Sofri 'a maior das humilhações': ex-reféns enfrentam cúpula das Farc

Diva Díaz encarou os comandantes da ex-guerrilha colombiana das Farc que assumiram a culpa pelo sequestro de seu pai e sua irmã. 'Por que se voltaram contra minha família?', perguntou a mulher aos ex-guerrilheiros que se desmancharam em pedidos de perdão e lágrimas por seus crimes.

Seis anos depois de assinar o acordo de paz, a antiga cúpula rebelde respondeu por 21.000 sequestros realizados ao longo de seis décadas de conflito, em uma audiência emotiva de três dias, encerrada nesta quinta-feira (23).

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Díaz ouviu as palavras de arrependimento dos carrascos de sua família. Os ex-sequestrados e suas famílias tiveram a chance de questioná-los cara a cara pela dor e a humilhação que sofreram, com os juízes da Jurisdição Especial de Paz (JEP) como testemunhas.

Na cabeça de Timochenko, seu comandante na época do desarmamento, Joaquín Gómez, Julián Gallo, Rodrigo Granda, Pablo Catatumbo, Jaime Alberto Parra e Pastor Alape, emocionado até as lágrimas, admitiram a culpa por estes crimes de guerra e contra a humanidade no auditório do tribunal surgido no acordo de 2016.

Segundo o que foi pactuado em Havana, os ex-guerrilheiros devem reparar os afetados e dizer a verdade para evitar a prisão. As vítimas terão 15 dias para fazer suas observações e a JEP prevê sanções.

Confira alguns testemunhos e confissões:

Em setembro de 1998, Juan Antonio Díaz foi sequestrado pelas Farc. Passou 16 meses em cativeiro, o que arruinou o próspero comerciante da cidade de Neiva (centro) e seus familiares.

"A família se partiu em sua totalidade", lembra Diva, sua filha mais velha, durante a audiência. Em troca de sua libertação, a guerrilha exigiu uma fortuna, mas seus familiares não puderam pagar.

Então, no cativeiro fizeram Juan Antonio acreditar que tinham se esquecido dele e que seus filhos eram "o pior deste mundo".

Foi libertado em dezembro de 1999, mas ao mesmo tempo uma de suas filhas foi sequestrada. O comerciante denunciou o caso à imprensa e em outubro de 2000 morreu nas mãos de um pistoleiro.

Vinte e dois anos depois, Diva desabafa e faz uma pergunta pungente: "Por que se enfureceram tanto com a minha família?".

"El Paisa", então chefe da Coluna Teófilo Forero, encarregado direto dos sequestros, poderia ter respondido, mas voltou às armas e as autoridades supõem que ele tenha sido morto em 2021 na Venezuela.

Seu chefe no Bloco Sul, Joaquín Gómez, assumiu a responsabilidade e admitiu que "houve fúria contra sua família, chantagem emocional e enganos".

"Sou consciente de que a vida do seu pai é irreparável e que causamos um dano inimaginável ao causar sua morte", leu o temido comandante, hoje grisalho.

Representando seus quatro irmãos, Héctor Angulo encarou o "secretariado" das Farc pelo sequestro e posterior homicídio de seus pais, Gerardo e Carmen Castañeda.

Ambos tinham 68 anos quando um comando rebelde os interceptou enquanto estacionavam seu carro em La Calera, município vizinho a Bogotá. Após um longo trajeto a pé por uma cordilheira, chegaram a San Juanito, a quase 120 km de distância.

Héctor lamenta o sofrimento de dois idosos que "não se envolviam em atividades criminosas". Trabalhavam em uma oficina de confecção até aquele fatídico 19 de abril de 2000.

Depois do acordo de paz, os filhos caminharam pela mesma via escarpada junto de ex-combatentes que participam das buscas pelos restos de suas vítimas como gesto de reparação.

Encontraram os restos de Carmen, mas enquanto estavam em sua busca, Héctor sofreu uma queda forte que lhe provocou um tumor cerebral. O corpo de Gerardo ainda não aparece.

Jaime Alberto Parra, conhecido como "o médico" das Farc, ouviu sua reivindicação com o rosto inexpressivo.

"Fomos nós como extinta organização guerrilheira que os mantivemos cativos, que os forçamos a caminhar, que os assassinamos e desaparecemos com eles", admitiu Parra.

Compareceu na audiência o sargento reformado César Lasso, libertado em 2012 após 13 anos sequestrado. Ele usava um casaco da polícia e as correntes de ferro com as quais o amarraram pelo pescoço, causando-lhe "a maior das humilhações".

Também foi vestindo um traje camuflado o coronel do exército Raimundo Malagón, resgatado em uma operação militar em 2018 que acabou com 10 anos de cativeiro.

Pastor Alape disse-lhe, arrependido, olhávamos "o militar como o representante da violência do Estado" e "não chegamos a ver o cidadão debaixo do uniforme".

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