Cresce interesse por bunkers de proteção na Alemanha
Com invasão russa da Ucrânia, mais pessoas e organizações têm procurado construir abrigos. Governo alemão estuda investir em reativação de antigas estruturas da Guerra Fria, mas especialistas questionam utilidadeTalvez não exista melhor maneira de avaliar o nível de ansiedade de um país do que observando empresas que constroem salas de pânico e bunkers particulares. Os negócios estão indo preocupantemente bem para a BSSD Defense, empresa com sede em Berlim que constrói "sistemas de salas de proteção" para iniciativas privadas, comerciais e militares. Além de uma gama de equipamentos de segurança doméstica, a empresa oferece desde "salas de pânico pop-up" por cerca de 20 mil euros (aproximadamente R$ 120 mil) até bunkers em escala real por cerca de 200 mil euros (em torno de R$ 1,2 milhão). O diretor técnico da BSSD, Mario Piejde, diz que a empresa tem recebido mais chamadas nos últimos anos, tanto particulares, como de serviços de bombeiros e de conselhos locais municipais. Esse aumento começou durante a pandemia de covid-19 e teve um novo impulso quando a Rússia iniciou sua guerra de agressão contra a Ucrânia, em 2022. "Há uma demanda ativa e um interesse ativo, porque não há muitos fornecedores por aqui", disse Piejde à DW. "Ninguém poderia esperar que uma guerra convencional pudesse ser travada na Europa novamente, mas a história continua se repetindo, infelizmente. As pessoas que estavam pensando nisso antes agora começaram a implementar seus planos de fato." Nenhum bunker funcionando Esse sentimento parece ter se infiltrado nos círculos políticos. Em uma conferência de ministros do interior no início de junho, em Potsdam, cidade nos arredores de Berlim, o ministro federal do Interior apresentou a seus colegas estaduais um relatório sobre o desenvolvimento de um "conceito moderno de abrigo" para a população alemã. Esse documento surgiu três meses depois que a Associação Alemã de Cidades e Municípios, que representa os 14 mil conselhos locais do país, pediu ao governo federal que investisse 10 bilhões de euros nos próximos dez anos em proteção civil – e que usasse esse dinheiro para reativar os 2.000 bunkers da época da Guerra Fria. Essa não seria uma tarefa fácil. O Departamento Federal de Proteção Civil e Assistência a Desastres (BBK, na sigla em alemão) disse à DW que apenas 579 desses bunkers são designados como abrigos públicos, e eles teriam espaço para cerca de 478 mil pessoas (ou 0,56% da população alemã). E mesmo esses bunkers "não estão funcionando nem prontos para uso" desde que o sistema anterior de abrigos foi abandonado, em 2007. Segundo o BBK, um novo conceito de bunker está sendo planejado. Mas existe um significativo porém – o relatório do governo federal, vazado para vários meios de comunicação alemães, diz que para proteger toda a população do país seria necessário construir mais 210.100 bunkers, o que levaria 25 anos, a um custo de 140,2 bilhões de euros (o equivalente a R$ 841,2 bilhões). Nos últimos 35 anos, construções voltadas para a proteção da população foram esquecidas, sublinhou Piejde. Ele acredita que a revitalização desses abrigos é viável. "Não houve muita mudança na construção nas últimas 50 décadas. Há uma certa resistência das paredes, espessura das paredes, sistemas de filtragem. Tudo o que mudou foi o fornecimento de energia e a eficiência das baterias." Mas qual é o nível de proteção de um bunker? Hans-Walter Borries, diretor do Instituto de Estudos Econômicos e de Segurança Firmitas, da Universidade de Witten, na Alemanha, concorda que a questão da proteção da população tem sido extremamente negligenciada. Mas ele questiona a utilidade real dos bunkers, dada a escala do poder de fogo militar disponível em uma guerra entre a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e a Rússia, caso se concretize – e se esse for realmente o cenário para o qual está sendo preparado. A Rússia, por exemplo, agora tem mísseis hipersônicos que podem atingir praticamente qualquer cidade europeia a partir do exclave de Kaliningrado em dois a cinco minutos. "Não é como na Segunda Guerra Mundial, quando os avisos de bombardeiros sobrevoando Hannover em direção a Berlim davam às pessoas 15 ou 20 minutos para encontrar um bunker", disse Borries, também coronel da reserva, à DW. "Com os tempos de reação atuais, não há como avisar a população." O governo federal reconhece esse problema. Em caso de guerra, diz o relatório oficial, grandes bunkers centrais seriam muito menos úteis do que espaços protegidos descentralizados dentro de edifícios residenciais. Por esse motivo, o governo planeja recomendar que os cidadãos adquiram materiais de construção baratos e facilmente disponíveis para construir salas seguras em seus porões para se protegerem. Outras prioridades para investimento Borries não está convencido da necessidade de bunkers, especialmente considerando que um conflito desse tipo poderia rapidamente se transformar em uma guerra nuclear, e as armas nucleares são agora indefinidamente mais destrutivas do que as usadas pelos EUA no final da Segunda Guerra Mundial. "O efeito não é mais comparável ao de Hiroshima ou Nagasaki", afirmou. "Com armas modernas, toda a República Federal da Alemanha poderia ser dizimada com 9 a 12 foguetes." Os bunkers que poderiam resistir a esse tipo de ataque, segundo ele, precisariam ser enterrados a milhares de metros de profundidade nos Alpes suíços. "E depois disso, você não iria mais querer sair." Em vez de investir bilhões na construção de uma rede de bunkers para o caso de uma guerra, Borries argumentou que seria melhor que os governos investissem no que ele chamou de proteção "normal" da população. Esse plano incluiria sistemas de alerta para desastres, especialmente os naturais, como as enchentes que a Alemanha sofreu recentemente, e treinamentos melhores para as organizações de socorro a desastres. "Isso significaria dinheiro para treinamento, exercícios e equipamentos modernos", concluiu Borries. "Tudo isso faria mais sentido do que imaginar esses cenários de fim dos tempos em que basicamente não se pode fazer mais nada." Autor: Ben Knight
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