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"Há metais pesados no rio Doce"

18:42 | 17/12/2015
Grupo independente de cientistas afirma que há níveis elevados de manganês, arsênio e chumbo em vários pontos atingidos pela enxurrada de lama. Dados são conflitantes com os do governo. Análises feitas por uma equipe independente de pesquisadores mostram que há níveis elevados de metais pesados no curso do rio Doce. Os dados são conflitantes com os de outro relatório divulgado nesta semana pelo governo, que nega a presença desses metais. A dúvida permanece: qual é a qualidade das águas atingidas pela enxurrada de rejeitos? O Grupo Independente para Avaliação do Impacto Ambiental (Giaia), formado por cientistas voluntários de várias universidades, analisou amostras de água coletadas entre os dias 4 e 8 de dezembro, em dez pontos ao longo dos três rios mais afetados pelo rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, em 5 de novembro: Gualaxo do Norte, do Carmo e Doce. "Em várias dessas amostras, encontramos níveis de manganês, arsênio e chumbo acima do considerado seguro pela legislação brasileira", afirma a toxicologista Vivian da Silva Santos, do laboratório de nanotecnologia verde da Universidade de Brasília (UNB) e integrante do Giaia, que realizou as coletas e análises. Nesse laudo preliminar, foram medidas as concentrações de dez metais. O relatório divulgado pelo Ministério de Minas e Energia nesta terça-feira (15/12) analisou a presença desses mesmos metais em amostras de água coletadas de 12 a 23 de novembro em vários pontos do rio Doce pelo Serviço Geológico do Brasil (CPRM). O laudo diz que a qualidade da água é compatível com os dados colhidos antes do desastre. Um terceiro relatório, divulgado na mesma data pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), detectou metais pesados em concentrações acima dos limites considerados seguros para o rio, mas principalmente nos dias em que a enxurrada de lama passava pelos pontos de coleta. Alguns dias depois, segundo o órgão, esses níveis se reduziam e voltavam à normalidade. Os dados também são conflitantes com os encontrados pelo Giaia. DW: Como se encontravam as regiões pesquisadas? Coletamos amostras de água entre os dias 4 e 8 de dezembro desde o distrito de Bento Rodrigues, o primeiro a ser impactado, até a foz do rio Doce. Ainda tinha muita lama. Os rios têm uma cor barrenta e alaranjada. A lama não sedimentou, e continua avançando mar adentro. Como é uma lama muito fina, com partículas muito finas, acredito que elas estejam com dificuldade de sedimentação. Além disso, como algumas faixas do rio Doce têm uma correnteza e um fluxo de águas muito altos, isso está contribuindo para que a lama não se sedimente tão fácil. E o que vocês concluíram sobre a presença de metais nas águas? Nossos dados são parciais, e ainda vamos avaliar outros metais. Mas em relação aos que foram analisados, nós encontramos, em várias das amostras, níveis de manganês, arsênio e chumbo acima do considerado seguro pela legislação brasileira, que é a resolução Conama 357. Outra coisa que percebemos é que a concentração de manganês também estava acima da permitida em um trecho do rio Gualaxo do Norte que não recebeu a lama. Ou seja, o manganês existe ali, possivelmente por conta da própria ação mineradora da região. A partir do ponto do rio que recebeu os rejeitos, o manganês aumentou drasticamente, mostrando que o rompimento da barragem piorou a situação. Mas pode-se dizer que o manganês veio da barragem? Ou ele poderia já estar submerso no rio, e ter sido apenas ressuspenso com a enxurrada de lama? Com os dados atuais, não temos como comprovar isso. Mas continuamos com as pesquisas, das formas que gente consegue. Até o momento não temos recursos, então vivemos com um pouco de limitação. Os pesquisadores são voluntários, por isso as coisas estão andando um pouco mais devagar do que gostaríamos. Mas mais especialistas estão se engajando com informações diferentes, e assim conseguiremos complementar alguns dados. A nossa ideia é tirar conclusões melhores nos próximos meses. Por que os dados do Giaia são conflitantes com os do governo? É preciso ver qual foi o preparo das amostras que eles fizeram, os pontos de coleta, entre outros fatores. Eu li alguns argumentos que dizem que eles analisaram metais dissolvidos, e nós analisamos metais totais, por isso os resultados são diferentes. Mas isso não é verdade. Nós analisamos metais dissolvidos apenas para alumínio e ferro, porque a lei [Conama 357] prevê isso. Já para os outros metais usamos a água bruta, porque na legislação tem escrito o valor permitido para o manganês total, por exemplo. Então temos que analisar o total, a água bruta, para poder comparar. Mas, mesmo que eu