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Quão perigoso é o ar que respiramos em aviões?

12:15 | 13/09/2017
Pilotos e comissários de bordo alertam para possíveis efeitos nocivos causados por substâncias presentes no ar da cabine de aeronaves, uma questão delicada na indústria da aviação. OMS fala em doença ocupacional.A comissária de bordo Kerstin Konrad ainda se lembra de seu primeiro fume event – nome usado na indústria da aviação para quando o ar dentro do avião está possivelmente contaminado. Os passageiros perceberam um cheio peculiar na aeronave, e o comandante pediu que Konrad verificasse o que estava acontecendo. "Então eu fui para a parte de trás do avião", diz Konrad. "E, quando senti o cheiro da saída de ar, senti imediatamente uma forte dor de cabeça e no estômago, além de uma sensação de formigamento nos membros, que se espalhou pelo corpo." Ela diz que ficou tão atordoada e confusa que sequer podia executar as tarefas mais simples, como organizar os sucos no carrinho. "Eu me sentei, porque não era capaz de fazer mais nada. Muitos dizem se sentir como zumbis", relata Konrad, que vivenciou quatro fume events. Ela sofreu danos permanentes à saúde e não pode mais voar. Somente no ano passado, 228 casos de fume events foram relatados ao Departamento Alemão para a Investigação de Acidentes Aéreos (BfU), sendo dois "incidentes graves". Em 2015, foram 162 ocorrências (cinco graves); e, em 2014, foram 157 casos (seis deles graves). O número de casos comunicados pela tripulação a empresas aéreas deve ser ainda maior, afirmou a emissora de TV alemã ZDF, apontando que muitas vezes relatórios internos das companhias aéreas não são repassados ao BfU. A lei alemã de investigação de acidentes aéreos e a regulação da União Europeia sobre o assunto determinam o que constitui um quase acidente, que deve ser investigado pelas autoridades. O que acontece na cabine de pilotos é crucial. "As circunstâncias que forçam um piloto a usar uma máscara de oxigênio são o que pode levar a um acidente sério", explica Jens Friedemann, inspetor de acidentes do BfU, em entrevista à DW. Levando em conta esse critério, dos 228 fume events relatados no ano passado, apenas dois foram considerados incidentes graves. Em outras palavras, não existe um problema grave e, acima de tudo, urgente na indústria da aviação. Causa e efeitos contestados A médica Astrid Heutelbeck disse à DW que ela pode, por exemplo, provar uma relação causal pesquisando resíduos no sangue e urina de pessoas que sofreram um fume event usando um procedimento chamado de biomonitorização humana. "Na biomonitorização humana, identificamos substâncias e grupos de substâncias que não são descritas como componentes do ambiente normal, mas da querosene, de óleos ou de fluidos hidráulicos", explica Heutelbeck. Está provado que essas substâncias podem danificar o sistema nervoso e os pulmões, diz a médica, que é chefe do Departamento de Medicina Ambiental e Ambulatorial do Centro Médico da Universidade de Göttingen, na Alemanha. O ar da cabine provém das turbinas do avião, e é também chamado de "ar de purga". No processo, ele pode ser contaminado por componentes do querosene, óleo ou fluido hidráulico. "As pessoas ainda podem inalar e exalar a mesma quantidade de ar como qualquer um. Isso não é um problema, mas o corpo não consegue absorver o oxigênio desse ar, e se percebe isso em termos de esforço físico", diz a médica. Desde o início de 2014, Heutelbeck investigou "várias centenas" de pacientes da indústria da aviação com esses sintomas, usando procedimentos médicos padronizados. "Nenhuma evidência" A indústria da aviação ainda não reconheceu a relação cientificamente comprovada entre os sintomas descritos acima e o que é chamado de sangramento de ar tóxico nas cabines de avião. "O sistema de purga de ar tem sido um padrão na indústria de aviação desde a década de 1960 e provou ser confiável", destaca Claudia Nehring, porta-voz da Associação Federal de Transporte Aéreo