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'Ida de Bolton para o governo Trump foi um equívoco'

O diplomata brasileiro aposentado José Maurício Bustani conhece bem John Bolton. "Ele já foi tarde", diz. Eleito em 1997 e reeleito em 2000 para a presidência da Organização para a Proibição de Armas Químicas (Opaq), Bustani foi retirado do cargo após uma dura campanha do governo de George W. Bush, tendo à frente Bolton, um dos arquitetos da Guerra do Iraque.
Bolton, com outros assessores de Bush, tinha a missão de convencer o mundo de que Saddam Hussein tinha armas de destruição em massa, mas a intenção de Saddam de aderir à Convenção das Armas Químicas dificultava o argumento. Após uma convenção convocada pelos EUA e uma intensa pressão exercida sobre a organização, Bustani acabou destituído, no primeiro afastamento na história da ONU de um diretor em meio de mandato. A seguir, trechos da entrevista que ele concedeu ao Estado.
Como foi sua experiência com Bolton?
Foi traumática. Esse homem foi me visitar lá em Haia (sede da Opaq), uma história que está sendo contada em um documentário do cineasta José Joffily. Ele chegou na minha sala, me ameaçou, me deu 24 horas para abandonar a organização e ameaçou minha família. Disse que sabia onde moravam os meus filhos, que iriam atrás deles. Foi de uma violência inédita.
Foi uma destituição inédita?
Nunca houve isso, tanto que recorri à Organização Mundial do Trabalho e ganhei a causa. Hoje, não se pode mais mexer com nenhum diretor de organismo internacional. Eu era o primeiro brasileiro diretor de um organismo internacional. O segundo é o da OMC (Organização Mundial do Comércio, Roberto Azevêdo).
Qual sua avaliação sobre a ida dele para o governo Trump e, agora, sua saída?
A ida dele para o governo Trump foi um equívoco. Talvez com o discurso de campanha de Trump fizesse sentido ter Bolton como conselheiro de Segurança Nacional, porque era um discurso machista e belicoso. Como aqui temos a "bancada da bala", lá Bolton era parte da "bancada da bomba". É um homem que só resolve os problemas com agressão, guerra e ataque. Várias vezes, ele instigou a questão do Iraque. Ele queria muito que Trump fizesse a mesma coisa com o Irã. Ele já foi tarde. Gostaria que ele tivesse sido demitido antes.
O que motivou a demissão?
Tem de se pensar que Trump está em campanha para a reeleição. E um dos fatores que são importantes na campanha é o esfacelamento do Partido Democrata nos EUA. Trump não está interessado em provocar nenhum tipo de conflito armado agora, coisa que o Bolton gostaria muito de fazer. Bolton boicotou toda a negociação no Afeganistão, por exemplo. Não é essa a agenda do Trump, que está preocupado em enfraquecer o Partido Democrata com suas fragilidades internas. Eu já esperava que ele o demitisse.
Por que?
Bolton é sempre demitido, afastado do poder. É uma constante. Acho muito triste que nosso governo não tenha sabido avaliar, há oito meses, o valor de Bolton no governo Trump. Ele já era fraco naquele momento. Não sou embaixador em Washington, mas conheço e já sentia que Bolton era uma figura vulnerável. Mas ele foi tratado com tapete vermelho, infelizmente, pelo nosso governo, expuseram o presidente Bolsonaro a ele inutilmente. Bolton era uma pessoa descartável e seria dispensada eventualmente. Foi uma falta de avaliação do Itamaraty de se perceber isso.
Como fica o Brasil com a saída?
Para o Brasil, não muda muito, porque a ligação umbilical que esse governo tem com Washington é um erro. Não sou contra ter uma relação maravilhosa com os EUA. É um parceiro extremamente importante. Mas é preciso ter espírito crítico. Tem Europa, China, vários parceiros políticos e comerciais importantíssimos. Não se pode selecionar apenas um país.
Quem poderá substituí-lo?
Bolton foi um erro. Se Trump teve a clareza de demiti-lo, ele não colocará nenhuma pessoa da "bancada da bomba" no lugar. Deve colocar alguém mais sensato. Tivemos (Brasil) o equívoco de tratar esse senhor como tratamos. Espero que esses equívocos sejam sanados daqui para frente.
O sr. acha que Bolton impedia Trump de negociar como o Irã?
O Irã estava seguindo o pacto sob o controle da agência atômica e estava tudo bem. Trump interrompeu esse acordo, o que foi um erro. Os europeus estão trabalhando intensamente, porque interessa ao mundo que se consiga manter a situação do Irã sob controle. Mas Bolton não queria outra coisa a não ser levar até às últimas consequências a questão do Irã. Ele tem uma obsessão enorme com o Oriente Médio, desde o Iraque. Fico muito contente que ele tenha ido embora. Espero que venha um momento de calma e talvez de um acerto que a União Europeia está querendo fazer com os americanos em relação à questão iraniana.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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