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Escândalo de doping na Rússia reacende clima de Guerra Fria

11:53 | Jul. 23, 2016
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Tipo Notícia
A exclusão do atletismo russo dos Jogos Olímpicos do Rio e a ameaça de banimento de toda a delegação do pais traz à tona um clima de Guerra Fria inédito desde o fim do bloco soviético.
A crise esportiva está tomando mais uma vez contornos políticos, até nos mais altos escalões da diplomacia.
No início da semana, o ministro de Relações Exteriores da Rússia, Serguei Lavrov, usou a nova versão do 'telefone vermelho' ao ligar para o Secretário de Estado americano John Kerry para se queixar das "exigências provocativas e antirrussas" da Agência Antidoping dos Estados Unidos (Usada).
Na segunda-feira, esta agência pediu a exclusão total da Rússia dos Jogos poucas horas antes divulgação do relatório McLaren, que evidenciou o esquema de "Doping de Estado" no país.
Esse timing forneceu argumentos às autoridades russas para denunciar um complô. Uma suspeita também alimentada pelo exílio na América do Norte de dois pivôs do escândalo.
O Canadá acolheu a meio-fundista Yulia Stepanova, que denunciou o esquema em documentário do canal alemão ARD, e os Estados Unidos receberam Grigori Rodchenkov, ex-diretor do laboratório antidoping de Moscou, que fez revelações devastadoras em entrevista ao New York Times.
O esquema revelado pelo relatório envolve o próprio Ministério dos Esportes, acusado de acobertar casos de doping com ajuda dos serviços secretos, por meio do FSB, que nasceu das cinzas do KGB depois da era soviética.
O documento, redigido por uma comissão independente da Agência Mundial Antidoping (Wada), mostra que exames foram falsificados de forma sistemática a partir de 2011, um ano depois do fiasco nos Jogos de Inverno de Vancouver (15 medalhas, contra 22 na edição anterior, em Turim-2006).
AFP



Os métodos e as cadeias de comando lembram a época sombria das décadas de 1950 a 1990, "quando os Jogos Olímpicos permitiam aos representantes de diferentes nações se enfrentar sem matar um ao outro", de acordo com os estudos dos sociólogos Norbert Elias e Eric Dunning.
O doping, que já era comum em todos os países, mas tinha estrutura estatizada no Bloco Soviético, ajudava a ocupar um lugar mais alto no quadro de medalhas, ostentado como um troféu de guerra.
A Guerra Fria no esporte teve seu momento mais tenso no início da década de 1980, com boicotes que desfiguraram os Jogos.
Em 1980, os americanos e cerca de 50 dos seus aliados recusaram-se a viajar a Moscou para protestar contra a invasão soviética no Afeganistão.
A retaliação veio quatro anos depois, em Los Angeles, com a ausência da União Soviética e cerca de quinze países do leste europeu.
As relações diplomáticas estão bem menos tensas hoje em dia, mas o esporte continua sendo usado para alimentar a rivalidade.
"O orgulho nacional russo tem vários pilares. O primeiro deles é o exército, mas os astros do esporte também são muito importantes. O esporte é uma espécie de soft power para a Rússia", explicou Martin Kragh, especialista da Rússia no Instituto sueco de Relações Internacionais, em entrevista ao canal France 24.
O mesmo acontece na China, em Cuba ou outros países com poder centralizado, mas também nos Estados Unidos ou na Europa.
"A Rússia de Putin levou o conceito a seu máximo, como Lance Armstrong fez individualmente", analisa o sociólogo Christophe Brissoneau, referindo-se ao ciclista que teve os sete títulos na Volta da França cassados por doping.
De acordo com Brissoneau, os Estados Unidos vão ainda mais longe nos esportes coletivo ao "incentivar o doping e por deixar de intervir nas grandes ligas profissionais" de basquete, beisebol ou futebol americano.




A polarização do cenário político-esportivo também é alimentada pela personalidade muito conservadora de Travis Tygart, presidente da Agência Americana Antidoping (Usada) ou Dick Pound, canadense fundador da Wada, autor do primeiro relatório bombástico que suspendeu o atletismo russo das competições internacionais.
Brissoneau também questiona a repercussão muito maior na mídia do documentário da ARD sobre a Rússia em relação a outro do canal Al Jazeera, sobre o doping nos Estados Unidos (The Dark Side, The secret world of sports doping).
Em meio a esse embate, o COI tenta se manter imparcial. Ligada aos Estados Unidos por razões econômicas (a metade dos seus patrocinadores é de americanos), a entidade olímpica costuma estar mais próxima da Rússia politicamente.
A influência pró-russa do ex-presidente Juan Antonio Samaranch continua vigorando, mesmo seis anos depois da morte do espanhol.
A França vem se mostrando ainda mais cautelosa. Ainda não houve posicionamento oficial sobre o banimento ou não da Rússia dos Jogos do Rio, e provavelmente não haverá.
O motivo: a candidatura de Paris para sediar a edição de 2024. Esfriar as relações com os membros russos do COI seria um grave erro, ainda mais quando se sabe que uma das principais concorrentes da capital francesa é justamente Los Angeles.


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