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Refugiados iraquianos retornam para casa

15:48 | Jan. 22, 2016
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Muitos migrantes desistem de tentar a vida na Alemanha. Alguns não receberam asilo após meses de espera, outros afirmam ter sido maltratados pelas autoridades. Apesar dos riscos, eles voltam para seu país. No aeroporto de Tegel, em Berlim, o voo semanal para Erbil, no Iraque, está pronto para partir em duas horas. No balcão de check-in, Leyla Majeed espera ao lado de seu sobrinho Mohammed, de 13 anos. Ela parece estar irritada e nervosa. Seis meses atrás, ela atravessou os Bálcãs durante 15 dias, a caminho de um novo futuro na Alemanha. Majeed e seu sobrinho decidiram deixar o Iraque após o irmão dela, pai do garoto, ter sido morto num bombardeio. As coisas com que se deparou em sua rota para a Alemanha fome, desespero, crianças mortas a perseguem em seu sono. "Algumas pessoas morreram no caminho", disse. "Foi muito triste." A imagem que ela tem da Alemanha lhe deu forças para continuar. Ela esperava encontrar um emprego e um lar para a família. Seis meses depois, tudo o que Majeed quer é retornar para casa. "Vim com tanta esperança, mas não posso ficar por mais tempo." Ela se queixa sobre as condições de vida. A comida, explica, é muito cara em relação ao dinheiro que recebe do Estado. E suas entrevistas para o processo de asilo foram sempre adiadas. "É triste ter que voltar", afirma. "Gastamos todo nosso dinheiro para recomeçar na Alemanha. Agora tenho que retornar para um lugar onde não tenho mais nada." Documentos somente de ida Um total de 92 refugiados espera para embarcar no mesmo voo mesmo de Majeed, para Erbil. Muitos deles tiveram experiências semelhantes na Alemanha. "O processo de asilo para os iraquianos é muito lento", diz Mohammed Mohsen no balcão de check-in. "Não estou autorizado a trazer minha família, e ainda não recebi uma permissão de residência." Ele tentou pedir asilo durante cinco meses, sem sucesso. "Não posso trabalhar", reclama. "Não posso circular livremente. O modo de vida aqui é tão diferente." Mohsen está com raiva, assim como muitos outros dispostos a compartilhar suas experiências. "Você não pode abrir as portas para os refugiados e depois não finalizar o processo", diz ele sobre a política alemã de asilo. Hamid Maheed, um agente de reservas da empresa aérea Iraqi Airways, chama Majeed, Mohsen e os demais. "A maior parte dos refugiados não fala uma palavra de alemão", afirma o agente. "Eles não sabem como funciona o sistema de trens ou o metrô. Eu os ajudo a chegar ao aeroporto a tempo e a lidar com a logística." Desde outubro, Maheed tem ajudado 50 refugiados por semana a retornar para o Iraque. Esse número dobrou em janeiro. "Eles são meus compatriotas. Sinto-me na obrigação de ajudá-los", diz. Maheed entrega os documentos de viagem somente de ida a Majeed, Mohsen e aos demais. As autorizações foram emitidas pela Embaixada do Iraque como passaporte de uso único. Ao receber os documentos, muitos refugiados se sentem novamente no controle da situação. Alguns haviam perdido os passaportes na fuga do Iraque; outros os jogaram intencionalmente fora antes de cruzar a fronteira para, mais tarde, se passar por sírios. Eles sabiam: pedidos de asilo de sírios são processados mais rapidamente e, normalmente, são aprovados. Desde outubro do ano passado, a embaixada do Iraque emitiu por volta de 1.500 passaportes para cidadãos que pretendem retornar para casa. "Última joia" Em Moabit, um bairro de Berlim, Alla Hadous vende passagens de avião para refugiados que querem deixar a Alemanha. Com 20 e poucos anos, Hadous assumiu recentemente o negócio do pai: uma agência de viagem e uma joalheria. Nos últimos meses, iraquianos têm comprado passagens para o voo semanal direto para Erbil em sua agência. Um bilhete de ida custa 295 euros (cerca de 1.310 reais). "Algumas pessoas pagam em dinheiro. Alguns recebem ajuda das autoridades alemãs. Outros pagam com sua última jóia", diz Hadous. Ele cresceu em Berlim, mas fala fluentemente árabe. O pai vem da palestina e a mãe, do Líbano. Hadous diz querer ajudar o tanto quanto possível. "Sempre pergunto aos clientes quando reservam seus bilhetes: 'Por que você quer voltar para casa?'", explica. Segundo Hadous, eles geralmente dizem que imaginavam outra realidade na Alemanha e que esperaram tempo demais por seus vistos de residência, dormindo em abrigos. O agente de viagens diz que sempre responde: "Vocês já passaram por tanta coisa. No Iraque e em seu caminho para a Alemanha. Vocês poderiam ter esperado para ver como a Alemanha realmente é." Mas, para alguns, a realidade é dura demais. A agência de viagens de Hadous fica a apenas alguns metros de distância dos escritórios de registro para requerentes de asilo. Todo refugiado em Berlim conhece o Departamento Estadual de Saúde e Assuntos Sociais (Lageso). Ali, centenas de refugiados, especialmente homens jovens e algumas famílias, esperam na fila de registro para dar início ao processo do visto de residência. Alguns dizem ter esperado meses por uma entrevista. Sem arrependimentos No momento, a temperatura em Berlim gira em torno de 2°C negativos. No outono, quando o clima estava um pouco mais quente, as pessoas dormiam em frente ao departamento de registro para serem as primeiras da fila na manhã seguinte. Agora, com o frio, isso não é uma opção. Esperar na fila, em vez de começar a trabalhar e dar início a uma nova vida muitos dizem estar decepcionados com a realidade de ser um refugiado na Alemanha. Muitos dos migrantes com destino a Erbil retornam para o norte do Iraque, uma área abalada por conflitos, mas não tão arriscada quanto outras partes do país. O check-in para o voo está próximo de fechar. Majeed está pronta para partir com sua permissão de ida e seu tíquete para Erbil em mãos, ela se dirige para o controle de segurança. Naquele dia, ela viaja sozinha; na semana que vem, será a vez dos outros parentes, incluindo o sobrinho. "Não me arrependo da minha decisão de voltar para o Iraque. Não me arrependo de ter vindo para a Alemanha", diz Majeed. Em apenas cinco horas, ela estará novamente no lugar onde iniciou sua viagem seis meses atrás: sem casa e sem dinheiro, mas no Iraque, o país de que sentiu tanta falta. Autor: Charlotte Potts (ca)Edição: Luisa Frey / Augusto Valente

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