O que está por trás do conflito entre a Tailândia e o Camboja?
00:02 | Dez. 09, 2025
Países disputam território fronteiriço mapeado há mais de um século por colonizadores franceses. Menos de dois meses após acordo de paz, confrontos são retomados na fronteira.A Tailândia lançou ataques aéreos ao longo de sua fronteira disputada com o Camboja na manhã desta segunda-feira (08/12), informou o Exército tailandês, com ambos os países se acusando mutuamente de reiniciar o conflito que envolve uma disputa secular pelo Triângulo de Esmeralda – área onde a fronteiras dos dois países se encontra com a do Laos. O primeiro-ministro tailandês, Anutin Charnvirakul, disse que seu país lançará ações militares na fronteira com o Camboja "sempre que for necessário", em meio a confrontos na divisa que deixam um saldo preliminar de um soldado tailandês morto e uma dezena de feridos em ambos os lados. Embora o Camboja assegure que não disparou, apesar das "inúmeras provocações" da Tailândia, Anutin reiterou que seu país "nunca desejou a violência nem iniciou uma agressão", mas lembrou que "não tolerará violações de sua soberania e responderá com razão, cautela e paz". O Camboja, por sua vez, acusa a Tailândia de ter atacado bairros residenciais e queimado casas de cidadãos que não são militares. Os confrontos atuais rompem, na prática, o acordo de paz selado por Tailândia e Camboja em outubro na Malásia, sob a mediação do presidente americano, Donald Trump . Bangcoc e Phnom Penh mantêm uma disputa territorial histórica pela soberania de alguns territórios em sua divisa, cartografada pela França em 1907, quando o Camboja era sua colônia. Os conflitos se intensificaram em julho deste ano e deixaram mais de 400 mortos e 300 mil deslocados, no embate mais mortal entre os dois países desde 2011. Na época, Trump ameaçou suspender acordos comerciais caso as hostilidades não cessassem. Tailândia e Camboja, então, concordaram com uma trégua inicial no final de julho, que se manteve instável. Acordo de paz Em outubro, os dois países assinaram um acordo de paz. Como parte da primeira fase do novo pacto, a Tailândia libertaria 18 prisioneiros cambojanos, e o Camboja começaria a retirar sua artilharia pesada da fronteira. Observadores regionais iriam monitorar a situação para garantir que os combates não fossem retomados. Em meados de novembro, Anutin suspendeu temporariamente o acordo de paz após trocas de tiros na fronteira, na sequência de um incidente com minas terrestres. Os atuais confrontos provocaram o deslocamento de milhares de pessoas em localidades próximas à fronteira, de cerca de 820 quilômetros, onde ambos os governos ordenaram o fechamento de centenas de escolas. Crise diplomática e política As duas nações discutem há décadas sobre onde a fronteira deveria ser traçada, reflexo de uma disputa que remonta ao mapeamento da região por colonizadores franceses no início do século 20 (leia mais abaixo). O último confronto de larga escala havia ocorrido no local há quase 15 anos, mas as tensões voltaram a crescer em maio, quando um soldado cambojano foi morto em um tiroteio pontual. As tensões desencadearam uma crise política interna na Tailândia, onde a primeira-ministra Paetongtarn Shinawatra foi suspensa do cargo no início de julho, alvo de uma investigação ética sobre sua conduta. Ela é acusada de prejudicar interesses nacionais do país ao fazer uma deferência ao ex-governante do Camboja Hun Sen sobre as questões fronteiriças durante uma ligação diplomática que foi vazada à imprensa. Disputa mal resolvida há um século O desacordo dos dois países sobre a delimitação da fronteira teve início no começo do século 20, quando a França, que ocupava o atual Camboja, fez um acordo com Sião, atual Tailândia. O importante templo hindu de Preah Vihear, do século 11, acabou ficando do lado cambojano, o que passou a ser contestado pelo país vizinho. Na década de 50, após o fim do protetorado francês no Camboja e a retirada das tropas europeias da região, a Tailândia ocupou o templo, considerado simbólico para os dois povos. Em 1962, a Corte Internacional de Justiça (CIJ) analisou o caso e decidiu que Preah Vihear pertence ao Camboja. No entanto, a Tailândia passou a considerar que as áreas adjacentes ao templo não constavam no despacho da Corte e reativou conflitos ao longo da fronteira. Em 2011, as trocas de agressões atingiram seu ápice. Milhares de pessoas foram deslocadas e ao menos 20 morreram. As relações melhoraram após a CIJ emitir nova decisão, em 2013, desta vez delimitando toda a província de Preah Vihear como pertencente ao Camboja. À época, a Tailândia acatou o acordo. gq/cn (AFP, DW, OTS)