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Projeto pretende facilitar comércio de armas no Brasil

08:00 | 20/10/2015
Lei prevê reduzir idade mínima para a posse, relaxar exigência para porte e criar registro vitalício. Em dez anos, esta é a primeira vez que um projeto para desfigurar o Estatudo do Desarmamento chega tão longe. O Brasil pode ter em breve uma legislação muito mais branda para tratar o acesso de armas de fogo pela população. Um projeto pretende reverter grande parte das restrições impostas pelo Estatuto do Desarmamento sancionado mais de uma década atrás com outra lei que estabelece, entre outros pontos, a diminuição da idade mínima para a posse de 25 para 21 anos e o fim da exigência de que os interessados em adquirir e portar uma arma apresentem uma justificativa. A previsão é que o projeto, depois de sucessivos adiamentos, seja votado por uma comissão especial nesta terça-feira (20/10). Se aprovado, ele seguirá para votação no plenário da Câmara. Nos últimos dez anos, dezenas de projetos tentaram desfigurar o estatuto e acabaram arquivados. Essa é a primeira vez que um deles chega tão longe. Outros pontos do projeto preveem que o registro de armas de fogo seja vitalício (hoje ele tem que ser renovado a cada três anos), e que pessoas que respondem a inquérito policial ou processo penal possam comprá-las (o que atualmente é proibido). Também está contemplada a inclusão de mais categorias que podem ter porte a circulação com armas funcional, como deputados e senadores. Por fim, o projeto estabelece ainda a descentralização do registro de armas, que hoje é responsabilidade da Polícia Federal ou do Exército, dependendo do caso, dividindo essa atribuição com os Estados. Histórico Desde 2003, o Brasil possui uma legislação rigorosa para desestimular o acesso (tanto a posse como o porte) a armas de fogo. Apenas algumas categorias, como funcionários de empresas de segurança, policiais e militares têm a permissão garantida de circular armados. Já os civis que conseguirem comprar armas normalmente só podem mantê-las dentro de casa e têm que comprovar a necessidade de possuí-la (por exemplo, se moram em lugares isolados ou sofrem ameaças). No novo projeto, tanto a posse quanto a permissão para civis circularem pelas ruas armados seriam praticamente automáticos para quem tivesse o dinheiro e os documentos necessários. O atual Estatuto do Desarmamento foi elaborado após anos de discussões e, à época, foi elogiado por especialistas, ativistas e pela Organização das Nações Unidas. Em 23 de outubro de 2005, um dos pontos do estatuto, que previa a extinção do mercado de armas e munições para civis, foi submetido a um referendo. O resultado foi uma vitória do "não", por 63,94%, e o mercado de armas e munições para civis continuou a existir. Mesmo assim, outros pontos do estatuto continuaram em vigor e limitaram bastante a compra e o porte de armas. Projeto Os defensores da flexibilização argumentam que a realidade violenta do Brasil, que registrou 46.881 assassinatos em 2014 (segundo dados do Ministério da Justiça) é um dos pontos-chave para forçar uma nova legislação. Segundo eles, o cidadão brasileiro tem o direito de possuir armas para se defender. "Hoje o bandido tem a certeza de que ao entrar em uma casa não vai encontrar resistência. Tudo porque não há nenhuma arma ali. Dificultaram para o cidadão de bem adquirir ou manter uma arma legalizada. Quem saiu ganhando foi o crime. O povo pede hoje o direito à defesa", afirmou à DW o relator do projeto do novo estatuto, o deputado Laudivio Carvalho (PMDB-MG). De acordo com o deputado, a lei precisa "adaptar-se à realidade atual" e atender ao desejo que a população manifestou no referendo (leia entrevista). Batizado de "Estatuto de Controle de Armas de Fogo", o projeto era ainda mais radical na sua origem, e tinha o objetivo de anular por completo o Estatuto do Desarmamento, estabelecendo que a obtenção do porte de arma fosse mais simples do que a emissão de uma carteira de habilitação. O texto original incluía até mesmo taxistas entre as categorias autorizadas a portar armas na rua e estabelecia que o limite anual de compra de 50 cartuchos por arma passasse para 50 cartuchos por mês. Após uma série de discussões, membros da comissão retrocederam em vários pontos. Na sétima e última versão do texto, alguns pontos do atual estatuto acabaram sendo mantidos, como a exigência de que os interessados em comprar uma arma realizem testes de aptidão psicológica. O texto também acabou mantendo o limite sobre o número de armas que um cidadão pode possuir seis no total e limitou a compra de cartuchos a cem por ano. Críticas Entidades civis e especialistas que defendem o desarmamento da população vêm manifestando preocupação sobre a possibilidade de o projeto avançar. "Com esse projeto, aumentaria muito o número de civis andando armados. Isso resultaria em mais encontros violentos e crimes de impulso. A presença de armas pode tornar mais letais brigas do cotidiano, como discussões de trânsito. Também aumentaria a vitimização de pessoas que reagem a assaltos", afirma Bruno Langeani, do Instituto Sou da Paz (leia entrevista). O projeto vem sendo capitaneado por membros da chamada "bancada da bala" da Câmara Federal, formada por ex-policiais, ex-militares e parlamentares de tendência conservadora. Vários deles são membros da comissão que analisa o novo estatuto. Ao todo, oito membros entre 54 titulares e suplentes receberam doações de fabricantes de armas. O próprio presidente da comissão, o deputado Marcos Montes (PSD-MG), recebeu 30 mil reais de duas empresas de armas e cartuchos. Segundo um estudo elaborado em maio pelo Instituto Sangari, responsável pelo Mapa da Violência, o Estatuto do Desarmamento foi responsável por salvar 160.036 vidas mil vidas desde a sua sanção em 2003. De acordo com o documento, se o país tivesse mantido a mesma proporção de crescimento por homicídios com armas de fogo entre 1993 e 2003 7,2% ao ano o número de vítimas fatais no Brasil poderia ter chegado a 71.118 em 2012. O total, no entanto, foi de 40.077. "Só nesse ano foram poupadas 31.041 vidas", afirma o documento, que vê uma relação direta entre a queda e as campanhas de desarmamento que precederam a aplicação estatuto e resultaram na entrega de mais de meio milhão de armas pela população. Autor: Jean-Philip StruckEdição: Francis França
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