Moradores de Bucha relatam os horrores da invasão russa

Autor DW Tipo Notícia

Em meio à destruição, as minas ameaçam a vida dos soldados, das esquipes de trabalho humanitário e dos moradores sobreviventes.Após a libertação da cidade, habitantes de Bucha tentam retomar a vida depois de presenciarem intensas batalhas e massacres de civis O trauma da guerra, no entanto, dificulta o recomeço. Reportagem da DW esteve no local.O micro-ônibus que transporta os jornalistas a partir de Kiev precisa de aproximadamente duas horas para chegar a Bucha. Antes da invasão russa, o trajeto podia ser percorrido em até 15 a 20 minutos de carro, mas agora muitas estradas estão destruídas. No caminho, é possível ver muitos veículos queimados e alvejados, inclusive aqueles nos quais está escrito "crianças". Comboios militares inteiros com veículos e tanques destruídos estão à beira da estrada. Antes da guerra, os subúrbios de Kiev, especialmente no noroeste, quase não se diferenciavam da capital. Era agradável viver em Bucha. Muitos habitantes de Kiev mandavam seus filhos para a cidade durante as férias de verão – para recreação. No porão de uma casa antes destinada justamente à recreação, jornalistas encontram cinco homens mortos – desarmados, com as mãos atadas. Cadáveres com ferimentos de bala Após os intensos bombardeios, as batalhas ferozes e mais de um mês de ocupação russa, restam apenas ruínas dos muitos edifícios em Bucha. O micro-ônibus leva os jornalistas a um dos lugares onde civis foram mortos. Seis cadáveres encontram-se no pátio de uma casa. Os corpos carbonizados são difíceis de identificar. O chefe da polícia da região de Kiev, Andriy Nebytow, que acompanha os jornalistas, diz que os investigadores concluíram que são quatro mulheres e dois homens. "Há possivelmente uma criança entre eles, porque um dos corpos é pequeno. Uma das mulheres tem uma perfuração de bala", conta Nebytow. A causa exata da morte, segundo ele, ainda precisa ser determinada por especialistas. "Como aqui não houve destruição feita por artilharia, é possível imaginar que essas pessoas foram baleadas e depois tiveram os corpos queimados", acrescenta. Grande parte da cidade está minada O ministro do Interior da Ucrânia, Denys Monastyrskyj, também acompanha o grupo. Ele diz que corpos estão sendo procurados na cidade inteira. De acordo com a polícia, integrantes das equipes de resgate e moradores, dezenas de cadáveres ainda estão em residências destruídas, alvos de bombardeios. Estima-se que dezenas de cadáveres também se encontram em florestas da região que só poderão ser vasculhadas após serem desmatadas. "Aqueles que perpetraram tudo isso não têm cultura nem humanidade", disse Monastyrskyj. O Ministério do Interior afirma que "milhares de dispositivos explosivos são encontrados todos os dias", incluindo granadas, restos de bombas e minas terrestres. Um exemplo é a instalação de minas por soldados russos em residências nas quais estavam visíveis fotos de militares ucranianos ou símbolos do Estado ucraniano. Desta forma, segundo Monastyrskyj, os moradores não podem voltar para casa até que as minas sejam desativadas. O ministro também ressaltou o risco das minas para os jornalistas, que só devem circular em estradas asfaltadas. Mais de um mês escondidos no porão Desde que a cidade foi libertada das tropas russas, a vida tenta voltar lentamente ao normal. Próximos de um supermercado destruído, moradores esperam por ajuda humanitária de voluntários e soldados, e contam o que passaram. Wladyslawa, seu marido Oleksandr e os dois filhos permaneceram na cidade desde o início dos combates. "As bombas voavam no nosso pátio e também nos pátios vizinhos. Sentimos a força dos impactos. Janelas e portas voaram longe, o telhado ruiu. Sabíamos que estávamos em grande perigo", relata Wladyslawa. Depois, ela viu tanques russos atirando em todas as direções. As metralhadoras podiam ser facilmente ouvidas. "Nós tínhamos que fugir. Mas para onde? As balas voavam e faziam barulho em todos os lugares. Em frente à nossa casa, há um jardim de infância. Corremos para lá. Eu sabia que havia um porão. Quase todos os dias da ocupação, ficamos naquele porão. Mas não é adequado ficar lá por muito tempo, porque é úmido e frio", diz a mulher. Entretanto, o zelador havia carregado berços para o local, de modo que pelo menos as crianças não precisavam dormir no chão. Os moradores de Bucha relatam que não tinham informações sobre o que de fato estava acontecendo na cidade. Sem eletricidade, os telefones celulares haviam parado de funcionar, relata Wladyslawa. "Nós também não sabíamos mais se era dia ou noite. Havia tiroteios e batalhas constantes". "As bolachas foram nossa única salvação" De acordo com testemunhas, os militares russos instalaram seu quartel-general em uma escola na Rua Woksalna. Larysa Sawenko, de 72 anos, vive nessa rua: "Durante as batalhas, a via inteira estava em chamas", diz. Um comboio de veículos militares queimados permanece no local. "Em 27 de fevereiro, houve uma batalha terrível. Estávamos dormindo no celeiro quando, de repente, as granadas começaram a voar", relembra. Os russos teriam atirado de diversos lugares e simplesmente destruído tudo. Durante a ocupação, Larysa lembra que comia uma vez por dia. "As bolachas eram nossa única salvação", diz. Pão fresco só voltou a ficar disponível após a libertação da cidade. "Choramos quando vimos pão", recorda a idosa. O trauma rouba o sono Natalia, 58 anos, diz que depois que a eletricidade foi cortada, no dia 27 de fevereiro, ela teve que cozinhar ao ar livre, sobre o fogo. "Comemos sopa, às vezes até sob tiroteio", lembra-se. Ela conta que os soldados russos roubaram móveis e utensílios: "As pessoas aqui viram tudo isso. Um dia, dez homens vieram até nós, olharam todas os quartos, o celeiro e o porão. Eles não disseram o que estavam procurando, mas vasculharam cada detalhe". Na madrugada de 30 para 31 de março, quando as tropas russas foram expulsas de Bucha, Natalia ouviu motores novamente funcionando: "Não sabíamos o que esperar. Estávamos muito preocupados naquela noite, mais do que em todas aquelas em que houve bombardeios. No início, não queríamos acreditar que eles tinham ido embora. Só conseguimos acreditar nisso quando vimos nossos soldados e a polícia". No entanto, mesmo agora, dias depois que a cidade foi libertada, ela segue inquieta: "Acordamos à noite ao ouvimos [algum barulho]. Quando está calmo, voltamos a dormir".

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