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A fuga sem fim de imigrantes ilegais nos Estados Unidos

18:09 | Mar. 01, 2016
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Jovens da América Central atravessam o México de trem rumo à fronteira com os Estados UnidosDeixar a terra natal, escapar das autoridades de imigração e, diante da possibilidade de Donald Trump ser eleito, talvez ter que sair dos EUA. A repórter Ines Pohl descreve a situação na fronteira com o México. Com seus pássaros, a cidade de McAllen é um paraíso para ornitólogos, principalmente no começo da primavera. Nos dias quentes de verão, as temperaturas chegam a 40 graus à sombra. "Aí ninguém sai de casa", diz o patrulheiro José Cruz. Cruz nasceu aqui e conhece cada curva do Rio Grande, o rio que é a divisa natural entre o México e o Texas. Um rio que divide não apenas dois países, mas dois mundos. Cruz trabalhou muitos anos no exterior, controlando fronteiras para as Nações Unidas no Kosovo e na Macedônia. Agora ele está de novo em casa, para proteger sua própria gente. "Os Estados Unidos foram fundados por imigrantes. Eu não sou contra imigrantes", diz Cruz. "Mas temos de encontrar maneiras de controlar quem entra no nosso país." Para ele, o controle estatal de fronteiras não consegue dar conta disso por ter poucos funcionários e trabalhar com equipamentos defasados. Por isso, ele trabalha há três anos para a empresa privada ISA (International Security Agency), em McAllen. "Vigiamos as áreas que nos são confiadas com tecnologia fotográfica de infravermelho. Essa tecnologia trabalha de forma totalmente automática e envia um sinal quando algo se movimenta", explica. Os principais clientes são fazendeiros que têm seus rebanhos em regiões fronteiriças. Eles precisam de proteção contra cartéis da droga e traficantes de pessoas, que fazem ameaças que não são só verbais quando alguém atrapalha seus negócios. Cruz e seus colegas gostariam de trabalhar para o Estado. "Conseguimos muito apoio para nossas ideias, mas nenhum dinheiro." Segundo ele, os políticos não querem investir em tecnologia que pode até ser útil, mas é invisível. Eles querem algo que todos possam ver. "Como esse enorme muro." Terra de ninguém A fronteira entre o México e os Estados Unidos tem 3.145 quilômetros. O muro que o pré-candidato à presidência Donald Trump quer erguer para barrar a imigração ilegal está em todos os debates políticos deste ano eleitoral. Apesar de apoiar Trump, Cruz não concorda com esse plano. "Tudo que diminua a imigração ilegal é bom. Mas isso não vai pará-la. Precisamos de um muro digital. Precisamos de uma vigilância terrestre sem lacunas", argumenta. Nas últimas décadas, foi erguida uma cerca com barras de ferro na fronteira, com uma altura que varia entre dois e seis metros. No alto dela, há pequenas câmeras de vídeo. "É necessário identificar os fugitivos logo. Quando eles já estão na cerca, é tarde demais", diz Cruz. Por isso, argumenta, é necessário um sistema de vigilância que localize os fugitivos numa faixa de 30 quilômetros de largura a partir da cerca: uma terra de ninguém no território mexicano que, principalmente no verão, torna-se mortal. Diego Mancha tinha sete anos quando sua mãe o colocou nas aulas de natação junto com a irmã menor. A situação em casa era cada vez mais insustentável. O pai já começava a beber nas quintas-feiras. No início, ele batia na mãe, depois passou a bater também nas crianças. Em junho de 2002, a mãe estava parada com duas malas diante da escola. Pela primeira vez na vida, Diego entrou num avião. O destino era Monterrey. De lá eles seguiram viagem de ônibus para a pequena localidade fronteiriça de Piedras Negras, a cerca de 400 quilômetros de McAllen. A avó materna e uma tia já viviam havia algum tempo nos Estados Unidos. As duas tinham vistos. "Nós nos encontramos com elas. Eu não entendi por que a minha mãe deu a elas as nossas duas malas. Ela ficou apenas com uma pequena sacola plástica com roupas limpas para nós dois." A família se escondeu numa casa abandonada, perto da fronteira, com outras mulheres e crianças. Um homem chegou e explicou que, quando chegassem ao outro lado do rio, eles deveriam trocar logo de roupa e deixar as roupas molhadas para trás. Aí tudo aconteceu de forma muito rápida. O homem diz que eles devem entrar na água. Diego, a irmã e a mãe se agarram a um pneu que boia no rio. O homem nada na frente. Diego não se lembra mais de quanto tempo permaneceu na água. O desconhecido joga as sacolas plásticas com as roupas na margem do rio e espera até que todos estejam em terra firme. E então, desaparece. Pouco depois eles estão num carro. Uma mulher dirige, e a mãe está no banco da frente. Diego e a irmã se deitam no banco de trás para que ninguém os veja. O azar de quem é pego Migrantes que são pegos são levados para acampamentos. Foi o que aconteceu com Kimberly Rivera, de 27 anos, que fugiu, junto com os dois filhos, de Honduras para os Estados Unidos, passando pelo México. Com lágrimas nos olhos, ela relata as condições indignas, a alimentação precária, os vigias brutais. "Tínhamos