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"Partido populista de direita tem tradição na Áustria"

14:31 | 17/10/2017
Cartaz eleitoral do partido austríaco FPÖ defende o fim da "islamização"FPÖ faz parte do cenário político austríaco há muito tempo, tendo surgido como um partido nazista, afirma cientista político. Este é apenas um dos aspectos que o diferenciam de legendas populistas de países vizinhos.Ao contrário de outros partidos populistas de direita na Europa, como a alemã Alternativa para a Alemanha (AfD), o Partido da Liberdade da Áustria (FPÖ) tem tradição no país, explica o cientista político Heinz Gärtner, da Universidade de Viena, em entrevista à DW. O FPÖ ficou em terceiro lugar na eleição do último fim de semana. Leia mais: Eleição na Áustria confirma guinada à direita "A AfD foi recém-criada, enquanto o FPÖ existe, de facto, desde 1945", comenta. "O FPÖ não é um partido de ocasião, que é criado em resposta a uma situação e desaparece logo em seguida." "O FPÖ vai ficar mesmo que o tema migração perca importância", prevê, fazendo com que o sistema político austríaco, que por muito tempo foi bipartidário, continue tendo três grandes partidos. DW: O FPÖ obteve mais de 26% dos votos, o melhor resultado do partido desde 1999. O que fala a favor de uma coalizão entre o Partido Popular Austríaco (ÖVP), que ficou em primeiro, e o FPÖ? Heinz Gärtner: O tema que deu tantos votos aos dois partidos: migração e refugiados. Há muitos pontos em comum nesse campo político, o que oferece uma óbvia possibilidade de coalizão. Mas uma coisa deve ser dita: isso pode levar a um certo conflito. Afinal, quem terá o comando quando chegar a hora de criar novas leis de migração? Quem ficará com o Ministério do Interior? Isso poderá criar tensões, mas muita coisa fala a favor de uma coalizão entre ÖVP e FPÖ. Apesar de o ÖVP, sob o comando do jovem Sebastian Kurz, ter se deslocado para a direita justamente na política para refugiados e migratória, isso não se deu às custas do FPÖ. Isso é muito incomum. Como se explica isso? Essa análise está correta, mas minha impressão, sem poder provar o que digo de forma empírica, é que Kurz e o ÖVP, na fase final de campanha, foram muito mais duros que o FPÖ no tema migração. Kurz, bem mais do que o FPÖ, adotou uma linha dura contra o islã. Normalmente, muitos eleitores que apoiam essa visão teriam optado pelo FPÖ, mas as declarações duras de Kurz fizeram com que o ÖVP e seu jovem candidato somassem pontos. Claro que há também o eleitorado tradicional do FPÖ, que se manteve fiel ao partido. Isso explica o excelente resultado da legenda. E devo dizer que o FPÖ não é apenas um partido antimigração. O FPÖ cresceu nas últimas décadas, quando refugiados e migração nem mesmo eram um grande tema político. Assim podemos dizer que o FPÖ passa por um processo "natural" de crescimento. E isso, claro, também o diferencia de outros partidos de direita na Europa, como a AfD, que acaba de começar esse processo. Como a guinada à direita na Áustria vai se manifestar na política? Haverá uma "orbanização", como na Hungria? Já tivemos uma coalizão assim, entre o início e meados da década passada. Houve cortes muito fortes nos programas sociais, e a legislação penal foi endurecida. Sobre a "orbanização": haverá uma aproximação aos Estados do Visegrád, disso eu tenho certeza. E em princípio também não é ruim ter melhores relações com seus vizinhos. Mas é claro que, na Hungria, temos o [primeiro-ministro Viktor] Órban, e ele logo ligou para parabenizar. Uma "orbanização" talvez seja amplo demais, mas creio que iremos na direção de uma democracia da lealdade, ou seja, será exigido 100% de lealdade, mas sem que haja um enfraquecimento ou dissolução da democracia. O conceito "democracia da lealdade" definiria isso muito bem. Ela não vai tão longe como o que se vê na Hungria de Órban. O FPÖ já foi parceiro minoritário num governo federal duas vezes. Na época, houve protestos em toda a Europa contra os populistas de direita. Hoje o partido se tornou normal para a sociedade austríaca? Muito normal. Do ponto de vista do sistema político, a Áustria se tornou um sistema tripartidário. Por muito tempo foi um sistema bipartidário, com os social-democratas e os conservadores. A ascensão do FPÖ transformou o sistema em tripartidário, e isso não vai mudar. Não acredito que o FPÖ vá desaparecer. O partido tem certas raízes na sociedade austríaca. O FPÖ vai ficar mesmo que o tema migração perca importância. Isso significa que dois partidos não terão mais a maioria de dois terços, necessária para mudar a Constituição. Para isso, eles vão precisar do terceiro partido. E, em muitos aspectos, o FPÖ é, há muito tempo, um partido integrado na sociedade austríaca, e isso não vai mudar. Partidos populistas de direita festejam triunfos eleitorais em vários países da Europa. O que une esses partidos ao FPÖ? Devo dizer que há diferenças. O ponto em comum, claro, é que são todos populistas de direita e colaboram no Parlamento Europeu para obter uma certa influência por lá, ou seja, para apresentar proposições comuns. Mas isso não significa que eles sejam realmente iguais do ponto de vista ideológico. A principal diferença do FPÖ em relação aos outros partidos populistas de direita é que ele quer permanecer na União Europeia (UE). A Áustria assume a presidência rotativa da UE no próximo ano, e o FPÖ sabe muito bem que ficaria isolado se defendesse a saída do bloco enquanto a Áustria ocupa a sua presidência. Mas se houver um ministro do Exterior do FPÖ, creio que o FPÖ e a Áustria ficarão mais isolados no Parlamento Europeu. Além disso, o que diferencia o partido dos outros partidos rigorosamente de direita na Europa é a sua tradição na Áustria. A AfD foi recém-criada, enquanto o FPÖ existe, de facto, desde 1945. Era um antigo partido nazista. Hoje, claro, ele é mais moderado. Ela não é mais um partido de nazistas, mas continua sendo um partido de direita. Ele também já participou de outros governos – por exemplo na Caríntia – e tem grande influência por lá. O FPÖ não é um partido de ocasião, que é criado em resposta a uma situação e desaparece logo em seguida. Talvez seja isso o que mais o diferencie dos outros partidos populistas de direita na Europa. Autor: Volker Wagener (as)

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