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Conheça a mulher que tem a chave do muro na fronteira entre Texas e México

21:24 | Jul. 04, 2018
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Eloísa Tamez é de origem lipan apache e seus antepassados eram os donos dessa terra um século antes de que uma guerra impusesse o limite entre o Texas e o México.

Agora seu pátio traseiro está atravessado por um muro fronteiriço que ela considera uma "violação". Os fundos de sua casa, no povoado fronteiriço de El Calaboz, no sudeste do Texas, é um terreno baldio partido ao meio por uma cerca de ferro oxidada de 5,5 metros de altura. Como não era possível levantar um muro no meio do Rio Grande, que delimita a fronteira natural com o México, as autoridades federais o ergueram alguns quilômetros ao norte da margem.

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[SAIBAMAIS]Assim, algumas das terras por onde o muro passa - e passará, se continuar sendo construído - são propriedade de tribos nativas ou de fazendeiros. Foi o que aconteceu quase dez anos atrás com Támez, professora de enfermaria da Universidade do Texas no Vale do Rio Grande e ativista dos direitos da tribo lipan apache. "É muito triste ver o que aconteceu com minha a propriedade, que era valorizada por meus pais não pelo dinheiro, mas pelo que a terra produzia para nós, porque meu pai era fazendeiro", disse a mulher de 83 anos à AFP.

 

"Ela foi violada", acrescentou. "Fico muito triste de ver que isto esteja acontecendo e me alegra que meus pais não tenham chegado a vê-lo". As autoridades federais lhe deram uma chave para abrir o portão que permite acessar o outro lado de sua terra ancestral: 1,2 hectares de deserto repleto de cactos e mesquites. Isso é o que resta dos quase 5.000 hectares que pertenciam a seus antepassados Lipan Apaches desde o século XVIII, graças a uma concessão de terra da Coroa espanhola.

 

Em 2009, depois de perder um processo do governo federal, Támez se viu "coagida" a receber uma compensação de 56.000 dólares, que doou a bolsas de enfermaria no nome de seus pais. Outros fazendeiros, cujos terrenos ficaram em sua totalidade ao sul do muro, também receberam códigos de acesso a suas propriedades. Mas a maioria dos casos foi resolvida com apropriações do governo federal por valores que foram em média 12.600 dólares, segundo uma investigação da rádio pública NPR, após analisar 320 "casos de cercas" iniciados entre 2008 e 2016 na zona do Vale do Rio Grande, alguns dos quais seguem em litígio.

 

Situações como esta podem se multiplicar se Trump tiver êxito em seu projeto de construir muros em toda a fronteira, um terço da qual já está cercada graças a uma lei de 2006 do então presidente George W. Bush.

 

Dois terços dos imigrantes detidos ao cruzar a fronteira (de um total de 303.916 no ano passado em todo o país) são capturados no Texas, segundo cifras da patrulha fronteiriça. Por isso a separação familiar de imigrantes que atraiu a atenção nacional e internacional nos últimos dois meses teve seu epicentro neste estado, particularmente na região do Vale do Rio Grande, onde Támez vive. Lá se situam o maior centro de detenção de imigrantes sem documentos e solicitantes de asilo (apelidado "Ursula", com mais de mil detidos) e o abrigo para menores "Casa Padre", uma ex-farmácia Walmart que aloja cerca de 1.400 crianças. Desde maio, mais de 2.300 crianças foram separadas de seus pais ou tutores quando estes foram detidos ao cruzar a fronteira, ilegalmente ou pedindo asilo, seguindo a política de "tolerância zero" do presidente Donald Trump.

 

Embora Trump tenha ordenado em 20 de junho pôr fim à separação de famílias, mais de 2.000 crianças continuam sozinhas em "centros de processamento" e abrigos. Para Támez, "a atual crise migratória é resultado da incapacidade do Congresso de fazer cumprir as leis durante décadas". Um projeto de reforma migratória que incluía a proposta do presidente de construir um muro nos 3.218 km de fronteira, e que custaria 25 bilhões de dólares, voltou a fracassar na quarta-feira passada no Congresso. "A perda de nossas terras para construir um muro é um remendo à crise migratória, e não a solução", disse Támez.

 

"O Congresso não foi capaz de governar como deveria. Em vez disso, fazem politicagem". "Não é a primeira vez que violam nossos direitos ao nos tirarem nossas terras", continuou a ativista nativa, citando uma apropriação ocorrida em 1936.

AFP

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