Sudão: após destituição em golpe militar, primeiro-ministro volta ao cargo

Abdullah Hamdok foi preso no final de outubro, em ação na qual o exército do país afirmou que assumiria interinamente o governo do Sudão; primeiro-ministro firmou acordo para partilhar poder com militares

O primeiro-ministro do Sudão, Abdullah Hamdok, retoma as rédeas do processo de transição após um acordo alcançado neste domingo (21) com o general Abdel Fattah al Burhan, chefe do exército e autor do golpe que o depôs, enquanto nas ruas os protestos continuavam, nos quais um adolescente morreu.

Dentro do palácio presidencial, em frente ao qual as forças de segurança lançaram bombas de gás lacrimogêneo para dispersar os manifestantes que gritavam "não ao poder militar", Hamdok e o general Burhan, autor do levante militar de 25 de outubro, assinaram um acordo de divisão do poder e prometeram retomar o processo de transição.

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Com este pacto eles quiseram dar uma resposta às condições exigidas pela comunidade internacional para retomar o apoio ao Sudão. Mas, a ONU advertiu rapidamente que "todos os atores sudaneses têm que agir de forma construtiva e de boa fé para restaurar a ordem constitucional e a transição".

As organizações que impulsionaram a revolta que pôs fim a 30 anos de ditadura de Omar al Bashir, em 2019, anunciaram por sua vez que rejeitavam "o acordo de traidores que só compromete seus signatários", segundo a Associação de Profissionais Sudaneses, ponta de lança dos protestos de dois anos atrás. Para elas, o pacto é o "suicídio político" de Hamdok.

Enquanto isso, nas ruas, a mobilização continuou. Um adolescente de 16 anos morreu baleado em Omdurman, subúrbio separado de Cartum por uma ponte sobre o rio Nilo, segundo médicos que mencionaram "muitos feridos a bala".

Desde o golpe militar, os protestos deixaram 41 mortos e centenas de feridos, segundo os médicos. E apesar desta repressão, milhares de manifestantes protestaram em Cartum e seus subúrbios, em Kasala e Porto Sudão (leste), e em Atbara (norte). As forças de ordem dispararam bombas de gás lacrimogêneo na direção dos manifestantes reunidos em frente ao palácio presidencial na capital.

"Não queremos um acordo com o exército", disse Mohammed Farouq, em uma manifestação na capital. "Queremos um Estado exclusivamente civil, que os soldados voltem para as casernas e que os que mataram manifestantes desde o golpe sejam julgados", acrescentou em declarações à AFP. Após imagens de Hamdok serem exibidas durante semanas, agora suas fotos são rasgadas. "Hamdok abandonou o povo, este acordo não nos representa", afirmou à AFP Mohammed Abdelnabi, também em Cartum.

Após a assinatura solene do acordo, Hamdok, em sua primeira aparição pública desde o golpe, prometeu em um breve discurso "pôr fim antes de mais nada ao derramamento de sangue no Sudão". "Este acordo abre a porta à resolução de todos os desafios da transição", acrescentou.

Por sua parte, o general Burhan o "agradeceu por sua paciência" depois que o ex-economista passou quase um mês em prisão domiciliar. Em virtude do acordo firmado, também serão libertados os ministros e líderes civis presos no dia 25 de outubro. Desde o golpe de Estado, embaixadores ocidentais, negociadores da ONU e personalidades da sociedade civil se reuniram com civis e militares.

O objetivo era relançar uma transição que deve levar o país a eleições livres em 2023, após 30 anos de ditadura militar de Bashir, deposto pelo exército após manifestações maciças. Os grandes aliados árabes do exército sudanês, Egito e Arábia Saudita, comemoraram o acordo.

Os Estados Unidos também comemoraram o acordo, embora tenham advertido contra o uso excessivo da força para dispersar os protestos. "Estou animado com informes de diálogos em Cartum, que levarão à libertação de todos os presos políticos, ao restabelecimento do primeiro-mimistro (Abdalá) Hamdok, à suspensão do estado de emergência e à retomada da coordenação", escreveu o secretário de Estado americano, Antony Blinken, no Twitter.

Apesar do anúncio do retorno de Hamdok, os defensores da transferência total do poder para os civis mantiveram a mobilização. As Forças pela Liberdade e a Mudança, o principal bloco de defesa dos direitos civis do Sudão, rejeitaram imediatamente o acordo. "Reiteramos claramente que não há possibilidade de negociação ou associação" com "os golpistas", disseram, pedindo que os generais sejam levados à justiça por sua repressão sangrenta aos protestos.

Por sua vez, o partido Oumma, o maior do país, afirmou "rejeitar qualquer acordo político que não aborde as raízes da crise gerada pelo golpe militar". Semanas atrás, o general al Burhan parecia determinado a manter o poder, apesar da rejeição da comunidade internacional e dos manifestantes. Nesse sentido, ele nomeou um novo conselho de governo no qual manteve sua posição de hierarca, junto com um poderoso comandante paramilitar, três altos oficiais militares, três ex-líderes rebeldes e um civil.

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