App testa limites entre vigiar e proteger a família
Aplicativo desenvolvido na Alemanha tem Brasil como principal mercado, com 250 mil usuáriosAplicativo desenvolvido na Alemanha tem Brasil como principal mercado, com 250 mil usuários. Familiares usam segurança como umas das justificativas para usar o serviço, mas especialista alerta sobre controle excessivo.
Toda noite era a mesma história. Assim que a mãe de Rafael Dias Silva, de 32 anos, abria o portão ao chegar em casa, o cachorro da família escapava para a rua. Até o dia em que Rafael, responsável por correr atrás do animal e trazê-lo de volta, baixou no celular da mãe o app localizador Familo.
"O portão é automático. O cachorro fica solto no quintal. Apesar de ser brincalhão e até um pouco lerdo, ele não pode ver o portão aberto que foge para a rua. Passei, então, a prendê-lo antes de minha mãe chegar", conta o rapaz, que mora com os pais em Brasília.
Só algumas semanas depois, a mãe, Maria de Lourdes Dias, de 59 anos, descobriu que estava sendo "rastreada". O Familo dedurava de onde Maria tinha saído e para onde estava indo, dando a Rafael tempo de amarrar o São Bernardo. "Não me importei muito. Não sei muito sobre tecnologia. Nem sabia que isso existia", disse.
A "brincadeira" ficou séria e, mesmo sem tanto conhecimento, ela resolveu incorporar a "babá virtual" à rotina. "Se o Rafael demora a voltar da aula de pós-graduação, que é à noite, olho o aplicativo para saber onde ele está. Também monitoro meus outros filhos para ver se estão em casa", conta.
Além de Rafael, Maria de Lourdes tem outros dois filhos. Um deles é casado e fica de "olho" no Familo para ter certeza de que está tudo bem com a esposa. A outra é Ludmila Dias Silva, de 29 anos, que aderiu ao app para cuidar da segurança da única filha, Eduarda Silva Pinheiro, de 11 anos. "Baixei o aplicativo para seguir os horários de entrada e saída da escola dela para casa. Fico preocupada. Cuidado nunca é demais, não é?", diz.
Brasil recordista
Quem tem o Familo no celular pode compartilhar os dados de localização com pessoas próximas. Uma vez que você está online, o aviso de check-in em locais pré-determinados (casa, escola, academia, universidade, etc.) é enviado automaticamente aos familiares. Também é possível enviar alertas em caso de emergência se estiver em qualquer outro lugar, ou restringir informações.
Dos 900 mil usuários do app, desenvolvido pela start-up alemã Familonet, cerca de 250 mil estão no Brasil, considerado pela empresa um dos principais mercados para o serviço. O país é recordista de downloads, seguido da Alemanha e da Turquia. A ferramenta está disponível sem custo nenhum em 12 línguas, que incluem, além do português, alemão e inglês.
De acordo com um dos fundadores da Familo, Michael Asshauer, "mais e mais pessoas estão usando smartphones no Brasil, um país onde a segurança da família tem muito valor". "Por isso, ano passado, começamos nossa divulgação por lá. O sucesso foi rápido", diz.
Agora, a meta da start-up é ganhar espaço no México e em países da Ásia, como Índia e Indonésia, e, ao mesmo tempo, atualizar de forma contínua as funções do Familo.
Invasão de privacidade?
O uso cada vez mais frequente de apps "espiões" provoca discussões sobre privacidade, um direito garantido pela Constituição brasileira. Se os pais gostam de saber tudo da vida dos filhos, é preciso haver equilíbrio para "não impedir que os jovens desenvolvam recursos psíquicos de autocontrole", afirma Maria Virgínia Filomena Cremasco, doutora em Saúde Mental pela Unicamp.
"Educar e dar limites não significa cercear a privacidade da criança, mas desenvolver nela a capacidade de se gerenciar", diz.
Segundo a especialista, a necessidade de monitoramento via aplicativo "tem que ser avaliada dentro do desenvolvimento de cada criança". Para as muito novas, por exemplo, "espera-se que os responsáveis estejam mais presentes nas decisões".
Cremasco afirma que os pais devem tomar cuidado para não fantasiarem sobre o que pode acontecer se o filho fizer algo sozinho. No entanto, se a questão for mesmo segurança, "o monitoramento pode representar uma tranquilidade maior para os dois lados".
Autor: Maurício CancilieriEdição: Luisa Frey