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Política de filho único deixa marcas profundas e duradouras na China

16:26 | 30/10/2015
Envelhecimento da população e desproporção entre homens e mulheres são apenas dois dos efeitos negativos de 35 anos de proibição. Analistas duvidam que fim da política trará aumento significativo da taxa de natalidade. A política do filho único de Pequim, que há algum tempo vinha sendo flexibilizada, recebeu nesta quinta-feira (29/10) um fim oficial, com o anúncio da autorização para que casais chineses tenham dois filhos. A implementação exata da nova política deve ser deixada ao nível das administrações locais, e casais também terão inicialmente que dar entrada numa solicitação oficial para algo que, em outras partes do mundo, é tido como um assunto privado. E ter mais do que duas crianças continua não sendo permitido. "A nova política é boa, mas, para nós, ela vem com 30 anos de atraso", diz a aposentada Huang, de 61 anos, habitante de Pequim. Ela conta que teria gostado de ter um segundo filho, mas que isso resultaria em uma multa pesada (correspondente a entre dois e seis vezes a renda familiar anual) e a perda de seu emprego. A segunda criança provavelmente não receberia uma inscrição no registro populacional e arcaria com as devidas desvantagens. "Conheço muitas mulheres que passaram por um aborto forçado", lembra Huang. Redução do crescimento demográfico Há mais de 35 anos, a liderança chinesa ordenou a política do filho único a seu povo para conter o rápido crescimento da população. A medida foi acompanhada de uma abrangente campanha educacional. Preservativos foram distribuídos, e as condições para aborto foram simplificadas. O governo da China vê a política como um sucesso, pois, como resultado, o crescimento populacional foi contido. "De acordo com as estatísticas chinesas, o número médio de filhos por mulher caiu de quatro a seis crianças para um a dois filhos", ressalta a sinóloga Astrid Lipinsky, da Universidade de Viena. Hoje vivem na China quase 1,4 bilhão de pessoas. Sem a política do filho único seriam cerca de 1,7 bilhão, segundo as estatísticas oficiais. "A China ficará velha antes de ficar rica" Para isso, no entanto, o país pagou e vai pagar ainda por um bom tempo um preço elevado. A sociedade está envelhecendo rapidamente. Desde 1999, as Nações Unidas definem a China como "uma sociedade em envelhecimento". Naquela época, a proporção de pessoas com mais de 65 anos na população total ultrapassou a marca dos 7%. Em 2050, quase um quarto de todo o povo chinês terá mais que 65 anos, segundo estimativa das Nações Unidas. De acordo com o Instituto Nacional de Estatísticas da China, em 2012 o número de chineses em idade ativa caiu pela primeira vez. Só no ano passado, a China perdeu cerca de 3,7 milhões de pessoas em idade produtiva. Esse é um grande problema para um país cuja economia ainda está em ascensão e cujos sistemas de saúde e previdencia são subdesenvolvidos. "A China está ficando velha antes de ficar rica", preveem os especialistas em demografia da Academia Chinesa de Ciências. Como, especialmente nas áreas rurais, as crianças do sexo masculino são preferidas, a política do filho único fez com que fetos femininos fossem abortados com mais frequência, além de estimular a prática do infanticídio de meninas recém-nascidas. "Hoje há menos mulheres, há muito menos meninas. Em 2014, foram 116 meninos recém-nascidos para cada 100 meninas. Ou seja, há uma grande lacuna", explica Lipinsky. Muitos homens chineses geralmente os mais pobres não conseguem encontrar uma esposa e nunca conseguirão, pois há bem menos mulheres do que homens na sua geração. Isso significa que menos crianças devem nascer também na próxima geração. A falta de mulheres também provoca o crescimento do tráfico humano e da prostituição. Flexibilização O impacto negativo da política de filho único foi reconhecido há muito tempo pelo governo. Já em 2006, algumas províncias permitiam dois filhos a casais em que ambos são filhos únicos. Em 2013, as regras foram relaxadas ainda mais. Desde então, famílias em que um dos cônjuges é filho único também podem ter dois filhos. Mas, aparentemente, as medidas parecem não ter adiantado muito. De acordo com informações da Comissão Nacional para Saúde e Planejamento Familiar, até maio de 2015, somente 13% dos 11 milhões de casais que teriam direito a um segundo filho entraram com um pedido nesse sentido. Muitos especialistas duvidam que, com a abolição da política do filho único, haja um aumento significativo da taxa de natalidade. É o que também acredita Zhou Xiaozheng, professor da Universidade Popular de Pequim. Segundo ele, houve uma mudança cultural na sociedade chinesa devido à política do filho único. Se antigamente ter muitas crianças era algo tido como uma bênção, hoje o aceitável, quando não desejável, é o casal não ter filhos e ter duas fontes de renda. "Depois de 30 anos de política do filho único, as desvantagens são óbvias. Agora essa política é abolida, o que é uma boa coisa. No entanto, eu acho que quem queria ter mais filhos, os teve. Seria melhor se o governo encorajasse as pessoas a terem não só dois, mas também, se possível, até três crianças", avalia Xiaozheng. Tendência de países industrializados Mas contra isso há uma tendência que já chegou a muitos países industrializados. Da mesma forma que no Japão, Cingapura, Hong Kong ou Taiwan, e também na Europa Ocidental, o número de casais sem filhos aumenta acentuadamente na China. No final dos anos 70, uma chinesa tinha, em média, 4,22 filhos. Em 2014, esse número era 1,4. Atualmente, a proporção de famílias chinesas sem filhos é de 40%, segundo levantamento da Comissão de Planejamento Familiar. Especialmente nas cidades grandes, muitos casais não querem mais de um filho. "A vida urbana, e nós conhecemos isso muito bem na Europa Ocidental, é simplesmente mais cara e difícil de se organizar com crianças", sublinha Lipinsky. O resultado de uma pesquisa online realizada pela companhia chinesa de internet Sina apoia essa tese. Segundo a sondagem, 52% dos 5 mil entrevistados disseram que a pressão econômica é alta demais para se ter um segundo filho. Autor: Christoph Ricking (md) Edição: Alexandre Schossler
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