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Porto Rico, a Grécia do Caribe

05:36 | 12/08/2015
Entre o fim de privilégios fiscais e dependência dos EUA, motivos para falência da ilha caribenha são vários. Com calote, porto-riquenhos pressionam credores a negociar e entram em território nebuloso. No ápice da crise grega, em julho, o secretário do Tesouro americano, Jacob Lew, não pareceu muito receptivo quando o ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, disse que a zona do euro poderia integrar Porto Rico caso os EUA estivessem dispostos a deixar a Grécia utilizar o dólar. A insatisfação de Lew tinha um motivo simples: enquanto o mundo inteiro olha para Atenas e se preocupa com a crescente dívida grega, a ilha caribenha passa, quase esquecida, por um problema similar. Depois de muita especulação, a afirmação agora é oficial: Porto Rico está realmente quebrado. Em 1º de agosto, a ilha, que tem status de Estado associado aos EUA, não cumpriu o prazo com os credores e deixou de pagar um empréstimo no valor de 58 milhões de dólares foram depositados 628 mil dólares. Foi o primeiro calote de Porto Rico nos 117 como território dos Estados Unidos. Em esclarecimento, a presidente do Banco de Desenvolvimento do Governo para Porto Rico (GDB), Melba Acosta, divulgou uma nota afirmando que a decisão reflete sérias dúvidas quanto à liquidez da comunidade. No total, a dívida de Porto Rico, detida pelo GDB, chega a 72 bilhões de dólares. Um problema matemático O calote era previsível. No fim de junho, o governador de Porto Rico, Alejandro García Padilla, já havia classificado a dívida como "impagável". "O valor impede que possamos sair fora de um círculo vicioso de recessão e declínio econômico", afirmou Padilla ao diário New York Times. "O problema não é político, mas matemático." De qualquer forma, as agências de classificação de risco declararam Porto Rico em moratória e colocaram a nota da dívida do Estado associado nos níveis mais baixos da tabela. Mesmo antes disso, porém, o acesso da ilha a créditos em mercado de capitais já era mínimo. Devido ao caráter excepcional de ser um Estado associado, Porto Rico não pode se declarar em falência diferentemente de Detroit, por exemplo, que com esse método conseguiu superar uma crise. Entretanto, um projeto de lei sobre o tema já está em tramitação em Washington. A novela da dívida porto-riquenha começou em 2006, com o fim da isenção fiscal para empresários americanos. Por causa disso, durante décadas muitos investidores foram para Porto Rico. Contudo, com o fim do benefício, diversas empresas deixaram a ilha em especial as farmacêuticas. Outras seguiram o fluxo, o que contribuiu para desaquecer a economia da ilha. No fim de junho, foi publicado um estudo sobre como problemas estruturais, choques econômicos e contas públicas frágeis levaram Porto Rico a vivenciar uma década de estagnação. Assinado pelos economistas Anne Krueger, Ranjit Teja e Andrew Wolfe, o artigo aponta recessão, aumento da dívida e emigração como consequências diretas. Por causa da crise interna, fruto de um setor público superdimensionado, o endividamento do governo passou de 63% do PIB em 2000 para mais de 100% em 2015. Independência político-financeira O fato de Porto Rico ser uma espécie de colônia não ajuda na resolução do problema. Como acontece com a Grécia na zona do euro, o governo em San Juan não pode utilizar o câmbio em seu favor justamente por causa do dólar. Além disso, Porto Rico tem que seguir os mesmos padrões sociais e trabalhistas do resto dos EUA. Assim, o valor padrão do salário mínimo dentro dos EUA é desproporcional para a ilha caribenha, cuja renda per capita é a metade do Mississippi o mais pobre dos 50 estados em solo americano. Outro fator é o custo de vida. Graças a uma lei de 1920, conhecida como "Jones Act", toda mercadoria que chega ou sai de Porto Rico pelo mar precisa ser levada por um navio dos Estados Unidos e cuja tripulação seja americana. Logo, isso aumenta os custos de importação. Já os navios de outras nacionalidades precisam gastar enormes quantias com impostos e taxas alfandegárias. Para superar o choque econômico, o governo de San Juan acabou fazendo o que credores e agências de classificação de risco exigiam: austeridade. Desde 2010, houve demissões em massa; maiores taxas para água, gasolina e energia; aumento do imposto sobre propriedade, alienação e para pequenas empresas; cortes na previdência e na saúde; mudanças na idade mínima para aposentados; e fechamento de escolas. Tudo isso contribuiu muito pouco com o crescimento. Na verdade, as medidas acabaram por tornar maior o "círculo vicioso" citado por Padilla. A política de austeridade dificultou ainda mais a atividade econômica. Com isso, muitos jovens estão se valendo da livre-circulação e emigrando para os Estados Unidos. Em suma, quase um décimo da população de Porto Rico deixou a ilha nesses últimos dez anos. A Casa Branca já anunciou que não vai intervir no caso de um calote. Agora, Porto Rico quer negociar com os credores fundos de pensão e de cobertura. Com a inadimplência, o governo de San Juan acaba por fazer uma pressão para que a dívida seja reestruturada. Os credores eventualmente vão perder mais se Porto Rico fizer um calote desordenado. A moratória foi anunciada por Porto Rico, e os detalhes serão divulgados a partir de 1º de setembro. Tudo leva a crer que esse será o primeiro passo para negociações que devem durar vários anos. A Grécia deseja boa sorte. Autor: Andreas Knobloch (fla)Edição: Rafael Plaisant
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