Vice-presidente do Peru renuncia e acirra crise institucional
Mercedes Aráoz havia sido empossada um dia antes pelo Congresso no cargo de presidente, após suspensão do mandato de Martín Vizcarra. OEA pede que Tribunal Constitucional do país se manifeste sobre a crise.A vice-presidente do Peru, Mercedes Aráoz, anunciou na noite de terça-feira (01/10) sua renúncia ao cargo, um dia após a deflagração de uma crise institucional na qual o presidente, Martín Vizcarra, dissolveu o Congresso, que em troca suspendeu o mandato do chefe de Estado.
Aráoz, que havia sido empossada no cargo de presidente do Peru pelo Congresso na segunda-feira (30/09), disse que a ordem constitucional do país havia sido rompida e que não havia condições para que ela exercesse a função de presidente.
Em anúncio pelo Twitter, em que compartilhou a carta de renúncia endereçada ao presidente do Congresso peruano, Pedro Olaechea, ela também afirmou esperar que sua saída leve à convocação de eleições gerais em breve.
Por um dia, o Peru teve dois políticos que se intitulavam presidentes, pois Vizcarra não reconheceu a decisão do Congresso que suspendeu seu mandato e conta com o apoio da Forças Armadas. Ao dissolver o Legislativo, ele também convocou novas eleições parlamentares, a serem realizadas em 26 de janeiro de 2020. A renúncia de Aráoz pode facilitar o plano de Vizcarra para realizar novas eleições.
Diante do conflito entre o presidente e o Congresso, que não reconhecem a legitimidade das decisões um do outro, a Organização dos Estados Americanos (OEA), em nota oficial, instou o Tribunal Constitucional do Peru a se pronunciar sobre o tema.
Raízes da crise
A origem da crise institucional peruana tem relação com escândalos de corrupção trazidos à tona pela Operação Lava Jato, que atingiu quatro ex-presidentes e líderes da oposição no país e também teve repercussões políticas agudas no Brasil.
Vizcarra, que inicialmente era vice-presidente, assumiu o mandato em março de 2018 após a renúncia do então presidente Pedro Pablo Kuczynski, conhecido como PPK, que havia sido acusado de receber propinas da Odebrecht e enfrentou duas tentativas de impeachment.
Ao assumir o governo, Vizcarra adotou um discurso de combate à corrupção e moralização da vida pública que elevou sua popularidade, partiu para o enfrentamento com o Congresso e aprovou uma reforma política, ratificada pela população em referendo, que impede os membros do Legislativo de se reelegerem.
O Congresso, porém, é dominado pela oposição, e o partido com mais cadeiras na Casa é a legenda de direita Força Popular, do ex-presidente Alberto Fujimori, preso desde 2005 por crimes contra a humanidade cometidos durante seu governo, nos anos 1990, e de sua filha Keiko, que foi candidata a presidente em 2016 e perdeu por estreita margem de votos. Ela está presa preventivamente desde outubro de 2018 por suspeita de ter lavado dinheiro de propina da Odebrecht.
Antes do agravamento da crise, Vizcarra já havia proposto antecipar as eleições do país, e queria também alterar as regras de nomeação dos ministros do Tribunal Constitucional do Peru, que são hoje escolhidos pelo Congresso. Ambas as iniciativas haviam sido rejeitadas pelo Legislativo.
O Congresso, por sua vez, deflagrou um procedimento para trocar seis dos atuais sete membros do Tribunal Constitucional, e colocou entre candidatos aos cargos juízes acusados de terem cometido crimes.
Se o procedimento fosse levado adiante, o Congresso teria influência sobre a maioria da Corte, que julgará em breve um pedido de liberdade para Keiko.
A Constituição peruana autoriza o presidente a dissolver o Congresso e convocar novas eleições se este rejeitar dois "votos de confiança", mas não está claro se ambos devem ocorrer sob o mesmo presidente ou no período de um mandato. O primeiro ocorreu quando PPK era presidente, e o segundo, sob Vizcarra, interpretação contestada pelo Congresso.
Presidentes peruanos e Odebrecht
PPK não foi o primeiro presidente do Peru a ser envolvido em escândalos da Odebrecht. Em fevereiro de 2016, seu antecessor, Ollanta Humala, que governou o país de 2011 a 2016, foi acusado de receber propinas da empreiteira brasileira, mas permaneceu no poder até o final do mandato.
O antecessor de Humala, Alan García, presidente do Peru de 2006 a 2011, também viu seu nome ligado a suspeitas de recebimento de propina da Odebrecht, e teve destino trágico. Em abril de 2019, García se matou com um tiro após se tornar alvo de uma ordem de prisão preventiva.
Alejandro Toledo, antecessor de García, que governou o país de 2001 a 2006, também foi acusado de receber propinas da Odebrecht e teve sua prisão decretada em fevereiro de 2017. Ele permaneceu foragido até julho de 2019, quando foi preso nos Estados Unidos e atualmente enfrenta um processo de extradição para o Peru.
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