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Rio 2016: imprensa europeia entre a apreensão e a crítica

16:28 | 05/08/2015
A um ano dos Jogos, mídia aborda controvérsias ambientais, violência, estágio das obras e corrupção. Maior destaque, porém, é para a Baía de Guanabara, chamada de "uma das maiores latrinas do mundo" por jornal alemão. Dentro de exatamente um ano a partir desta quarta-feira (05/08), serão abertos os Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro. A imprensa europeia registrou a data com atenção, e seu tom é essencialmente de apreensão e crítica, centradas nos problemas de poluição da cidade-sede e nas consequências das obras para o meio ambiente e para os moradores desalojados. Fantasma do cronograma Unânime é o reconhecimento pela beleza natural e o carisma turístico do Rio. Com seu Pão de Açúcar, Cristo Redentor, Copacabana, "Usain Bolt e companhia podem estabelecer os recordes que quiserem: a cidade vai ser a grande estrela", vaticina o site da revista alemã Der Spiegel. Para imediatamente abordar a primeira preocupação: se os cariocas vão conseguir mesmo cumprir o cronograma. "E é assim que, ao comentar o estado dos preparativos, o presidente do COI [Comitê Olímpico Internacional], Peter Bach, se sente na obrigação de, logo em seguida a seu elogio ('Por um lado vemos grandes progressos'), enviar uma advertência: 'Por outro lado, não há tempo a perder.'" A pressão do tempo é confirmada pelo inglês The Guardian, ao descrever a atual aparência do Parque Olímpico, na Barra da Tijuca: "Muito do local lembra um canteiro de obras, em que, no momento, o centro de tênis e o velódromo não são mais do que esqueletos." O diário não poupa aos brasileiros a desvantajosa comparação com os Jogos anteriores, no Reino Unido. "No geral, o progresso [das obras] está por volta de 60%. A esse ponto, antes de Londres 2012, 80% dos estádios e da infraestrutura estavam completos. Apesar disso, as autoridades estão confiantes de que todos os locais de competição estarão prontos para os eventos de teste, mais adiante neste ano o que não foi o caso na Copa do Mundo." O ônus da população Sob o título "Olimpíadas precipitam Rio de Janeiro no caos permanente", o jornal Die Welt registra em detalhe o atraso nas obras urbanas e seus efeitos sobre o dia a dia da população: "Mais um dia em que tudo está parado no Rio. Os que se deslocam até o trabalho xingam, os taxistas xingam, os comerciantes xingam. Nada mais funciona na metrópole ao pé do Pão de Açúcar. A um ano das Olimpíadas, estão cavando 150 quilômetros de vias expressas para ônibus pela cidade; transformando completamente a ex-mal afamada zona portuária do Porto Maravilha em bairro residencial chique; e, de quebra, perfurando túneis para carros e metrô por baixo da cidade." O periódico alemão lembra, com ceticismo, que "também na Copa do Mundo, um ano atrás, os projetos de infraestrutura estavam longe de ser implementados". E evoca as favelas que "até as Olimpíadas, exatamente como antes da Copa, vão ser novamente pacificadas pela polícia". O repórter do Die Welt reconhece a aplicação do prefeito Eduardo Paes, apelidado pelos cariocas de "Rei das Obras": "No entanto, críticos o acusam de ter evacuado bairros pobres para os Jogos Olímpicos, sem levar em consideração as perdas." O diário francês Le Monde concentra a matéria "A um ano dos Jogos Olímpicos, Rio arrasa suas favelas indesejáveis" no caso da Vila Autódromo. Vizinha ao Parque Olímpico, apesar de poupada pelo projeto inicial dos Jogos, de 2009, e mesmo sob protestos dos moradores e ressalvas internacionais, ela será inteiramente demolida para dar lugar a vias e estacionamentos. "Transformada, no decorrer das manifestações, em símbolo do apetite imobiliário carioca e dos excessos olímpicos, a Vila Autódromo até mesmo ganhou um prêmio internacional, patrocinado pelo Deutsche Bank, por um contraprojeto urbano elaborado por professores e pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em vão." Lixo e águas podres Para explicar o grau de poluição das águas cariocas que vão receber os atletas olímpicos, o jornal alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung evoca até Roberto Carlos. Depois de erroneamente defini-lo como "bardo da bossa-nova", o articulista menciona o iate do milionário cantor, Lady Laura, medindo 40 metros e "como convém, atracado sob o Pão de Açúcar". "Na Marina da Glória, diante de um dos mais belos cenários do mundo, a Baía de Guanabara. O único problema e aí não adianta nem o nariz [do cantor para dinheiro]: Lady Laura está simplesmente boiando na m..., numa das maiores latrinas do mundo, a Baía da Guanabara do Rio de Janeiro, medindo 380 quilômetros quadrados." Baseado em constatações da agência de notícias AP, confirmadas por um biólogo marinho americano, o Guardian anuncia: "Atletas nos Jogos do Rio vão competir em 'basicamente esgoto não tratado', revela estudo". No estado atual, os esportistas vão "nadar e velejar em águas tão contaminadas com fezes humanas que estão arriscados a ficar violentamente doentes e incapacitados de competir". "Poluição extrema da água é comum no Brasil, onde a maior parte dos esgotos não é tratada. Dejetos em estado bruto correm por fossas a céu aberto para os canais e rios que alimentam as instalações olímpicas aquáticas", afirma o periódico inglês em seu site. Tocando de passagem no problema da corrupção, o Die Welt descreve a reação dos esportistas que testaram as águas da Marina da Glória nos últimos meses, "acusando até mesmo colisões com lixo de grande porte e animais mortos". "'Nunca vimos um local de vela tão imundo assim', é a tônica. No entanto, nos últimos 20 anos o estado do Rio investiu 3 bilhões de euros no saneamento da Baía. Onde as verbas foram parar, ninguém sabe." Vozes otimistas As dificuldades antecipando as Olimpíadas de 2016 não param por aí: a imprensa europeia também menciona a ameaça de escassez de água e energia, a criminalidade, o futuro dos locais de competição, as controvérsias ambientais sobre a Reserva de Marapendi, o envolvimento de sete grandes construtoras no escândalo de corrupção da Petrobras. Nesse contexto é até surpreendente o tom relativamente brando adotado pelo espanhol El País, relativizando parte dos obstáculos constatados a um ano do início dos torneios. "Comparados com a tortuosa gestação do Mundial de futebol de 2014, os preparativos para os Jogos do Rio 2016 se destacam por uma calma relativa num país que tem, definitivamente, motivos maiores de preocupação", comenta. O jornal vê com positividade até mesmo o fato de as Olimpíadas seguirem "sem despertar entusiasmo maciço na Cidade Maravilhosa (como ocorreu com o Mundial)", pois pelos menos "não suscitaram revoltas semelhantes às de 2013. É enfatizado até o otimismo da presidente Dilma Rousseff, "que prometeu jogos 'perfeitos'". Porém a medalha de boa vontade cabe possivelmente ao italiano La Repubblica, ao ressaltar: "No Brasil se critica tanto, como na Itália, mas 'no fim as coisas dão certo'." Autor: Augusto ValenteEdição: Rafael Plaisant
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