utilizasse os dados de manganês dissolvido, por exemplo, ele ainda estaria acima do permitido pela legislação, então não é um argumento muito válido. Tecnicamente é possível que os resultados sejam diferentes porque as amostras foram coletadas em locais e datas diferentes? Com datas diferentes, é possível, sim. É por isso que temos que deixar claro para a população que não adianta fazer uma análise pontual. As coletas têm que ser periódicas. O ideal seria fazer coletas diárias para poder controlar a qualidade da água e ver o que acontece com o passar do tempo, porque esse rio seria impactado de qualquer forma. Você concorda em algum ponto com o relatório do governo? Eu não li o relatório na íntegra ainda, mas há algumas coisas que eu não concordo. Nas partes que eu li, vi alguns erros técnicos. Pela leitura que eu fiz, eles não usaram a legislação correta que trata dos rios, a Conama 357, para comparar os dados. Mas há um ponto que eu concordo com o relatório, que diz que essa água é tratável. Realmente é. Tanto que, em nosso relatório, fizemos uma coleta pontual da água de Governador Valadares, que está sendo tratada, e vimos que o manganês que estava elevado nesse trecho do rio Doce voltou a níveis normais. Então o tratamento foi eficiente para esse metal. Então a água do rio Doce poderá voltar a ser consumida? Sim. O tratamento tem que ser mais elaborado, mas a água pode ser tratada. Na água de Governador Valadares, o arsênio ainda está elevado. Pode ser que o tratamento não esteja sendo eficiente para esse elemento específico, mas seja eficiente para os outros. A população dessa cidade me informou que se sente muito mal quando toma essa água. Então temos que fazer um estudo melhor sobre a potabilidade dessa água e tratamentos específicos. E o relatório do Igam? Ele diz que os metais estavam elevados, mas muitos já voltaram aos níveis normais? Contradiz com o nosso estudo porque nossa coleta foi feita mais ou menos um mês depois do evento, e a concentração ainda estava elevada. Eu tenho experiência com análises de metais há oito anos. Nesse momento, eu tenho a consciência de que nós temos que validar esses resultados para dar mais segurança, mas tenho toda a confiança e experiência para dizer que nossos dados estão corretos. A realidade no momento da coleta era aquela. Que mal fazem esses metais? O manganês, o arsênio e o chumbo, que estavam acima do permitido pela legislação brasileira, podem causar efeitos de longo prazo quando encontrado em excesso na alimentação ou no contato em concentrações não apropriadas. Depois de 20 anos de exposição, por exemplo, o manganês pode ser neurotóxico, aumentando a incidência de doenças neurodegenerativas, como Doença de Alzheimer e Parkinson. Existem vários estudos epidemiológicos em outras regiões do mundo demonstrando isso. O arsênio é um elemento que favorece o desenvolvimento de câncer. Ele foi listado pela IARC[sigla em inglês para Agência Internacional de Pesquisa em Câncer, órgão da ONU], que classifica substâncias carcinogênicas para humanos. Então ele é comprovadamente carcinogênico. Tudo tem que ser monitorado, porque a população pode estar sendo exposta ao risco de desenvolver algumas doenças e sintomas de longo prazo. Se daqui a 20 anos, por exemplo, aumentar a incidência de câncer, de depressão ou de outro dano neurodegenerativo na população, será muito difícil achar a correlação de que foi por causa do impacto ambiental dessa lama. Então temos que estudar isso agora e alertar a população para prevenção. Não podemos deixar que isso aconteça nem mesmo a possibilidade disso. E não podemos pensar apenas na água para captação e uso humano. Sabemos que na Bacia Hidrográfica do rio Doce existem os animais, a biota, que podem sofrer um desiquilíbrio ecológico muito grande. Os animais que têm contato com a água não vão beber uma água tratada. Eles vão beber direto do rio. Como continuam os trabalhos do Gaia? Nós temos que terminar as análises em outros pontos, porque coletamos água em todo o rio Doce, mas analisamos somente até Governador Valadares. Falta analisar as águas de Governador Valadares até a foz. Nós vamos divulgar também as análises de outros metais [Antimônio, Bário, Cálcio, Césio, Cromo, Cobalto, Cobre, Magnésio, Mercúrio, Rubídio, Prata, Estrôncio, Urânio e Vanádio] e vamos passar as amostras para outros laboratórios para que eles façam as mesmas análises, para validar nossos resultados. Então divulgaremos os dados todos juntos num relatório final, que vai ser bastante completo sobre essa caracterização inicial de como está a Bacia do Rio Doce após o impacto que ela sofreu. A expectativa é de divulgar esse laudo final nos primeiros meses de 2016. Autor: Érika Kokay
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