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O malabarismo da Alemanha para lidar com a Venezuela

00:00 | Set. 25, 2020
Autor DW
Tipo Notícia
Por um lado, Berlim reconheceu Guaidó como presidente do país. Por outro, Maduro está mais firme do que nunca no poder. Mediar esse conflito está bem mais difícil hoje do que há um ano e meio.A Espanha já havia reconhecido, assim como Reino Unido, Áustria, França, Dinamarca e Suécia. Os EUA também, claro, e muitos países latino-americanos. Então, qual o problema de assumir uma posição clara, enviando um sinal a um governo tão criticado e dando um toque a mais de legitimidade a uma oposição que crescia em importância? Nenhum, deve ter pensado o governo alemão – e, em 4 de fevereiro de 2019, a chanceler federal Angela Merkel anunciou que reconhecia o presidente do Parlamento venezuelano, Juan Guaidó, como presidente interino. Antes, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, havia ignorado um ultimato para a realização de novas eleições. A queda dele parecia iminente. Dezenove meses depois, com Guaidó quase rebaixado a figurante, Maduro mais firme no poder do que nunca e um relatório da ONU acusando o governo venezuelano de execuções extrajudiciais e do uso sistemático de tortura desde 2014 (Caracas respondeu que o documento está crivado de inverdades), a Alemanha se vê obrigada a equilibrar seus esforços diplomáticos andando no fio da navalha. "Como atual detentora da presidência rotativa do Conselho da UE, a Alemanha deve trabalhar, por um lado, por uma posição comum da oposição política e, por outro, manter a linha de comunicação com o regime de Maduro", ressalta o cientista político especializado em América Latina Günter Maihold, do Instituto Alemão para Assuntos Internacionais e de Segurança (SWP). Um ano e meio depois, a missão de mediar o conflito venezuelano tornou-se ainda mais difícil do que no início de 2019: naquela época, dezenas de milhares estavam nas ruas de Caracas contra Maduro, o eloquente Guaidó era, ao mesmo tempo, depositário da esperança popular e líder único da oposição, Maduro parecia um boxeador abatido e cambaleante, e alguns oficiais militares já lhe davam as costas. Hoje a Alemanha ficaria feliz em encontrar essa mesma posição inicial nas negociações para a pacificação da Venezuela. Pois, em setembro de 2020, não há mais protestos porque os venezuelanos estão cansados e ocupados com a luta diária pela sobrevivência, a oposição está dividida entre Guaidó e o ex-candidato presidencial Henrique Capriles, e Maduro pode cimentar seu poder com uma vitória nas eleições parlamentares de dezembro, forçadas por ele próprio. O presidente venezuelano insistiu que a UE envie ao país uma missão para observar as próximas eleições legislativas, horas depois de Bruxelas ter avisado que só participaria se houvesse mudanças nas condições. "Se não podem enviar uma supercomissão às eleições da Venezuela, enviem uma comissão em privado", disse Maduro. O alto representante da UE para a Política Externa, Josep Borrell, dissera que só seriam enviados observadores às eleições se fossem feitas "mudanças importantes" nas condições e nos prazos. Maduro, porém, avisou que as condições impostas pela UE são impossíveis de serem cumpridas. Para complicar ainda mais a situação no país, a crise do coronavírus se alastra também pela Venezuela, tornando uma mudança de poder ainda mais difícil. "A Alemanha e a UE devem se abster de optar por uma das duas personalidades mais conhecidas da oposição, Guaidó ou Capriles, e em vez disso se empenhar por uma aliança entre as fragmentadas forças políticas e grupos e organizações da sociedade civil", diz Maihold. Tribunal como próximo passo Será que os políticos alemães pensam da mesma forma? "O regime de Nicolás Maduro não se esquiva de graves violações dos direitos humanos para manter uma ditadura socialista. O próximo passo deve ser a ação do Tribunal Penal Internacional", afirma o deputado liberal Konstantin Kuhle, vice-presidente do grupo parlamentar dos países andinos do Parlamento alemão, se referindo ao relatório da ONU. As Nações Unidas também haviam defendido que Haia analise prontamente as acusações, no interesse das vítimas. No entanto, uma investigação dos supostos crimes, pedida em 2018 por Colômbia, Argentina, Peru, Chile, Paraguai e Canadá, ainda não se concretizou. "O governo alemão e a União Europeia não devem, de maneira alguma, reconhecer o resultado da eleição parlamentar, que é boicotada por partes da oposição", diz Kuhle. O político do FDP, entretanto, acredita que o reconhecimento precoce de Guaidó como presidente interino "foi um passo certo para sublinhar a legitimidade do Parlamento". Já a deputada Simone Barrientos, do partido A Esquerda, vê a situação de forma bem diferente. "Ainda acho que o apoio a Guaidó foi um erro", diz a deputada, que também integra o grupo parlamentar andino. Já em 2019, ela dizia que a autoproclamação de Guaidó como presidente interino desestabilizasse a Venezuela em vez de promover o diálogo político. "Na minha opinião, isso foi confirmado." Maduro acusa repetidamente Guaidó de ser um fantoche de Washington. O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, chegou a receber Guaidó na Casa Branca em fevereiro e lhe garantiu apoio. O líder da oposição queria, com isso, aumentar a pressão da comunidade internacional sobre Maduro. Mas o presidente venezuelano usou o encontro para criticar Guaidó por sua proximidade com os EUA – justamente o país que impõe há anos sanções econômicas à Venezuela. "O caos no país continua, muita gente está exausta com essa luta duradoura pelo poder", comenta Barrientos. "E Guaidó perdeu em grande parte o apoio daqueles manifestantes que saíram às ruas na época." Já a deputada social-democrata Helge Lindh considera correto o apoio a Guaidó. Também integrante do grupo parlamentar andino, a parlamentar do Partido Social-Democrata (SPD) cita como um dos principais motivos o recente relatório da ONU. "As violações dos direitos humanos mostram mais uma vez que Maduro perdeu sua legitimidade." Lindh também é a favor de que os crimes sejam investigados em tribunais independentes e que sejam realizadas eleições livres, justas e democráticas, apoiadas pela União Europeia. Mas quão realista é isso face a um presidente que se mantém no poder por todos os meios há sete anos e que recentemente acusou a União Europeia de intolerância e racismo? Lindh se recusa a perder a esperança: "Esperamos sinais mais claros: eleições justas, investigação dos crimes contra a humanidade e disposição ao diálogo." Mesmo que Maduro não ceda, há, segundo ela, uma coisa com que a Venezuela sempre pode contar: "A Alemanha sempre estará à disposição do povo da Venezuela com ajuda humanitária." Autor: Oliver Pieper

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