tópico a nação é celebrada como modelo por todo o mundo. Ela foi pioneira ao introduzir, em 1991, seu sistema com o "ponto verde", em que as companhias pagam uma taxa para financiar a coleta, triagem e recuperação de resíduos. Hoje ele é adotado por 29 países europeus, além de Israel e Turquia. Essa reputação se mantém: em 2017 o Fórum Econômico Mundial declarou a Alemanha campeã mundial da reciclagem. No entanto, especialistas questionam se ela recicla tanto assim quanto sugerem as estatísticas, sobretudo no que se refere ao plástico. A produção global de lixo é de 1,3 bilhão de toneladas por ano. Só a Alemanha é responsável por espantosos 3 milhões de toneladas de embalagens plásticas, das quais, segundo a estatística oficial, 48,8% são reciclados no próprio país. Mas essa cifra é enganosa, aponta Philipp Sommer, especialista em economia circular da associação Deutsche Umwelthilfe (DUH), de proteção ambiental e do consumidor: 38% estariam mais próximo da realidade. Estatísticas opacas não são uma exclusividade da Alemanha; o grupo de lobby Plastics Recyclers Europe aponta falhas por todo continente. "Os números são baseados na quantidade de lixo plástico coletado, não no que foi reciclado no final", revela seu diretor executivo, Antonino Furfari, à DW. Na prática, a reciclagem líquida nos países que alegam altas taxas é muito mais baixa, por diversas razões. Em primeiro lugar, grande parte dos resíduos que vão parar nas unidades de triagem foi coletada erroneamente. Nas grandes cidades alemãs, até 50% do lixo genérico acaba nos recipientes amarelos, inclusive lixo de embalagens que precisa ser separado da matéria plástica valiosa. Em segundo lugar, muitos invólucros são fabricados com uma variedade de polímeros. Por exemplo: embalagens para carne incluem diversas camadas de proteção, para evitar alteração da cor do produto. No entanto, apenas plásticos de tipo único podem ser reciclados. Como as unidades automatizadas não são capazes de separar os diversos materiais, muitas embalagens acabam sendo descartadas, explica Franziska Krüger, especialista em reciclagem de plástico no Departamento Federal do Meio Ambiente da Alemanha (UBA). "Não é fácil reciclar plástico, porque há muitos tipos diferentes de material, e as opções de combinação são numerosas. Isso reduz a reciclabilidade." Todo o lixo "rejeitado" ou é enviado para aterros sanitários, e lá permanece por séculos, ou para centros de incineração, onde é queimado para obtenção de calor ou energia. Esses resíduos, porém, são computados como "reciclados." Outro fato esquecido com frequência é que a qualidade do material recuperado se degrada. Assim, embalagens plásticas recicladas não podem ser simplesmente transformadas em novas embalagens, sendo submetidas à assim chamada downcycling, uma "reciclagem para baixo". Sacos de compras, invólucros de sanduíches e garrafas de suco costumam ser transformados em vasos de planta, cabides e outros produtos que não exigem material de alta qualidade, como a associada aos alimentos. A fim de produzir novas embalagens de alimentos, a indústria precisa acrescentar novo material, ou seja, petróleo bruto, "que consome desnecessariamente montes de recursos e prejudica o meio ambiente", diz Philipp Sommer, da DUH. "Só temos reciclagem 'real' com os cascos reutilizáveis [pelo consumidor, dentro de um sistema de depósito], via supermercados." Frascos feitos de tereftalato de polietileno (PET) podem ser higienizados e recarregados 25 vezes antes de ser reciclados; os de vidro, 50 vezes ou mais. Alemanha dispõe do maior sistema do mundo para garrafas reutilizáveis de PET e vidro, o que é "motivo para se orgulhar". No entanto, ressalva Sommer, a tendência é cada vez mais adotar frascos descartáveis. Barata, robusta e leve, a matéria plástica transformou o consumo humano, possibilitando o próprio estilo de vida moderno. A embalagem à base de polímeros permitiu aos supermercados oferecerem uma gama maior de produtos frescos. Computadores, escovas de dente e roupas sintéticas contêm plástico. A medicina moderna igualmente se beneficiou grandemente das seringas plásticas descartáveis. Mas a dependência desse material é problemática. Tem-se detectado microplástico na Antártida e no Ártico, sem falar da água encanada por todo o mundo. Um estudo de 2016 mostrou que, a menos que a humanidade adote medidas drásticas para reciclar, até 2050 haverá mais plástico do que peixes nos oceanos. Desde que a produção em massa começou, na década de 1950, produziram-se 8,3 bilhões de toneladas métricas do material, e a demanda continua crescendo. Refletindo a tendência global, a quantidade de lixo plástico da Europa cresceu 13% nos últimos dez anos. Há quem proponha um retorno à era pré-plástico, mas a onipresença do material na vida moderna torna essa ideia um gigantesco desafio. A explosão da poluição plástica fez com que o problema ganhasse atenção do grande público, devido a sua natureza extremamente visível. Tem havido muita discussão pública sobre reduzir o emprego do material, desenvolver alternativas e intensificar a taxa de reciclagem. Para certos especialistas e políticos, a resposta está na economia circular. "Fechando-se o ciclo", menos resíduos iriam parar nos aterros sanitários, unidades de incineração ou no oceano, permitindo poupar recursos valiosos e, ao mesmo tempo, proteger o meio ambiente, indica Mathy Stanislaus, especialista em economia circular do Instituto de Recursos Mundiais. Se os seres humanos prosseguirem produzindo e descartando plástico no volume atual, até 2050 o setor consumirá 20% da produção de petróleo bruto, consumindo 15% do orçamento global anual de carbono. "Autor: Katharina Wecker (av)

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