Até onde vai a solidariedade polonesa com refugiados ucranianos?

Autor DW Tipo Notícia

Cadastro PESEL é distribuído no Estádio Nacional de VarsóviaMais de 2 milhões fugiram da guerra na Ucrânia para a Polônia. Normalmente fechado a imigrantes, país dá aos refugiados acesso a mercado de trabalho e sistemas de saúde e social. Mas impacto sobre a sociedade é incerto.Para os ucranianos que buscam na Polônia abrigo da invasão russa, no momento a palavra mágica é "PESEL", a sigla do número de seguridade social do país. O governo concedeu, a todos que buscam abrigo da guerra, visto de permanência por até 180 dias, com acesso ao mercado de trabalho, sistema de saúde e benefícios sociais. O PESEL possibilita tudo isso. Desde o último sábado (19/03), foi aberta no Estádio Nacional de Varsóvia a maior central de cadastramento onde os refugiados podem requisitar o número. Já na noite anterior, formaram-se longas filas. No portão de entrada estavam à disposição garrafas térmicas com chá quente. "Vou esperar aqui o tempo que for necessário. Eu preciso de uma permissão para trabalhar, tenho que encontrar trabalho o mais rápido possível", conta à DW a especialista em tecnologia de informação Viktoria, de 24 anos. Na manhã seguinte, por volta das 9h, a profissional de Kiev consegue entrar na central de cadastramento. Durante a noite ela se revesou na fila com uma amiga, dormindo num carro no meio tempo, no gigantesco estacionamento diante do estádio. Seu PESEL deverá estar disponível dentro de alguns dias. Quem chegou depois das 7h não tem mais a menor chance de ser atendido no mesmo dia. Os voluntários providenciaram pulseiras lilases, que distribuem aos que, no dia seguinte, deverão garantidamente ter sua vez. Cadastramento a todo vapor No momento encontram-se na Polônia mais de 2 milhões de refugiados de guerra, dos quais 123 mil foram registrados na quarta e quinta-feira, os primeiros dias da operação de cadastramento. As repartições municipais e regionais, que normalmente distribuem os números, estão sobrecarregadas. Centrais adicionais, como a do Estádio Nacional, e ônibus estacionados dos abrigos de refugiados visam acelerar a iniciativa. Na cidade de Przemysl, próximo à fronteira ucraniana, a prefeitura funciona a todo vapor, mas, com apenas quatro leitores de impressões digitais e sete funcionários, os tempos de espera são longos. Oxana Kolesnyk tinha emprego como bancária, porém agora: "Não sei polonês, e não vai ser possível trabalhar num banco, já conto com isso. Mas tenho que encontrar rápido algum trabalho, para garantir a minha estada e do meu filho." Ao escapar da Ucrânia, ela levou seu passaporte, o que simplifica as formalidades. Para quem fugiu do país sem documentos de identidade, o processo é mais longo. Mas também eles são acolhidos na Polônia, mesmo que sua identidade não possa ser inteiramente verificada. O destino, um ponto de interrogação A lei extraordinária recentemente aprovada pelo Parlamento assegura aos refugiados, além de acesso ao mercado de trabalho, sistema de saúde e benefícios sociais, um subsídio por cada filho equivalente a 110 euros (R$ 598). Os recém- chegados recebem 70 euros de boas-vindas, mas depois têm que cuidar da própria subsistência. Por sua vez, os cidadãos poloneses que acolham ucranianos recebem nove euros por dia. Alexandra Stefaniv, de Lviv, encontra-se na sala de espera, seu parente polonês Leon Bortnik a ajuda a preencher o requerimento. O empresário de logística de Przemysl acolhe os familiares da Ucrânia num apartamento herdado há pouco, que até agora estava vazio. "De repente recebi um telefonema da irmã da minha mãe, da Ucrânia, me perguntando se eu receberia a ela e sua família imediata. Para isso só existe uma resposta certa", relata Bortnik. Ele pretende ajudar Alexandra a encontrar emprego, pois conhece muita gente na região. Para a mulher de 46 anos, o destino é um ponto de interrogação: "Estou confusa, não tenho a menor ideia do que vou fazer na Polônia. Procuro trabalho? Mas estou torcendo para que a guerra acabe em breve e eu possa voltar para casa." O marido de Alexandra ficou em Lviv, e ela própria nunca havia planejado emigrar. Desafio para uma sociedade fechada Desde o começo da guerra de Vladimir Putin, 3,3 milhões deixaram a Ucrânia, grande parte em direção à Polônia. Antes, o país de 38 milhões de habitantes já contava mais de 1 milhão de ucranianos, emigrados desde anexação da península da Crimeia pela Rússia, em 2014. Em 2021, numa enquete do Centro de Pesquisa do Preconceito, da Universidade de Varsóvia, 90% declararam aceitar os ucranianos como colegas e vizinhos. Contudo, em comparação com outros países da União Europeia, a Polônia se fechou para imigrantes, a atual onda migratória é um fenômeno totalmente inédito. Nas últimas décadas, os imigrantes têm sido apenas uma pequena fração da sociedade polonesa, não existindo nenhum outro grupo estrangeiro comparável ao dos ucranianos. Depois de mais de três semanas em que os fugitivos da guerra têm sido recebidos de braços abertos, veem-se na mídia, com frequência crescente, dúvidas de que o sistema social e de saúde já sobrecarregado seja capaz de atender a milhões de novos cidadãos. Nas escolas, em alguns conselhos de pais cresce o descontentamento com a perspectiva de classes superlotadas. Agnieszka Lada-Konefal, vice-diretora do Instituto Teuto-Polonês de Darmstadt, detecta um enorme desafio para a administração e a sociedade, que seguramente transformará o país: "Os poloneses vão ter que aprender a conviver com gente que é um pouco diferente. Nos últimos anos, muitos tiveram essa experiência, também com ucranianos, e ela foi positiva." Isso vale também para os escolares que receberão colegas de classe de uma outra língua e cultura, mas também com experiências de guerra difíceis: "Nossas crianças e adolescentes vão ter que se arranjar com isso. Elas precisarão aprender a viver com os outros, a se abrir. Isso significa evolução." No entanto, partes da sociedade podem se sentir sobrecarregadas pela grande onda migratória. "É difícil dizer – caso os custos sejam altos de mais, e a crise e a guerra durarem muito – se a sociedade polonesa vai estar apta a aceitar e a aprender a viver com isso." Além disso, a cientista política adverte: a onda de refugiados da Ucrânia poderá ser aproveitada para populistas "propagarem ódio e rejeição". Autor: Monika Sieradzka ((da Polônia))

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