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As embaixadas culinárias da Coreia do Norte

14:04 | 29/10/2015
De acordo com a ONU, Pyongyang enviou cerca de 50 mil trabalhadores para o exterior, sendo muitos deles empregados em restaurantes típicos. Para o regime de Kim Jong-un, esses locais podem ser mais que fontes de divisas. Cerca de 50 mil norte-coreanos foram enviados pelo governo ao exterior especialmente China e Rússia para trabalhar em condições análogas à escravidão, segundo Marzuki Darusman, relator especial da ONU para os direitos humanos no país asiático. Ao apresentar seu relatório anual nesta quarta-feira (28/10), Darusman afirmou que o principal objetivo de Pyongyang é que seus cidadãos sejam remunerados em moeda forte e remetam o dinheiro para os cofres do regime de Kim Jong-un. Muitos trabalham em centenas de restaurantes com o nome Pyongyang distribuídos pela Ásia. Em Phnom Penh, capital do Camboja, o clima no restaurante Pyongyang é bastante descontraído. Empresários japoneses e sul-coreanos conversam e assistem à apresentação de um grupo de bailarinas trazido especialmente da Coreia do Norte. Uma mistura aromática de cerveja e kimchi, especialidade coreana feita com repolho apimentado, paira no restaurante. Cozinheiros e garçonetes escolhidos a dedo pelo Ministério do Turismo da Coreia do Norte servem ali especialidades de seu país: peixes crus e cozidos, ensopado de carne de cachorro, macarrão à Pyongyang e repolho em todas as variações. Tudo aquilo com que o povo norte-coreano só pode sonhar. Muitas regiões da Coreia do Norte sofrem com uma escassez crônica de alimentos, sendo o país ameaçado regularmente pela fome. Moeda estrangeira para Pyongyang Para o regime de Pyongyang, as "embaixadas culinárias" servem principalmente para a obtenção de moeda estrangeira, ressalta Sung-Yoon Lee, especialista em Coreia do Norte da Universidade Tufts em Boston. "Os restaurantes norte-coreanos são um instrumento da política estatal que visa gerar renda para o regime e para a elite política da Coreia do Norte por meio de empresas no exterior." Criado em 1974, o chamado Escritório 39 é responsável por todas essas atividades, "inclusive lavagem de dinheiro, contrabando, venda de substâncias ilegais e a gestão dos fundos ilícitos de Kim Jong-un na Europa, China e Sudeste Asiático", acrescenta Lee. De acordo com o professor, os restaurantes seriam, no entanto, uma forma de aquisição de moeda estrangeira relativamente nova e menos prejudicial, mesmo que o pessoal do restaurante tenha que trabalhar e viver sob condições opressivas. Equipe sob constante vigilância Antes de iniciar o emprego, os cozinheiros e garçonetes norte-coreanos são avaliados quanto à lealdade ideológica. Após o fim do expediente, a equipe é sempre advertida: "Se os empregados não se comportarem devidamente durante o período de trabalho no exterior, eles e suas famílias poderão enfrentar severas penas no país natal", destaca Lee. Ativistas de direitos humanos como John Sifton, da ONG Human Rights Watch na Ásia, criticam duramente os restaurantes norte-coreanos. "Sabemos que, em quase todos os casos, as restrições de liberdade dos empregados nesses estabelecimentos correspondem à definição internacional de tráfico humano." Clientela como fonte de informação Um jantar com dois pratos e bebida inclusa custa por volta de 60 dólares por pessoa. Isso não é nenhuma barganha para a maioria das pessoas em Phnom Penh, onde se pode pedir uma refeição semelhante em outros restaurantes por um quinto do preço. Mas isso parece não incomodar a clientela sul-coreana, que parece estar interessada especialmente no divertimento. Essa é justamente a principal tarefa dos empregados, afirma Lee. "As garçonetes são treinadas para encantar os clientes, para envolvê-los em seu espetáculo. Suponho que os diplomatas e empresários sul-coreanos são boas fontes de informação tendo em vista ao clima político na Coreia do Sul." O especialista não descarta a possibilidade de que escutas tenham sido instaladas nos restaurantes. Também na Europa já existe a rede estatal de franquias norte-coreana. Em 2012, o primeiro restaurante Pyongyang abriu as portas em Amsterdã. Consta que, em breve, Kim Jong-un pretende abrir mais um estabelecimento do tipo na Escócia. Segundo Darusman, o trabalho forçado dos norte-coreanos rende anualmente a Pyongyang entre 1,2 bilhão e 2,3 bilhões de dólares. O relator da ONU afirma que o trabalho no exterior é negociado pelo governo norte-coreano, e os empregados desconhecem os detalhes dos contratos. Além dos restaurantes, os 50 mil norte-coreanos enviados ao exterior atuam em setores como construção, mineração e indústria têxtil. Darusman adverte que os países que empregarem tais trabalhadores "tornam-se cúmplices de um sistema inaceitável." Autor: Roxana Isabell Duerr / Carlos AlbuquerqueEdição: Luisa Frey
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