China-Alemanha: fim de uma parceria lucrativa?

Autor DW Tipo Notícia

Repressão à etnia muçulmana uigur gerou protestos abrangentes contra PequimJá tendo que redefinir suas relações comerciais com Moscou, Berlim se confronta com gritantes violações dos direitos humanos por Pequim. Equilibrar valores éticos e interesses econômicos é impasse para política externa.O "Dossiê da Polícia de Xinjiang" documenta a escala e brutalidade da repressão do Estado chinês contra a majoritariamente muçulmana.etnia uigur. A divulgação dos documentos chega num momento em que muitos estão pensando em – e falando abertamente de – uma política externa baseada em princípios e valores. Políticos alemães manifestaram-se chocados. A ministra do Exterior, Annalena Baerbock, pediu uma investigação transparente, pois os direitos humanos, "com cuja proteção em nível global a Alemanha está comprometida", são parte fundamental da ordem nacional, como afirmou seu ministério em comunicado. Além de repensar suas posições relativas à Rússia, desde que o dossiê foi vazado os legisladores questionam com urgência renovada as relações com Pequim: o ministro das Finanças, Christian Lindner, enfatizou a necessidade de reduzir o mais breve possível a dependência alemã da China. Falando no Fórum Econômico Mundial de Davos, encerrado na quinta-feira (28/05), o chanceler federal da Alemanha, Olaf Scholz, expressou apreensão com o poder crescente da China. Claro que ela é uma "protagonista global", porém, da mesma forma que isso não significa que deva ser isolada, "tampouco podemos olhar para o outro lado quando direitos humanos são violados, como agora em Xinjiang", comentou o chefe de governo. Por sua vez, o vice-chanceler federal e ministro da Economia, Robert Habeck, defendeu na véspera que a Alemanha se distancie mais da potência asiática: "Estamos diversificando mais ativamente e reduzindo nossa dependência em relação à China. Preservar os direitos humanos tem mais peso." Parceira, concorrente rival sistêmica Por um quarto de século, os laços sino-alemães foram, acima de tudo, de natureza econômica. O esquema funcionou tão bem, que em 2021 Pequim emplacou o sexto ano consecutivo como principal parceiro comercial de Berlim. Esses prósperos negócios eram flanqueados politicamente por um diálogo bilateral intenso. Oficialmente, ambos os países mantêm uma parceria estratégica abrangente, encontrando-se a cada dois anos para consultações com a presença dos respectivos chefes de governo e da maioria dos ministros. A nova coalizão governamental em Berlim, que assumiu em dezembro de 2021, inicialmente pretendia dar continuidade a esse legado dos 16 anos de liderança da conservadora Angela Merkel. Em seu acordo de coalizão, os partidos Social-Democrata (SPD), Liberal Democrático (FDP) e Verde registraram: "Pretendemos continuar as consultações governamentais com a China". Em contraste com os formatos anteriores, contudo, as cúpulas deveriam ter um foco mais europeu. Em anos recentes, a ênfase da parceria sino-alemã deslocou-se sensivelmente em direção à rivalidade, como reconhece o pacto de coalizão: "Para impor nossos valores e interesses na rivalidade sistêmica com a China, precisamos de uma estratégia abrangente para o país, na Alemanha, no quadro da política conjunta União Europeia-China." Essa estratégia está sendo atualmente formulada pelo Ministério do Exterior da Alemanha. É de se esperar que o posicionamento da China em relação à Rússia na guerra contra a Ucrânia vá influenciar significativamente essa estratégia. No início de maio, Mikko Huotari, diretor do influente think tank Mercator Institute for China Studies, sediado em Berlim, propôs na revista International Politics que o engajamento com a China passe a ser "calibrado na proporção do apoio de Pequim a Putin". Huotari enfatizou que a prioridade máxima seria "reduzir aquelas dependências em relação à China que ameacem limitar a capacidade estratégica de Berlim de agir em caso de tensões persistentes ou de uma crise". Revolução energética – com a China? Por mais dolorosa e caro que tenha sido o despertar da Alemanha de sua dependência energética para com a Rússia, seus laços econômicos com a China são muito mais estreitos e intensos. Conflitos estratégicos estão emergindo, por exemplo, quanto à meta alemã de abandonar os combustíveis fósseis. Berlim planeja expandir grandemente os telhados solares para substituir petróleo, gás e carvão como fontes de energia. Uma matéria-prima importante para a fabricação dos painéis fotovoltaicos é polissilício. No entanto, 40% da produção desse material parte na China, e sobretudo da província de Xinjiang, no noroeste, a região dos uigures perseguidos. Falando à DW, Wolfgang Niedermark, do conselho executivo do grupo lobista Confederação da Indústria Alemã (BDI), enfatizou: "Sobretudo na área das matérias primas minerais, existe uma dependência da China, em parte elevada e estrategicamente muito importante." Em comunicado escrito, o especialista em Ásia apela: "Precisamos colocar rapidamente essas dependências de insumos sob controle e investir em novas parcerias." Pois também no BDI cresce a desconfiança em relação às ditaduras. "Através da guerra da Rússia na Ucrânia e das revelações atuais sobre a China, estamos justamente aprendendo que não há certezas na interação com autocracias", afirma Niedermark. No entanto, ressalva: "Queremos continuar a cooperar economicamente, também com Estados que não são democracias liberais. Só desse modo a UE será um player forte e internacionalmente relevante. Mas não se pode cair em dependência." Quem depende de quem? Na realidade, em termos de comércio, a potência asiática depende mais do mercado europeu do que vice-versa, ressalta Jörg Wuttke, presidente da Câmara de Comércio da União Europeia na China. "Todo dia exportamos bens no valor de 600 milhões de euros. Os chineses exportam 1,3 bilhão de euros diariamente para a Europa." Contudo exportações e importações são apenas parte do quadro maior: "No aspecto dos investimentos, é totalmente diferente, claro: grandes empresas [europeias] do setor automobilístico, químico e de engenharia de máquinas investiram pesadamente e geram negócios na China, produzindo para o mercado local." Segundo dados do Ministério alemão da Economia, o investimento direto do país na China totalizou, em 2018, 89 bilhões de euros, transações que se provaram extremamente lucrativas. "Essa lucratividade impulsionou o preço das ações em casa e também criou empregos". Com milhões de postos de trabalho subordinados a esses investimentos, tamanho engajamento complica as intenções de desligamento: "Devemos fechar nossas fábricas?", pergunta Wuttke. Observadores contam com que mais uma mudança de paradigma na política externa alemã será delineada na estratégia para a China a ser anunciada por Berlim. Uma primeira indicação já se teria manifestado em maio, quando o chanceler federal Olaf Scholz quebrou a tradição, escolhendo o Japão, em vez da China, como destino de sua primeira viagem ao Extremo Oriente. Autor: Matthias von Hein

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