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Bélgica julga mãe que matou filhos deficientes

08:12 | Mar. 02, 2016
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Há três anos, Rita Henkinet tirou a vida de seus filhos Arnaud e Audrey, de 24 e 26 anos, que sofriam de uma doença genética. Agora, Justiça belga pondera: foi assassinato ou ato de misericórdia? Três anos atrás, na noite de 1º de março, a ex-enfermeira Rita Henkinet deu uma dose forte de tranquilizante a seus dois filhos e depois os asfixiou até a morte. Arnaud, de 24 anos, e Audrey, de 26, sofriam de uma doença genética associada a deficiências físicas e mentais. Agora, Rita é julgada na cidade de Liège, na Bélgica, por assassinar suas duas crianças. O irmão dela, Benoit, é acusado de auxiliá-la a cometer os atos. Ao juiz que presidiu a instrução do processo criminal, Rita declarou que tirar a vida de seus dois filhos foi um ato de amor. "Eu não queria me livrar dos meus filhos. Eu sinto saudade deles", afirmou à emissora de televisão belga RTL. No início do julgamento, a mãe justificou suas ações dizendo que os jovens estavam sofrendo e que a saúde deles só piorava. O juiz, por sua vez, afirmou que Audrey participava de atividades na instituição psiquiátrica onde ela e o irmão moravam, e que ele sabia escrever e fazer cerâmica. "Não foi eutanásia" "Este caso não se encaixa de forma nenhuma nas leis belgas sobre a eutanásia", diz François Damas, membro da comissão que trata do assunto no país. A Bélgica legalizou o suicídio assistido em 2002, sendo o segundo país da União Europeia a fazê-lo, depois da Holanda. "A lei belga estipula que a pessoa precisa expressar, por livre e espontânea vontade, o desejo explícito e constante de que um médico a submeta à eutanásia. Esse desejo não pode ser expressado por outra pessoa", afirma Damas à DW. "É o mesmo com crianças menores de idade. Crianças com doenças terminais que estão sofrendo mesmo com ajuda médica podem ter sua morte antecipada, mas elas precisam solicitar isso elas mesmas", continua o especialista. Há dois anos, a Bélgica se tornou o primeiro país do mundo a remover qualquer restrição de idade quando se trata de suicídio assistido. "Em constante necessidade de controle" Nesta segunda-feira (29/02), deu-se início à segunda semana de julgamento, com psicólogos depondo sobre a personalidade dos réus e sua dinâmica familiar. Os especialistas descreveram a família de Rita como um sistema interdependente, que recebeu golpes severos com o nascimento de duas crianças deficientes. Um psicólogo esboçou a mãe como uma mulher em constante necessidade de controle. Outro ressaltou o quão fortemente ela se identificava com seus filhos. "As pessoas obsessivo-compulsivas tentam controlar tudo", opinou a psicóloga Ariane Bazan, da Universidade Livre de Bruxelas (ULB), que não participa do julgamento. "Aparentemente, foi difícil para Rita Henkinet perder o controle sobre a vida de seus filhos para a instituição." "Extremamente estressada" Na entrevista para a emissora RTL, Rita explicou que cuidar de seus filhos exigia atenção em tempo integral, o que a colocou sob enorme pressão. Na época em que morreram, Arnaud e Audrey viviam no hospital psiquiátrico, mas de tempos em tempos passavam o fim de semana com a mãe em casa. "Você tem que levar em conta que, por mais de 20 anos, Rita Henkinet esteve mais ou menos sozinha tentando encontrar a melhor solução para os filhos", afirmou o advogado de defesa, Alexandre Wilmotte, à RTL. "Acho compreensível que ela estivesse extremamente estressada e desgastada com tudo isso." Depois de matar seus filhos na noite de 1º de março de 2013, Rita tentou se matar uma tentativa de suicídio que os médicos afirmaram ser real, e não um "mero pedido de ajuda". O julgamento deve continuar ao longo desta semana. Mas independente do veredicto, ele não vai mudar o fato de que, na Bélgica, os temas da eutanásia e das pessoas com deficiência nunca andarão juntos, afirma François Dama, que dirige o comitê de ética de um hospital em Liège. "A lei nunca poderia ser ampliada para incluir a eutanásia em pessoas com deficiência", diz o especialista. "Porque a ideia fundamental da lei é que ela requer uma decisão clara e autônoma do paciente. Se o paciente com deficiência mental é incapaz de tomar e expressar uma decisão tão clara e inequívoca sobre si mesmo, não pode haver eutanásia." Autor: Andrea Rönsberg, de Bruxelas (ek)Edição: Rafael Plaisant

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