As consequências do calote para as finanças da Rússia

Autor DW Tipo Notícia

Ministério das Finanças da Rússia afirma que juros foram pagos, mas não chegaram ao destinoA maioria considera que o país entrou na inadimplência por não pagar seus credores. Mas a realidade é mais complicada que isso, e mostra que o governo russo tem sido estratégico, se preparando para as consequências.A agência de classificação de risco Moody's confirmou que a Rússia deixou de pagar a dívida externa depois que os detentores de títulos não receberam 100 milhões de dólares (R$ 523 milhões) em pagamentos de juros. "O pagamento de cupom perdido constitui um default", disse a agência internacional de classificação de risco, em comunicado divulgado nesta segunda-feira, acrescentando que mais calotes em futuros pagamentos de cupom "são prováveis". A Rússia tem um total de cerca de US$ 40 bilhões em dívida externa, e o quadro legal não é claro quanto ao status de inadimplência. O que é o default? A forma como a dívida do governo funciona é que os investidores compram globalmente os chamados títulos do governo – basicamente documentos legais. O governo pode usar o produto da compra para suas despesas e concorda em pagar periodicamente pagamentos de juros ao investidor. Após o vencimento do título, o governo devolve o preço de venda inicial – o investimento principal – aos credores, e a dívida se dissolve. O que conta como default, ou inadimplência, é estipulado nas letras miúdas dos documentos. Cada título do governo chega como um longo texto legal, no caso de um dos títulos russos em questão, são 143 páginas. Este documento, a que a DW teve acesso, define sete eventos de default. Ponto mais grave: falta de pagamento. A Rússia está inadimplente? Embora a Moody's tenha declarado a Rússia inadimplente, os documentos legais apresentam um quadro confuso. Falando sob condição de anonimato, um advogado do mercado de capitais em Londres disse à DW que, no mínimo, a Rússia não "cumpriu suas obrigações contratuais". Em relação ao que significa "não pagamento" nos documentos legais, o advogado disse: "Alguém pode deixar de pagar se realmente fez tudo o que está sob seu controle para fazer o pagamento ... e garantir que os fundos relevantes saiam da conta relevante?" Juridicamente, os tribunais decidirão se o país entrou na inadimplência. Mas como dinheiro pode ser pago, mas não recebido? A Rússia pagou seus credores? O funcionamento interno das finanças internacionais é intrincado. O jornal americano The Wall Street Journal relatou nesta semana que pelo menos um investidor tinha conhecimento de um pagamento enviado, mas não recebido. E o ministro das Finanças russo, Anton Siluanov, disse a repórteres em Moscou na semana passada que a Rússia fez tudo "para levar o cavalo à água, mas não depende de nós se ele quer beber ou não". Devido ao regime de sanções liderado pelos EUA, os canais internacionais de envio de pagamentos não estão mais abertos para a Rússia. Em tal transação, vários agentes estão envolvidos, como agentes pagadores, que enviam os fundos para instituições de compensação que lidam com pagamentos de juros para devedores e credores. Os títulos russos vencidos deveriam ser compensados por meio da Euroclear ou da Clearstream – duas empresas privadas que oferecem esses serviços, mas que atualmente, por conta das sanções, estão impedidas de compensar pagamentos russos. Em vez disso, o Ministério das Finanças da Rússia disse que transferiu os pagamentos de juros para uma conta na Euroclear no sistema de liquidação russo, o Depositário Nacional de Liquidação (NSD, na sigla em inglês). Em circunstâncias normais, o Euroclear teria então transferido o dinheiro para seu próprio sistema e depois para os bancos depositários que têm contas no Euroclear e, finalmente, para os detentores de títulos. Mas a Euroclear não tem permissão para dar prosseguimento ao processo. "Então, tecnicamente falando, o dinheiro não está mais em uma conta da Federação Russa, mas já está em uma conta que não pertence à Federação Russa, e a Federação Russa não pode pegar o dinheiro de volta", disse o advogado do mercado de capitais, assumindo que o dinheiro "está em algum lugar, preso no encanamento". Rússia tem precauções contra apreensão de bens Países já deram calote no passado. A Argentina deu calote nove vezes nos últimos 200 anos. Durante um período de inadimplência em dezembro de 2013, o país latino-americano estava inseguro sobre seus ativos. Detentores de títulos podem confiscar os ativos de um devedor inadimplente, razão pela qual o governo argentino fretou um avião britânico para a então presidente Cristina Fernández de Kirchner visitar a Ásia e o Oriente Médio. Dessa forma, o jato do governo não corria perigo. "Suspeito, lembrando o que aconteceu com a Argentina, que os americanos gostariam de ter credores perseguindo ativos russos em todo o mundo", disse Paul McNamara, gerente de fundos de mercados emergentes da gestora de ativos suíça Gam Investiments, ao Wall Street Journal. Mas o default da Rússia é diferente. Não só há disposição de servir a dívida. Os dois títulos rompidos no domingo carecem de uma característica habitualmente presente em tais documentos: a renúncia à imunidade. Normalmente, os governos concedem aos credores a capacidade de processá-los. Os títulos russos emitidos em 2016 e 2021 não possuem tal cláusula. Uma investigação postada no portal especializado em falências da Universidade de Harvard, dos EUA, o Harvard Law School Bankruptcy Roundtable, descobriu que existem maneiras legais de contornar esse obstáculo. A conclusão é que os investidores em títulos russos devem se organizar e forçar uma ação legal. O que está em jogo para a Rússia com o default? A partir de agora, os cofres de Moscou estão cheios de euros e dólares das exportações de commodities e financiamento não é um problema. Mas, no futuro, a Rússia pode querer pedir emprestado de fora de suas fronteiras novamente, por exemplo, da China. Ser declarado inadimplente é um problema, porque os investidores não estão interessados em emprestar a inadimplentes. A partir de agora, os credores internacionais estão, em sua maioria, assustados com a possibilidade de emprestar à Rússia, pois temem se enredar no regime de sanções ocidental. Mas, mesmo que a Rússia encontre aliados no Oriente, isso terá um custo, segundo Timothy Ash, economista da gestora de ativos BlueBay Asset Management. "Acho que as entidades chinesas olharão para a Rússia de maneira muito diferente se ela estiver em default", avalia. "Se ainda quiserem emprestar à Rússia, cobrarão um prêmio alto por isso", diz. Autor: Mathis Richtmann

Dúvidas, Críticas e Sugestões? Fale com a gente

Os cookies nos ajudam a administrar este site. Ao usar nosso site, você concorda com nosso uso de cookies. Política de privacidade

Aceitar