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Entenda o conflito entre a Rússia e o Reino Unido no caso dos ex-espiões

Tanto a causa da morte do russo Nikolai Glushkov, quanto o envenenamento do ex-espião Serguei Skripal e sua filha Yulia, estão sendo investigados. Reino Unido e Rússia expulsaram 23 diplomatas de cada país rival nesta semana
15:45 | Mar. 17, 2018
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Tipo Notícia
[FOTO3]O conflito entre a Grã-Bretanha e a Rússia começou há duas semanas, quando o ex-espião russo Serguei Skripal e sua filha Yulia, foram encontrados inconscientes, no domingo, 4, na cidade inglesa de Salisbury . Os dois foram envenenados por um agente nervoso parecido com o encontrado no rosto de Kim Jong-nam, irmão do ditador norte-coreano Kim Jong-un, morto na Malásia. O gás não tem cheiro e nem gosto e por isso as vítimas podem não suspeitar de que foram envenenadas. 

O composto encontrado pela polícia britânica é considerado pela Organização das Nações Unidas (ONU) uma arma de destruição em massa, portanto, sua fabricação está proibida pela Convenção das Armas Químicas, na qual Rússia e Grã-Bretanha fazem parte. Analistas internacionais acreditam que Moscou está envolvida no caso porque a arma foi criada pela antiga União Soviética e é uma das “favoritas” do Serviço de Inteligência Russo (FSB).

Após o envenenamento, que está ainda em investigação, um exilado russo foi encontrado morto na última segunda-feira, 12, em Londres, em circunstâncias inexplicáveis. Nikolai Glushkov, 68 anos, era parceiro de negócios do oligarca e opositor do Kremlin de Moscou, onde fica a sede do governo russo, Boris Berezovski. Glushkov recebeu asilo político no Reino Unido em 2010. O jornal russo Kommersant, que cita Natalia, filha de Glushkov, aponta que o corpo do russo tinha sinais de estrangulamento. 

Punições
Em 2004, o ex-expião russo Skripal foi preso em Moscou após trair dezenas de agentes russos com a inteligência britânica. Em 2006 foi sentenciado a cumprir 13 anos de prisão, mas em 2010 o Reino Unido concedeu asilo político para o ex-espião, após ele ser trocado por espiões russos. Ele era coronel do serviço secreto russo, e durante nove anos foi agente duplo a serviço dos britânicos e forneceu nome de espiões do Kremlin na Europa. 
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Nikolai Glushkov trabalhava para as linhas aéreas estatais Aeroflot e para a empresa de automóveis de Berezovsky. Em 1999, ele foi acusado de fraude e branqueamento de capitais. Exiliado, fugiu para o Reino Unido. Em março foi condenado a oito anos de prisão por ter defraudado a Aeroflot quando era diretor financeiro. 

Motivações
Até o momento existem duas possibilidades de como o envenenamento de Serguei Skripal e sua filha Yulia pode ter acontecido: a primeira, se supõe que Yulia, que visitava o pai, chegou ao solo britânico com o veneno sem saber, e sem seguida, foram expostos. A segunda possibilidade é de que pai e filha foram envenenados no restaurante onde almoçaram, e que o agente nervoso estaria na comida. Na ocasião, dois russos estavam na cozinha do estabelecimento, e após o almoço, eles desapareceram. 

Para o cientista político e professor da Universidade de Brasília (UNB) David Fleischer, uma das possíveis motivações seria o “medo” de que Skripal passasse informações especiais para os ingleses. David também não destaca a possibilidade de ser uma “advertência” para quem pensa em trair o país. 
 
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Já para o professor de direito civil na Universidade Federal do Ceará (UFC), William Marques, acredita que o ex-espião teria informações especiais que afetariam a segurança da Rússia. William aponta que a represália acontece oito anos depois porque o Kremlin tem uma “postura imperialista” e que busca mostrar que ainda tem poder. 
 
