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Por que os poloneses temem a chegada de refugiados?

15:40 | Jan. 08, 2016
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Em meio à crise migratória na UE, muitos na Polônia argumentam que o país não pode receber refugiados do Oriente Médio. "Não somos abertos a pessoas diferentes" ou "não estamos prontos", dizem. A Polônia concordou em receber alguns milhares dos mais de um milhão de refugiados que chegaram à Europa em 2015. A porção é pequena para um país cuja economia cresce rapidamente e que vem exercendo uma influência política como não se via há séculos. O governo do partido Lei e Justiça (PiS), eleito em outubro, tem se pronunciado contra a migração de não europeus e feito críticas ao programa de realocação de refugiados da União Europeia (UE). Muitos poloneses têm inclusive saído às ruas para protestar contra o acolhimento de migrantes. Mas por que a Polônia entrou fortemente na defensiva, enquanto muitos países da Europa estão recebendo os recém-chegados de braços abertos? O sociólogo Gavin Rae, da Universidade Kozminski, em Varsóvia, afirma que a antipatia perante os refugiados é mais forte entre os jovens e é, em grande parte, resultado de um fluxo incessante de imagens assustadoras na mídia e da retórica do partido governista. "Além disso, a Polônia nunca foi muito estável. Qualquer coisa que pareça perturbar o status quo geopolítico tende a assustar as pessoas por aqui. Fronteiras importam", afirma. "O partido governista tem falado sobre doenças que estão sendo trazidas para a Polônia pelos refugiados. Há também sugestões de que alguns daqueles que entram na Europa são jihadistas, sendo que todos nós estamos cientes no que isso pode potencialmente resultar", acrescenta Rae. Em novembro, o ministro do Exterior polonês, Witold Waszczykowski, sugeriu que os refugiados sírios na Europa formassem um exército e voltassem ao país de origem a fim de libertá-lo, "em vez de ficar tomando café em cafeterias de Berlim, enquanto soldados ocidentais enfrentam [o Estado Islâmico]". "Quase não surpreende somado ao fato de que há uma tendência direitista na Polônia que muitos jovens tenham identificado o islã como uma ameaça, apesar da falta de muçulmanos por aqui", afirma Rae, acrescentando que o país ainda é um lugar onde o antissemitismo persiste mesmo sem judeus. "Tem mais a ver com a falta de uma forte tradição democrática. O novo 'outro' são os muçulmanos", diz. "Além disso, o PiS foi eleito num momento em que se pedia uma reconsideração das relações polonesas com a UE", relata o jornalista Jan Darasz, editor da revista online The Varsovian. "Muitos membros do partido disseram que não queriam que a Polônia fosse forçada pela chanceler federal alemã, Angela Merkel, a aceitar a cota de refugiados da Europa." Durante a campanha eleitoral, o PiS disse que fecharia as portas da Polônia aos refugiados, mas que daria apoio financeiro aos esforços europeus para resolver a crise migratória. A primeira-ministra Beata Szydlo, porém, voltou atrás na promessa e afirmou que o país honraria com os compromissos assumidos pelo governo anterior, que concordou em receber 7 mil refugiados como parte do plano de realocação da UE. Medo do desconhecido Mesmo para os poloneses que não votaram no PiS, algumas das palavras do novo governo soam verdadeiras. Witold, de 74 anos e ex-engenheiro da PKN Orlen, maior petroleira polonesa, afirma que há, na Polônia, um medo generalizado de estranhos. "Isso, somado às questões financeiras e logísticas, nos deixa com medo", diz ele, que trabalhou no Iraque e no Irã nos anos 80 como engenheiro do setor energético. Witold conta a história já conhecida de quão tolerante a Polônia era ao ser destruída na Segunda Guerra Mundial. "Os problemas começaram com a guerra, quando os alemães e os soviéticos jogavam os grupos étnicos uns contra os outros. Então, depois da guerra, a Polônia foi separada das outras nações", conta ele. Outras pessoas estão menos convencidas de que a noção de tolerância polonesa abolida pelos estrangeiros há muitos anos ainda seja um forte argumento nos dias de hoje. "A tolerância dos poloneses no passado está agora mitificada por alguns", afirma Jan Mus, analista do Instituto do Leste e Centro Europeu, em Lublin. "Ser tolerante não é o mesmo que receber pessoas com os braços abertos. Trata-se de receios cautelosos hoje não tão cautelosos assim sobre novos vizinhos. A Polônia ainda é uma sociedade bastante assustada, e não temos qualquer experiência com migrantes do Oriente Médio." "A Polônia não está pronta" Talvez Kamil, de 30 anos e auditor financeiro de uma empresa americana em Varsóvia, seja um pouco menos diplomático em sua análise, mas concorda em grandes linhas com a opinião de Witold. Kamil sugere que Merkel não tenha pensado direito sobre a questão da crise migratória. "Ela disse que receberia todos os refugiados, mas antes de saber quantos deles seriam. Nós poloneses não estamos prontos. Eles não teriam onde morar, não teriam benefícios. Nós mesmos não temos essas coisas, por que deveríamos oferecê-las a estranhos?", afirma ele. Além disso, Kamil acredita que os poloneses não estão psicologicamente preparados para viver com muçulmanos. "Nós temos certa dificuldade em aceitar pessoas de outras culturas. Cor da pele, religião, ou até mesmo poloneses que se vestem de maneira diferente. Não somos abertos a pessoas diferentes." Kamil, assim como Witold, concentra-se na história ao falar de refugiados. "A Alemanha não foi boa para nós, poloneses, durante a guerra, e a reconstrução de Varsóvia e do resto do país levou muitos anos. Por que os alemães querem a nossa ajuda agora? Os alemães querem mudar a imagem deles. Eles vão de um extremo a outro", acrescenta Kamil. A crise migratória levou os poloneses a analisar suas atitudes perante o projeto europeu, além de pensar sobre o tipo de sociedade em que querem viver e o tipo de sociedade internacional que querem ajudar a construir. Para Darasz, a Polônia ainda precisa decidir se quer ser um pequeno grande país ou um grande pequeno país. "É um grande país quando isso atende às próprias necessidades, mas é pequeno e sem dinheiro quando convém", diz ele. A questão está claramente ligada à logística e ao dinheiro, mas com boa vontade ambos iriam muito mais longe, conclui o jornalista. De qualquer forma, na Polônia, boa vontade parece estar em falta no momento. Autor: Jo Harper, de Varsóvia (ek)Edição: Luisa Frey

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