PUBLICIDADE
Notícias

"Ideia de higiene racial ainda está presente"

13:01 | 06/10/2016
Em entrevista à DW, o ator Sebastian Koch, famoso por filmes como "A vida dos outros", fala de seu novo personagem: um dos médicos responsáveis pelo programa de eutanásia nazista.Ele foi Albert Speer, arquiteto de Hitler, e o militar Claus von Stauffenberg, autor de um atentado fracassado contra o ditador nazista. Agora, ele encarna um dos responsáveis pelo programa de eutanásia do regime nacional-socialista. Em entrevista à DW, ator alemão Sebastian Koch, famoso internacionalmente pelo drama da Guerra Fria A vida dos outros, fala de como é atuar em dramas históricos. E da relevância de seu novo filme, Nebel im August ("névoa em agosto", em tradução livre), nos dias de hoje. "Essa ideia de higiene racial ainda está presente. Estamos caminhando para direções perigosas, por querermos controlar coisas que ainda nem podemos", diz. DW: Você atuou em um grande número de dramas históricos, em diferentes épocas da história alemã: nazista, terrorista, dissidente político. Qual é a coisa mais difícil ao se entrar no passado dessa forma, especialmente quando se tem que recriar um personagem real da história? Sebastian Koch: Na verdade, é um presente, como ator, poder cobrir tantas partes diferentes da história. É como viajar no tempo, estar dentro de um livro de história, nas locações reais. Como quando eu filmei O túnel, filme sobre a construção do Muro de Berlim e um homem que escapou cavando um túnel por baixo dele. O início do Muro era apenas dois soldados colocando um fio de arame – e eu estava lá, vivendo isso na "vida real". Eu não estou buscando isso, mas isso vem naturalmente para mim. Eu sempre tive o desejo de falar sobre esse período nazista, porque a geração dos meus pais não iria, de forma nenhuma, falar sobre isso depois da guerra. Do ponto de vista de um ator, é incrível pode interpretar no mesmo ano Albert Speer [arquiteto de Hitler] e Claus von Stauffenberg [autor de um atentado contra Hitler]. Como ator, é particularmente difícil interpretar uma pessoa real, como Speer, Stauffenberg ou Andreas Baader, pelo fato de as pessoas já terem uma ideia deles em suas cabeças? Pode ser que a responsabilidade seja diferente. As pessoas têm uma ideia sobre o personagem, o que faz isso ser bastante empolgante. Adoro o fato de estar totalmente preparado e, em seguida, decidir o que eu coloco no personagem. Albert Speer, por exemplo: há pessoas que dizem que ele estava consciente sobre cada coisa que fez. Eu não tenho tanta certeza sobre isso. Ele esteve sempre convencido de que era um bom homem e se sentia inocente, razão pela qual ele podia ser tão honesto e verdadeiro. Ele foi o mestre do recalque. E o recalque serviu, na verdade, como álibi para os alemães durante décadas. Eles diziam: se ele, Speer, estava tão perto de Hitler e não sabia de nada, como nós poderíamos saber? Em seu novo filme, Nebel im August ("névoa em agosto", em tradução livre), você interpreta o médico Werner Veithausen, uma das figuras-chave no programa de eutanásia nazista. Quem foi Veithausen? Ele era como Speer, alguém que acreditava nas coisas. Ele acreditava poder fazer coisas boas. Na época, no final do século 19, era absolutamente normal para a sociedade discutir higiene racial, e como fazer o ser humano melhor. Era baseado em Darwin, no darwinismo social. Hitler tomou isso e fez, com leis horríveis entre 1933 e 1938, sua própria coisa – que era apenas um instrumento para assassinar pessoas. Como você interpreta um personagem como esse sem fazer dele um vilão nazista bidimensional? Essas pessoas não se acham monstros. Ele estava bastante convencido do que estava fazendo. "Redimir" pessoas que não têm chance de sobreviver à sua doença, desocupar um leito para alguém que ainda tem chance de se recuperar. Para mim, o desafio como ator é encontrar a lógica, o espaço interior de pensamentos e consequências lógicas. E quanto melhor eu fizer isso, melhor eu me preparo, melhor eu posso me mover nessa estranha realidade – estranha para nós, não para ele. Qual é a relevância do filme e de seus temas hoje em dia? Essa ideia de higiene racial ainda está presente, se você vir, por exemplo, o diagnóstico pré-natal. Estamos caminhando para direções perigosas, por querermos controlar coisas que ainda nem podemos. As crianças com síndrome de down, por exemplo: mortas sob as leis nazistas. Mas hoje essas crianças nem chegam a nascer, nem a viver, porque ninguém quer dar à luz elas agora [Na Alemanha, entre 80% e 90% dos pais optam por abortar fetos com síndrome de down, o que é legal no país]. Esta é uma das razões por que eu fiz o filme, para fazer as pessoas pensarem sobre a decisão de dar e tirar a vida em nosso sistema moderno. Não posso deixar você ir sem falar sobre o filme que o tornou conhecido internacionalmente A vida dos outros, de 2006. Olhando para aquela época, qual o impacto que o filme teve sobre você, pessoalmente, e sobre o cinema alemão como um todo? Primeiro de tudo, eu amei o trabalho. Para mim, foram os melhores três meses que eu já tive, artisticamente. Durante as filmagens, nós já sabíamos que tínhamos algo especial acontecendo. E então foi um sucesso enorme. O sonho de todo ator é fazer um filme que permanece... E eu me lembro do Oscar. Acho que era o aniversário de 60 anos do Oscar para filme de língua estrangeira e eles tinham um trailer de oito minutos sobre o cinema europeu, com todos os vencedores do Oscar – Fellini, De Sica, Truffaut, Schlöndorff, e assim por diante... e depois disso veio "o Oscar vai para... A vida dos outros, da Alemanha. " Eu nunca vou esquecer isso. Eu me sentia como em uma bolha, foi fantástico. De repente, o nosso filme estava na mesma linha daqueles filmes tão importantes que me levaram a me tornar um ator. Fui educado com eles, de certa forma. Foi um momento maravilhoso. Depois de A vida dos outros, você apareceu em uma série de grandes filmes internacionais, como A espiã e, recentemente, A ponte dos espiões, de Stephen Spielberg. O que você ganha, como ator, fazendo papéis menores nestas grandes produções, em comparação com os papéis principais que está acostumado a fazer em filmes alemães? Todo ator vai dizer: não existem pequenos papéis. E isso é verdade. Para mim, é importante que o filme exista. Em A Ponte dos Espiões, por exemplo, o roteiro é dos irmãos Coen, e a equipe tinha Tom Hanks e Spielberg. Então, foi um achado. Eu estava bastante convencido de que esta seria um filme especial. E ele é, por sinal. Eu adoro o filme. O trabalho foi impressionante, porque Spielberg é um dos poucos diretores capazes de criar uma atmosfera muito particular e criativa dentro do set, mesmo que haja uma produção cara de Hollywood por fora. Nós éramos livres para cometer erros, fazer sugestões, e nós trabalhamos juntos de uma maneira muito íntima. Foi uma experiência muito boa. Mas se você tem a chance de atuar com Spielberg ou em grandes séries internacionais como Homeland, o que o faz continuar voltando para a Alemanha e para filmes alemães? Eu sou alemão! Na verdade, eu amo meu país, eu amo a língua. A língua alemã é muito especial, porque é tão precisa. Há uma palavra para tudo. Há tantas palavras maravilhosas que outras línguas não têm. É impressionante ter uma língua tão rica: eu adoro trabalhar neste idioma. Autor: Scott Roxborough (md)
TAGS