Ele explica que é preciso relembrar que na passagem da Rússia comunista para a capitalista, o país estava quebrado, e isso afetou a auto-estima; e o atual presidente Vladimir Putin quer dar “auto-estima” para a população e mostrar que o país “resiste ao ocidente”.
 
“A Rússia saiu do comunismo mas o comunismo não saiu dela. Apesar de viver um capitalismo selvagem, no qual se paga até para usar o banheiro em locais públicos, é uma sociedade que vive em constante vigilância e é muito controladora, atitude comum a regimes comunistas”. O professor destaca que é possível ver nas ruas bottons, cartazes e imagens de Putin, o que é algo “incomum” na democracia do ocidente. 

Relações diplomáticas
Reino Unido e Rússia expulsaram 23 diplomatas de cada país rival nesta semana. O professor David acredita que a atitude da primeira-ministra britânica Theresa May de expulsar os diplomatas russos, que foi tomada primeramente pelo Reino Unido, foi precipitada devido às eleições que ocorrem na Rússia neste domingo, 18. “Putin está aproveitando para aumentar a popularidade usando do sensacionalismo e do nacionalismo da situação. Deveria ter deixado para expulsá-los na segunda-feira, após as eleições”, afirma. 

De acordo com David, May naturalmente não mexeu nas alianças econômicas com a Rússia para não prejudicar os empresários ingleses que já estão em situação delicada devido ao Brexit - saída do Reino Unido da União Europeia (UE) -, visto que muitos europeus trabalham na Inglaterra e com o Brexit eles vão precisar sair do país. “O Brexit foi mal pensado”, afirma o professor. 

O professor William ressalta que o conflito entre o Reino Unido e a Rússia tem influências políticas, econômicas e energéticas, visto que o país de Putin tem “muita reserva petrolífera e de gás natural”, o que reflete nas políticas externas. 

Para William, May poderia ter esperado um aprofundamento das investigações para tomar uma decisão. “As políticas diplomáticas acontecem em outra velocidade, é uma questão de ‘soft power’ (poder mais brando) e ela veio com uma linguagem mais forte”, e ressalta que essa atitude fortaleceu a imagem de Putin para que ele saia como “herói” da Rússia. 

Em relação aos ingleses considerarem a atitude da primeira-ministra britânica “fraca” ao possível envolvimento de Moscou com o envenenamento do ex-espião, ele explica que a imagem da May está enfraquecida entre os ingleses, que estão acostumados com “políticas previsíveis”, além da situação delicada do Brexit, no qual ela não conseguiu dar respostas satisfatórias à situação.  

Copa 2018
O professor da UNB destaca que uma forma de retaliação ao governo russo, caso seja provado o envolvimento deles com o envenenamento, seria ocasionar um boicote à Copa do Mundo de 2018, que acontecerá na Rússia. “Era para que os russos fossem impedidos de participar e o Reino Unido e seus aliados não irem à Copa”, reflete. 
 
Para o professor da UFC, um boicote aprofundaria o distanciamento entre os países, e por isso só deve ser feito caso se comprove a situação, sem brechas para dúvidas. “Se ficar claro que os russos mataram os próprios russos em solo inglês, deve ocorrer um boicote”. Mas para William, a atitude de impedir a ida da Família Real Inglesa à Copa é necessário, visto que ainda “não é seguro”.  

Caso seja provado que a Rússia envenenou o ex-espião 
O professor William explicou que, caso haja provas de que Moscou envenenou Serguei Skripal e sua filha Yulia, ocorrerá sanções diplomática, tais como diminuição do fluxo dos comércios, estreitamento das relações econômicas, dentre outros. “A guerra é sempre o último recurso”, pondera. Sobre o apoio do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, o professor destacou que apesar dos conflitos, em uma possível guerra, historicamente os Estados Unidos e a Grã-Bretanha sempre foram aliados e “dificilmente ele se uniria a Rússia”. Mas ressalta que ele não “enxerga motivos para guerra”.

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