muita sede e não nos davam o suficiente para beber. Eles tiraram tudo de nós. Todas as minhas coisas pessoais. Meus filhos viram pessoas cometerem suicídio no acampamento", lembra. Com a detenção, começa a longa espera. Podem se passar anos até que saia um veredicto definitivo. Rivera tinha muito medo de ser enviada de volta para Honduras, de ser torturada ou assassinada, como tantos amigos e familiares dela. Diego e sua família conseguiram chegar sãos e salvos até a casa da avó, que vive num subúrbio rico de San António. No lugar, há muitos brancos e quase nenhum latino. A tia é dona de uma empresa de limpeza bem-sucedida. Diferente dos outros Diego entrou numa escola primária bilíngue. Ele era pequeno, musculoso e sabia correr. A corrida é um esporte em que é mais difícil se machucar. Desde cedo, a mãe o ensinou a se cuidar, afinal, a família não tem seguro de saúde. Foram necessários alguns anos até ele perceber que havia algo que o diferenciava de todos os outros alunos de sua classe. No início, ele achava que era só o dinheiro, que eles não tinham e que, por isso, não podia participar das excursões escolares. Um dia, a mãe o chamou de lado e o fez jurar por Nossa Senhora de Guadalupe que ele jamais contaria para alguém que ele não tinha documentos. Ele, a mãe e a irmã vivem de forma ilegal nos Estados Unidos. Foi então que Diego começou a entender que era diferente, e que sua vida nos Estados Unidos tinha limites. Ao longo dos anos, passou a ser cada vez mais difícil explicar para seus colegas por que ele nunca os acompanhava em viagens para o México. Ou por que ele não tinha carteira de motorista. Ou por que não aceitava um emprego se a família evidentemente era uma das mais pobres do bairro e necessitava de dinheiro. Diego era tão bom na escola que seus professores o recomendaram para um curso preparatório para a graduação. Ele conseguiu uma vaga e, como todos os outros candidatos, tinha que preencher um formulário para uma bolsa. "Mas eu não podia. Eu não tinha documentos, muito menos um número do seguro social [equivalente à carteira de identidade nos EUA]. Eu pensei: agora eu estou mesmo na merda." E mais uma vez ele pensou na mãe, que teve de abandonar os estudos. "Eu queria ser o primeiro na família com um diploma de um curso superior." Assim, ele tomou coragem e contou a verdade para uma professora. Ela ficou chocada e pediu ajuda a seus colegas. Naquele subúrbio de ricos, ninguém tinha experiência com alunos sem documentos. "Mais uma vez, eu me senti como um estranho no ninho", conta Diego. O fim da ilegalidade Isso foi em 2012. Naquele ano, o presidente Barack Obama assinou um decreto conhecido como Dream Act, que ajuda crianças e adolescentes como Diego. Mesmo que ela não represente uma legalização total, Diego pôde, graças à nova lei, finalmente obter uma licença para trabalhar e tirar uma carteira de motorista. A vida dele se tornou um pouco mais próxima do normal, mas ele continuava cauteloso. O que aconteceria se Obama perdesse a eleição para Matt Romney? Ele seria deportado, depois de todos esses anos vivendo nos Estados Unidos? E a mãe e a irmã também? Diego ficou na expectativa. Mas aí aconteceu algo. "Eu simplesmente não podia mais suportar a situação. Numa entrevista coletiva para a imprensa, eu abri o jogo." Para Diego, foi uma enorme sensação de liberdade. A maioria dos seus amigos ficou chocada. Não com a sua origem, mas por ele ter escondido a história dele por tanto tempo. "Minha revelação me deu tanta energia. Eu me senti incrivelmente livre", relembra. Agora que Diego não precisava mais esconder a própria história, ele podia se candidatar a uma bolsa. Organizações como The Dream US Scholarship o ajudaram a pagar por sua graduação. Graças à lei de Obama, ele podia trabalhar, ganhar dinheiro e ajudar a mãe. E hoje? Ele se sente em casa nos Estados Unidos? Ele se sente como um americano? "Eu não acho que as pessoas tenham que assimilar uma nova cultura. Todos deveriam ter o direito de manter a própria cultura", diz Diego. Em dois meses, Diego vai concluir os estudos num college. Aí ele pretende trabalhar por mais dois anos para realizar o sonho de entrar para a universidade. "Eu serei o primeiro na minha família a ter um título de doutor." Diego não tem dúvidas de que conseguirá, mas há um fator de insegurança. "Eu já penso no que vou fazer se Donald Trump for eleito presidente. Eu considero duas opções: ir para o México ou ir para o Canadá." Mas não seria difícil deixar os Estados Unidos? "Eu fico aqui se eles me quiserem aqui. Eu ainda não tenho direitos. De alguma maneira, a fuga nunca chega ao fim." Na fronteira, o patrulheiro Cruz afirma que não tem medo de imigrantes do México ou de outros países da América Latina. "Se eles fogem da guerra ou da violência, não há problema que fiquem aqui." O maior temor dele é que radicais islâmicos entrem nos Estados Unidos pela fronteira terrestre. "Essas são as pessoas realmente perigosas. E essas nunca vão se deixar parar por uma cerca." Autor: Ines Pohl, do Texas (as)Edição: Luisa Frey

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