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Opinião: Os tempos dos grandes gestos se foram

16:20 | Mai. 29, 2016
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Hollande e Merkel homenagearam os mortos da Batalha de Verdun. A cerimônia, fortemente simbólica, também chamou a atenção para as lacunas na relação entre França e Alemanha, afirma o jornalista Andreas Noll. Este domingo (29/05) em Verdun não rendeu nenhuma imagem para os livros de história. A chanceler federal Angela Merkel e o presidente François Hollande resistiram ainda bem à tentação de repetir o aperto de mãos de seus antecessores, Helmut Kohl e François Mitterrand, ou de tentar algum outro gesto de impacto. Ainda assim não faltam símbolos expressivos neste centésimo aniversário da Batalha de Verdun. A própria data escolhida para lembrar a carnificina, que começou em 21 de fevereiro de 1916, com os disparos de 1.200 canhões alemães, foi uma deferência a um gigante da história francesa: o presidente Charles de Gaulle foi a Verdun em 29 de maio de 1966. Há 50 anos, neste mesmo local, o antigo general, que foi, ele mesmo, gravemente ferido em Verdun em 1916, optou por não falar sobre o desenrolar dos combates. Sobre o solo manchado pelo sangue de milhares de soldados, ele preferiu enaltecer a reconciliação franco-alemã, que, três anos antes, ele havia firmado com o chanceler federal Konrad Adenauer. Entre os espectadores estavam veteranos da Primeira Guerra, que, se não pagaram com a vida pela vitória da França, fizeram-no com sua integridade física e psíquica. E, diante desses homens fortemente marcados, que mesmo de muletas tentavam manter uma postura militar, De Gaulle desenhou os contornos de uma Europa unida, liderada por Alemanha e França e que levaria o progresso ao mundo. Se é verdade que gestos históricos só mostram seu impacto diante do público certo aqui, sem dúvida, ele estava reunido. Há alguns anos morreram os últimos veteranos da Primeira Guerra Mundial. Não há mais nenhuma pessoa que possa testemunhar, a partir das suas próprias experiências, o que alemães e franceses fizeram uns aos outros neste local. Assim, era inevitável e correto que, no dia do centenário, crianças e adolescentes fossem postos no centro das comemorações. Trata-se de uma geração que precisa consultar os arquivos familiares para saber se há um tataravô ou tatataravô que lutou na Lorena. Também essa geração, para quem combates militares entre a França e a Alemanha soa como algo absurdo, pode sentir os horrores da guerra em Verdun, seja numa visita às fortalezas opressivas ou diante da visão das crateras causadas pelas bombas, até hoje visíveis. Cerca de três quartos de todos os soldados franceses da Primeira Guerra lutaram em Verdun para tentar impedir o avanço das tropas alemãs já nas imediações da cidade. Também isto é uma mensagem simbólica neste dia: m 1984, Mitterrand queria se encontrar com Kohl apenas no campo de batalha; já Hollande e Merkel visitaram também o centro da cidade de Verdun. Mas, cem anos depois da guerra, os tempos dos grandes gestos estão definitivamente encerrados, e todas as questões relevantes foram esclarecidas. Historiadores franceses e alemães não têm mais dificuldades em formular uma visão comum sobre a guerra. Nunca é demais destacar essas conquistas, esse caminho conjunto feito por duas nações mas, para o futuro, elas perderam força. A Europa como uma união pacífica? A rejeição do nacionalismo? A reconciliação dos povos como garantia de um futuro promissor? Os jovens em Verdun percebem que essas promessas não são mais suficientes. Merkel e Hollande também sabem disso. Às margens da cerimônia, eles falaram sobre a ameaça do Brexit. A dulpa teuto-francesa tenta impedir o esfacelamento da grande unidade europeia, que também se fundamenta sobre Verdun. Mas essa unidade não está ameaçada apenas pelos britânicos teimosos, que De Gaulle nunca quis na união. Já há anos que a Alemanha e a França não apresentam mais disposição para grandes iniciativas políticas. Principalmente em questões econômicas e financeiras importantes, ao que parece, as diferenças não se tornaram menores desde os tempos de De Gaulle. E há ainda o desinteresse pela língua: tanto na Alemanha como na França diminui constantemente o número de interessados em aprender a língua do vizinho. Uma resposta para isso, uma visão de futuro concreta, comum, talvez até contagiante para os jovens, essa Merkel e Hollande não souberam traçar em Verdun. O público certo estava lá. Autor: Andreas Noll

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