Alemão (BdL), que representa os interesses das companhias aéreas e operadores de aeroportos. Ela afirma, ainda, que o ar é extraído na parte anterior à câmara de combustão do motor – assim, a injeção de querosene e a combustão ocorrem mais tarde, o que significa que é tecnicamente impossível que o ar tenha contato com gases de escape ou resíduos da câmara de combustão. "Existem diferentes estudos que examinaram a qualidade do ar da cabine", argumenta Nehring. "Nenhum deles comprovou que o ar da cabine está contaminado de tal modo a causar danos à saúde." A Agência Europeia de Segurança da Aviação (EASA) também testou o ar de cabines em busca de substâncias tóxicas em dois estudos, e descobriu que a qualidade do ar no avião não é pior que a dos escritórios normais. No entanto, ainda não se investigou se uma combinação de certas substâncias tóxicas em baixas concentrações pode ser prejudicial à saúde sob diferentes condições de pressão do ar e em sob baixa umidade. Além disso, a qualidade do ar foi analisada somente em 69 voos. "Presume-se que por volta de um em cada mil voos seja afetado, e eles analisam apenas cerca de 70 voos, então essa desproporcionalidade fala por si mesma", afirma Heutelbeck. Pesquisadores britânicos e australianos encontraram uma "relação direta" entre a síndrome aerotóxica – os efeitos nocivos para a saúde causados pelos fume events – e o ambiente de trabalho, ou seja, o avião. Essa "nova doença ocupacional" deve ser urgentemente reconhecida como tal, de acordo com os autores de um estudo publicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em junho de 2017. A BdL se recusou a comentar o assunto. E os passageiros? Se um piloto for afetado fortemente por fume event, como aconteceu com Konrad, a situação pode rapidamente se tornar muito perigosa. Mas os pilotos podem recorrer a máscaras que fornecem oxigênio puro, algo que os comissários de bordo e passageiros não têm à disposição. As máscaras que caem em caso de emergência contêm apenas ar da cabine enriquecida com oxigênio. A maioria dos passageiros não voa tão frequentemente como pilotos e comissários de bordo, mas, teoricamente, também está sujeita a danos à saúde causados por fume events. A indústria sente uma pressão crescente e se comprometeu a trabalhar ativamente em pesquisas. "Temos um grande interesse em conseguir mais informações", diz Nehring, da BdL. "Porque a segurança e saúde de tripulações e passageiros é a nossa principal prioridade." Todas as companhias aéreas representadas pela BdL realizam atualmente testes com sistemas de filtragem e sensores, mas levará mais de dois anos para que os resultados sejam avaliados, e pelo menos três anos até que a Comissão Europeia publique um novo estudo que será conduzido com a ajuda do setor. Custos elevados Os fume events também têm a ver com razões econômicas. Seria muito caro equipar todas as aeronaves com sistemas de filtragem e sensores para o monitoramento permanente da qualidade do ar. Seria mais caro ainda se o ar da cabine não fosse retirado da câmara de combustão dos motores, como é o caso do Boeing 787 – uma exceção entre os grandes aviões de passageiros. Os custos de tratamento da tripulação e, no pior dos casos, a aposentadoria por invalidez devem ser cobertos pela associação profissional responsável, a BG Verkehr. A porta-voz da associação disse à DW que as entidades profissionais são "legalmente obrigadas a reconhecer acidentes somente se houver um vínculo entre um acidente e problemas de saúde", acrescentando que nenhuma relação causal foi estabelecida até o momento. No entanto, é provável que a BG Verkehr arque com os custos iniciais da biomonitorização humana. "Tenho a sensação de que não há grande interesse em estudar realmente esta questão", afirma Konrad à DW, acrescentando que é a hora de políticos e legisladores tomarem a iniciativa. "Afinal, trata-se de vidas humanas", conclui a comissária. Autor: Andreas Becker (fc)
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