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Meu pedaço de terra: Farsad tira forças da Bíblia

08:54 | 27/12/2015
O livro que mais dá força a Farsad no momento, mas que ao mesmo tempo lhe dá novos problemas, é a Bíblia: o volume de capa de couro em verde escuro, dentro do qual ele guarda uma certidão de nascimento. Milhares de refugiados chegam atualmente à Alemanha. São pessoas que deixaram para trás amigos e família, trabalho e casa e isso talvez para sempre. Em nossa série de reportagens "Meu pedaço de terra", apresentamos aqui alguns refugiados e suas histórias, sob suas perspectivas: subjetivas e sem julgamentos. E mostramos que eles, apesar de uma fuga perigosa, trouxeram consigo um objeto: o "pedaço de terra" que puderam carregar. Os pais de Farsad são afegãos. Ele, no entanto, nunca pisou no Afeganistão, pois vive como refugiado desde que nasceu. A maior parte de sua vida ele passou no Irã junto de mais de dois milhões de refugiados afegãos. Um lugar onde ele era, na melhor das hipóteses, tolerado; e na pior das hipóteses, desprezado. "Todos os afegãos vivem lá sem documentos. A metade deles não pode frequentar escolas, não pode aprender nada. Eles têm problemas constantes de dinheiro e todo o resto", conta Farsad. Requerimento de asilo rejeitado Em 2010, pouco depois de concluir a escola, Farsad seguiu viagem sozinho para a Europa. "Primeiro, fui para a Turquia; depois, para a Itália de barco. Cinco dias mais tarde, eu chegava de carro à Holanda", conta ele. Lá ele entrou com um requerimento de asilo. Em 2011, porém, seu caso foi dado por encerrado. Com isso, ele deveria ser mandado de volta ao Afeganistão. Quando Farsad se negou a fazer isso, foi preso por seis meses. Neste período, ele entrou em depressão, mas sua fé cristã lhe deu forças, conta. A Bíblia poderia ter trazido muitas dificuldades no Irã e é por isso que até hoje ele prefere não ser reconhecido em fotos. Sua religiosidade cristã é motivo de tensões constantes com sua família muçulmana. Eles se comunicam com frequência, mas ele sabe que sua decisão neste sentido não os agrada. Desde janeiro de 2015 Farsad está na Alemanha. Ele teme que depois de prestar novos depoimentos na Holanda esteja de novo sob ameaça de deportação. Farsad cita muito "Dublin", afirmando que é por causa de "Dublin" que precisa retornar a toda hora à Holanda. A referência aqui é o Decreto de Dublin, segundo o qual refugiados são obrigados a entrar com requerimento de asilo no primeiro país da União Europeia que pisarem. No estado alemão de Brandemburgo, Farsad vive em um alojamento para requerentes de asilo. Ali, conta ele, a convivência entre cristãos e muçulmanos é às vezes "um pouco difícil", embora ele já tenha se acostumado com a situação. Farsad encontrou amigos em uma igreja nas cercanias do alojamento, com os quais às vezes passa momentos agradáveis. Enquanto jovens de sua idade na Alemanha fazem festas em viagens a Barcelona ou frequentam aulas na universidade, ele só pode esperar sempre pensando que a paz cotidiana não será para sempre. "O Afeganistão é meu país, mas não nasci lá. Nunca estive lá. Lá também tem guerra, o talibã... É difícil. Também não posso voltar para o Irã, onde não tenho permissão para fazer nada, nem para frequentar a escola. Pensei que poderia trabalhar na Europa, mas agora... Nada adianta", desabafa. O que significa "casa"? "Não sei", responde Farsad. Durante muito tempo, ele não soube o significado desta palavra. Agora entende o que isso quer dizer, embora a resposta seja sempre incerta. Ao enumerar seus desejos, ele diz que gostaria de ficar na Alemanha e estudar como um despreocupado jovem qualquer de 24 anos. E esboça um sorriso, como se tivesse acabado de desejar algo impossível, como tornar-se presidente dos EUA ou descobrir a cura do câncer. Farsad, na verdade, não sabe o que é não ter preocupações. E já se acostumou a isso. Ele se agarra à Bíblia que carrega sob o braço e acena ao ir embora. Autor: Caroline Schmitt (sv)Edição: Roselaine Wandscheer
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