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Polícia do Rio mata em excesso, indica relatório da Anistia Internacional

10:24 | 03/08/2015
Relatório divulgado pela ONG Anistia Internacional afirma que pouco tem sido feito nos últimos 20 anos para mudar o cenário. Guerra às drogas, militarização e omissão dos investigadores são principais causas das mortes. Pelos menos 16% dos homícidios ocorridos na capital fluminense nos últimos cinco anos foram causados pela intervenção policial. O número faz parte de um relatório divulgado nesta segunda (31/07) pela Anistia Internacional, que relaciona os assassinatos ao "uso excessivo, desproporcional e arbitrário de força como prática" da corporação. Além disso, o documento de quase 90 páginas afirma que alegações de confronto e legítima defesa são utilizadas pela polícia para ocultar casos que poderiam ser classificados como execuções extrajudiciais. Para o assessor de direitos humanos da ONG, Alexandre Ciconello, o número mostra que a frequência com que polícia fluminense pratica execuções sumárias sem que a vítima seja capaz de reagir segue um padrão que se repete há décadas. "O Rio é famoso pelas chacinas dos anos 1990 e tem um histórico de atuação da polícia, tanto em serviço quanto através de grupos de extermínio e milícias, que choca o país", diz. Segundo ele, a conclusão é que, em 2015, às vésperas da cidade receber as Olimpíadas, pouco foi feito para mudar essa prática. Intitulado Você matou meu filho: Homicídios cometidos pela Polícia Militar na cidade do Rio de Janeiro, o documento revela ainda o perfil dos assassinados pela polícia na capital fluminense. Das 1.275 vítimas fatais da intervenção policial entre 2010 e 2013, 99,5% eram homens, 79% negros e 75% tinham entre 15 e 29 anos. O relatório ainda traz depoimentos em primeira pessoa de mães que tiveram os filhos assassinados pela polícia. "A grande maioria das vítimas é de comunidades pobres", acrescenta Ciconello. "É nas favelas que as operações ocorrem com armamento pesado, mesmo que o comércio de drogas não esteja só nesses lugares." Guerra contra o tráfico Ponto de partida para o estudo foi a comunidade de Acari, na Zona Norte do Rio, famosa desde 1990, quando 11 jovens da favela desapareceram e nunca forma encontrados. O caso, conhecido como Chacina do Acari, foi encerrado sem nenhuma condenação pela Justiça. Em 2014, 10 dos 244 assassinatos por policiais registrados na cidade foram na comunidade. "Em Acari, a polícia mata, mas também entra na casa das pessoas, xinga as mulheres, chama as crianças de 'semente do mal'. Ou seja, há uma série de violações das quais o homício é apenas a ponta do iceberg", denuncia Ciconello. A falência da guerra às drogas é citada frequentemente no texto do relatório como uma das principais causas. "O foco da segurança pública como um todo tem sido a repressão às drogas no varejo, baseada em incursões às favelas para apreender drogas e armas", afirma. "As drogas têm que ser tratadas no âmbito da saúde, e o foco da segurança pública tem que ser a diminuição dos homicídios." Militarização e omissão nas investigações Outro ponto é o uso de armamento pesado pela polícia durante as incursões, com fuzis e viaturas blindadas os caveirões. Em 2014, uma grávida foi morta durante uma operação no Acari. Segundo testemunhas, ela foi atingida por um tiro de fuzil disparado dentro de um caveirão. "Fuzil é uma arma de guerra e não tem sentido ser utilizada em áreas densamente povoadas", explica Ciconello. Quanto ao treinamento militar, o porta-voz da Anistia Internacional é incisivo. "É muito importante que a polícia seja desmilitarizada", afirma. "Existem vários relatos de treinamentos da polícia que são voltados para desumanizar o policial". Há, segundo policiais ouvidos por Ciconello, academias em algumas regiões do Brasil que castigam agentes que erram alvos de tiro com eletrochoques. O documento também aponta para o descuido das autoridades, principalmente do Ministério Público. "O MP tem sido muito omisso em responsabilizar os policiais que realizam execuções extrajudiciais. A polícia tem questões graves, mas as outras instituições do sistema de justiça criminal falham muito no papel de garantir que esses crimes não sejam prevenidos", diz. O outro lado Em resposta, o MP-RJ disse que "realiza um trabalho hercúleo e, muitas vezes, solitário" para tentar responsabilizar policiais que cometem crimes, e responsabiliza a Polícia Civil pela impunidade. "Cabe à Polícia civil a apuração de todas as infrações penais. Contudo, o trabalho policial é, muitas vezes, ruim. Assim, a investigação defeituosa resulta, por vezes, em impunidade." O MP-RJ informou que as Promotorias de Justiça que atuam junto à Auditoria Militar denunciaram 813 policiais militares em 444 ações penais propostas à Justiça, entre junho de 2013 e junho de 2015. Já a Secretária do Estado de Segurança do Rio de Janeiro disse que o processo de pacificação diminuiu em 85% a morte nas comunidades que receberam uma Unidade de Pacificação ainda não há uma UPP em Acari. A Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, por sua vez, afirma que, desde a adoção de um sistema integrado de metas, em 2009, as polícias têm sido premiadas pela redução da chamada letalidade violenta e que 2015 registrou o menor índice de homicídios para o mês de junho em 24 anos 272. Nenhuma das autoridades havia recebido o documento da Anistia Internacional antes da divulgação, nesta segunda-feira. Autor: Fábio Corrêa Edição: Francis França
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