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TV russa instrumentaliza refugiados em propaganda anti-UE

14:25 | Jan. 19, 2016
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Apoveitando a onda da crise migratória, Canal 1 noticia sobre suposto estupro de garota de origem russa por migrantes em Berlim. Polícia local desmente. Episódio evoca notícias falsificadas no conflito da Ucrânia. É de arrepiar os cabelos a história que Canal 1 da televisão russa apresentou a seus telespectadores no noticiário principal da noite do sábado (16/01). Uma menina de 13 anos de origem russa foi supostamente raptada em Berlim, colocada num carro e levada a um apartamento, onde foi estuprada durante todo um dia. Uma mulher, apresentada pela reportagem como tia da vítima, descreveu detalhes terríveis. Nem os pais nem a garota foram entrevistados. Em vez disso, diversos russos residentes da capital alemã tomaram a palavra para desabafar sua ira. "Se é assim, vamos responder à violência com violência", ameaçou um homem. Outro, suposto tio da menina estuprada, acusou a polícia de encobrir os criminosos. No fim de semana uma porta-voz da polícia berlinense desmentiu à Deutsche Welle a versão das mídias russas: não houve nem rapto nem estupro. Nesta segunda-feira, em comunicado, o órgão de segurança reiterou o desmentido: no início da semana, uma garota fora dada como desaparecida no bairro de Marzahn-Hellersdorf, mas foi localizada pouco depois. Solo fértil para imagens apocalípticas Como fonte de sua reportagem, a TV russa indicou o pouco conhecido portal de internet Genosse.su, que se autodefine como "site dos alemães soviéticos". Dedicado especialmente à vida dos alemães de origem russa, ele representa a Convenção Internacional dos Alemães da Rússia. Essa associação baseada em Berlim anunciou seu apoio à manifestação de "alguns alemães de origem russa" em 23 de janeiro, em que se pretende protestar "contra a violência" diante do prédio da Chancelaria Federal. Tudo indica que para parte dos russos tais notícias caem em solo fértil, sendo muito debatidas nas mídias sociais. Nos últimos meses os meios de comunicação do país têm informado amplamente sobre a crise de refugiados na Alemanha, pintando um quadro sombrio, apocalíptico da situação. A notícia de que refugiados também estariam supostamente envolvidos nas agressões sexuais contra mulheres na noite de réveillon em Colônia foi divulgada como uma confirmação dos piores temores; muitos especialistas da Rússia consideram a Alemanha e a União Europeia condenadas ao ocaso. Também os cerca de 6 milhões com raízes russas ou soviéticas que vivem na Alemanha assistem à TV russa. Até agora não houve nenhum estudo científico sobre sua posição relativa aos refugiados. Fato é que, depois dos acontecimentos em Colônia, alguns russos da Alemanha procuram, em seus blogs, acirrar os ânimos contra os migrantes. O escritor russo residente em Berlim Wladimir Kaminer afirma não acreditar, no entanto, que seus compatriotas na Alemanha sejam particularmente críticos quanto aos refugiados. "Sim, russos na Alemanha assistem à TV russa", disse o autor à DW. "Mas eles sempre têm uma alternativa, como olhar para as ruas ou escutar os relatos das mídias alemãs." "Fim da Europa" o filme O noticiário do Canal 1 sobre o suposto estupro em Berlim lembra os relatos parcial ou completamente falsos das mídias russas no conflito da Ucrânia. O exemplo mais conhecido é o assim chamado "menino crucificado". Numa reportagem da mesma emissora em julho de 2014, afirmava-se que, na cidade de Sloviansk, no leste da Ucrânia, soldados do país teriam fixado a pregos sobre uma tábua "como Jesus" um garoto de três anos de idade. Posteriormente, a emissora admitiu não ter verificado a história contada por uma "testemunha ocular". Não houve pedido de desculpas. Para o editor e especialista em mídia baseado em Londres Peter Pomerantsev, a emissora russa em questão não faz jornalismo no sentido ocidental do termo. "Não creio que Canal 1 se interesse particularmente por fatos", comentou à DW. "O que os russos fazem está mais próximo do gênero do filme de ficção, é uma espécie de cinema". O tema central dessa película seria "o fim da Europa". "Esse é um tema muito importante, pois o poder do presidente russo Vladimir Putin se alicerça na ideia da total falta de alternativa: se a nossa situação é ruim, ela está mal por toda parte." Para Pomerantsev, notícias como a da garota em Berlim se destinam principalmente ao público na Rússia, visando apresentar a Europa sob uma luz pouco atraente. Wladimir Kaminer concorda: "Acho que essa notícia da televisão russa foi pensada, em primeira linha, para o público doméstico, a fim de apresentar aos cidadãos os 'horrores' da vida na Europa. As piores notícias sobre a Alemanha nós sempre ficamos sabendo na Rússia", ironiza o escritor russo. Autor: Roman Goncharenko (ca)Edição: Augusto Valente

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