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Jovens portugueses processam 33 países por políticas climáticas

00:03 | Set. 04, 2020
Autor DW
Tipo Notícia
Com idades de oito a 21 anos, grupo pede a Tribunal Europeu de Direitos Humanos que responsabilize nações industrializadas por não reduzirem emissões que causam o aquecimento global.No que está sendo chamado de um processo climático sem precedentes, quatro crianças e dois jovens de Portugal entraram nesta quinta-feira (03/09) com uma ação, junto ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos, em Estrasburgo, para que 33 nações industrializadas sejam responsabilizadas por não reduzirem as emissões que causam as mudanças climáticas. Apoiados pela ONG Global Legal Action Network (Glan), os jovens acusam esses países, entre eles, a Alemanha, Reino Unido, Rússia e Portugal, de terem falhado em colocar em prática o corte de emissões necessário para proteger seu futuro. O caso se concentra em nações que, segundo os advogados, possuem políticas insuficientes para restringir o aumento da temperatura média global a 1,5 ºC em relação aos níveis pré-industriais, como prevê o Acordo de Paris. Os jovens que lideram a denúncia têm entre oito e 21 anos e vivem em Lisboa e Leiria. Eles argumentam que as mudanças climáticas representam uma ameaça crescente a sua vida e ao bem-estar físico e mental. Além de alegar discriminação, o caso invoca argumentos de direitos humanos, como o direito à vida, a um lar e à família. "Nossa geração vive numa época de grandes ameaças e incertezas, por isso nossa voz precisa ser ouvida", afirma André Oliveira, de 12 anos, um dos autores da ação. "É claro que os jovens não são os únicos vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas. Mas porque eles enfrentarão os piores impactos, dizemos que os efeitos de uma abordagem inadequada em relação às emissões de gases do efeito estufa equivalem à discriminação ilegal em razão de idade", explica o assessor jurídico da Glan, Gerry Liston. Segundo André, o processo visa que os 33 países denunciados tenham a oportunidade de agir melhor e mais rapidamente neste quesito. "É uma questão de direitos humanos e por isso estamos indo até Estrasburgo", explica. Embora haja vários processos recentes e em andamento sobre o clima, alguns inclusive movidos por jovens, trata-se da primeira ação desse tipo a ser apresentada em Estrasburgo. Criado em 1959, o Tribunal Internacional julga casos de violações de direitos civis e políticos previstos na Convenção Europeia dos Direitos Humanos. A necessidade urgente de uma ação significativa e ampla dos grandes emissores globais garante o processo junto ao tribunal europeu, e por isso não se optou por levá-lo a cortes nacionais, como é mais comum em outros casos, explica Liston; "Uma decisão do Tribunal Europeu de Direitos Humanos é urgentemente necessária para prover a decisão legalmente vinculativa que promoveria a mudança necessária no nível nacional." De acordo com a Glan, se o processo for bem-sucedido, além de intensificar seus cortes de emissões, os 33 países acusados estariam também legalmente obrigados a se ocupar das contribuições estrangeiras para as mudanças climáticas, incluindo as de empresas multinacionais. Embora ainda não esteja certo se o tribunal aceitará o caso e qual será seu cronograma-se que a ação receba prioridade, informa Liston. As crianças e jovens portugueses autores da denúncia pertencem a três famílias e decidiram agir depois de ouvirem sobre o trabalho climático da Glan e perceberem que as mudanças climáticas havia batido às suas portas. Os incêndios florestais de 2017 foram um divisor de águas para vários deles. "Vivi diretamente o horror dos incêndios", conta Catarina Mota, de 20 anos, que mora em Leiria, uma das regiões mais atingidas na época. O aumento do nível do mar, a constante ameaça de incêndios florestais e temperaturas cada vez mais alteradas fazem parte agora de sua realidade cotidiana. "Essas mudanças me deixam apreensiva", diz, acrescentando que por vezes tem dificuldade de respirar ou dormir por causa do calor. Em julho, foram registradas em Portugal as temperaturas mais altas dos últimos 90 anos. "O desejo de um mundo onde se possa pelo menos sobreviver me motivou a participar deste processo. Isso não vai acontecer se nossos governos não fizerem nada." A ação climática, como neste caso, é necessária "para um futuro e vida saudável sem medo", reivindica Claudia Agostinho, de 21 anos, outra autora do processo. "Nossa geração e gerações futuras merecem isso". Movimento global O caso de Estrasburgo faz parte de uma onda global de processos judiciais climáticos. De acordo com o Instituto de Pesquisa Grantham sobre Mudanças Climáticas e Meio Ambiente, embora a maioria das ações ocorra nos Estados Unidos, no último ano houve litígios climáticos em seis continentes, sendo 80% contra governos. O instituto notou ainda um aumento recente de batalhas judiciais promovidas por ativistas e grupos de defesa e o uso de argumentos de direitos humanos. Há processos em andamento em muitos países, como Coreia do Sul, Peru e Canadá, referentes às obrigações de direitos humanos dos Estados para mitigar as mudanças climáticas. O caso recente mais emblemático é o promovido pela fundação holandesa Urgenda. Em 2019, a Suprema Corte da Holanda se tornou a primeira mais alta instância de um país a determinar o dever do Estado de reduzir rápida e significativamente emissões de acordo com obrigações de direitos humanos. Recentemente, ativistas também obtiveram sucesso em levar o governo irlandês ao tribunais pelo fracasso em ações climáticas. Além disso, a ambientalista sueca Greta Thunberg faz parte do grupo de 16 jovens que apresentou uma queixa ao Comitê dos Direitos da Criança das Nações Unidas contra Brasil, Alemanha, Argentina, França e Turquia. Os jovens alegam que os cinco países, membros do G20, estão entre os maiores emissores de CO2 do mundo e são os principais responsáveis pelas mudanças climáticas. "Acho que um caso inspira o outro", avalia Caroline Schroeder, da ONG Germanwatch, que apoia a queixa de nove jovens na Alemanha. Para ela, o caso de Estrasburgo e a tendência crescente de processos judiciais são frutos da mesma frustração que impulsiona o movimento Fridays for Future (Greve pelo Futuro), de que "a política não está fazendo o suficiente". "Gostaria que não precisássemos instaurar os processos", admite Roda Verheyen, advogada que trabalha no na ação People’s Climate Case, movida contra instituições europeias. "Mas o nível de proteção conferido aos nossos filhos ainda é essencialmente muito baixo. Por isso os tribunais vão continuar vendo essas ações." Verheyen aponta que, ao enfatizar o dever geral de proteção em vez de contestar uma lei específica, o caso de Estrasburgo é menos concreto do que outros em que trabalhou. Uma vitória, no entanto, poderia ter implicações de amplo alcance para os Estados-membros, e até mesmo uma perda poderia potencialmente "enfatizar a força do litígio tanto em casos nacionais quanto no nível da UE". A força maior da ação está, segundo Liston, em evidenciar a perspectiva temporal e a iminência da ameaça, e "esse caso mostra que há gente que vai sofrer os terríveis efeitos das mudanças climáticas por toda a vida". O autor mais jovem da queixa tem hoje apenas oito anos. E terá 28 em 2040, quando, pela previsão de cientistas da ONU, é esperada a maioria das consequências graves das mudanças climáticas. André, de 12 anos, espera que o caso traga "o reconhecimento da voz de uma geração que vive em grande ansiedade e medo crescente das catástrofes que estão por vir, mas também que tem esperança de que as coisas mudem". Adaptação: Clarissa Neher Autor: Holly Young

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