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"Já estamos na Alemanha?": a chega de refugiados à Baviera

09:17 | 12/08/2015
Só em julho, 6.400 migrantes chegaram à pequena cidade de Rosenheim. Controle nos trens que vêm da Áustria é um processo delicado para refugiados, policiais e outros passageiros. A DW acompanhou o trabalho. O verão bávaro é escaldante e quase sufoca os cerca de 20 policiais, todos vestidos em pesados uniformes. O trem, um Eurocity 88, se aproxima da plataforma na estação de Rosenheim, e é hora de completar a indumentária colocando as luvas de látex. Nos últimos meses, o procedimento vem sendo rotina para a polícia da pequena cidade no sul da Alemanha. Em julho, 6.400 refugiados, um número recorde, chegaram a Rosenheim, a maioria vinda de países como Síria, Eritreia e Sudão. Só nos primeiros dez dias de agosto, a polícia registrou nada menos que 2.900 migrantes, o dobro do total alcançado em 2010. A chegada Enquanto os policiais estão entrando no trem à procura de migrantes ilegais que cruzaram a fronteira com a Áustria, os turistas, aproveitando as férias escolares, observam surpresos. As autoridades fazem uma busca por todo o trem todos os compartimentos, banheiros e bagageiros são verificados. "Passaporte, por favor", pede educadamente, em inglês, o jovem policial alemão. Todos os passageiros do primeiro vagão pegam suas malas, mas apenas alguns precisam mostrar os documentos. Aqueles de aparência africana, árabe ou mediterrânea estão no topo da lista. Entre eles está um grupo de jovens, sem documentos. Para os policiais, a parte mais difícil do trabalho é convencer os refugiados a deixarem o trem. A princípio, os jovens parecem não entender, até que um deles pergunta: "Já estamos na Alemanha?". Com a resposta afirmativa do policial, uma sensação de alívio preenche o vagão. O futuro dos refugiados é desconhecido, mas pelo menos eles sabem, agora, que chegaram ao objetivo geográfico. A chance de conseguir asilo está ainda mais perto. "Boa sorte!", deseja um dos passageiros. Simpatia alemã Bem vestidos e com bagagens, a maior parte dos refugiados parece já estar há um bom tempo na Europa. Outros, porém, deixam o trem com apenas a roupa do corpo. A polícia continua a busca e identifica vários grupos, a maioria deles de jovens. Mas também há pessoas mais velhas. "Isso é cruel", comenta uma jovem alemã com a amiga. "Seria pior deixá-los chegar em Munique, sem saber para onde ir", um policial responde. "Mas é assim que eles fazem", a jovem insiste. Contrariando-a, a polícia continua a busca educadamente, deixando claro que estão ali para ajudar os refugiados e não para prejudicá-los. Um pouco mais à frente, os policiais encontram três homens se escondendo no banheiro do trem. Enquanto isso, no corredor próximo a eles, uma mãe com seus trinta e poucos anos abraça o filho, tentando fazê-lo conter as lágrimas. "Posso ajudar?", pergunta um policial, recebendo da mãe uma resposta negativa. "Estamos ajudando-os", ele reforça. "Daremos de comer e beber e, depois que os registrarmos, eles poderão ir a Munique e se inscrever para um visto de asilo." Suspirando, ela balança a cabeça assertivamente. Apenas números Quando o trem deixa a estação, cerca de 60 a 70 refugiados aguardam na escada da plataforma em busca de um pouco de sombra. Fugindo do sol do meio-dia, eles esperam até receberem uma pulseira numerada. Celulares, dinheiro, cigarros e outros itens pessoais são embalados em um plástico transparente, identificado com o mesmo número da pulseira de cada refugiado. "Tive que fugir", conta Charles, que veio sozinho do Níger. "Meu país está passando por muitos problemas. Na verdade, não é só o Níger, mas toda a África. Crise, conflitos...", explica o refugiado de 27 anos. Depois de deixar o país, Charles diz ter passado um bom tempo na Líbia. "Aí veio a guerra e eu tive que fugir. De lá, fui para Lampedusa", conta. Charles sonha em trabalhar na Alemanha, construindo e pintando casas. Durante a viagem do Níger até Rosenheim, ele conheceu outro refugiado, Bellonstanley, de 31 anos. "Viramos irmãos. Ele é a única pessoa que eu tenho agora." Lotação máxima Quando chega a vez de Charles, a pequena equipe de policiais segue para a plataforma três. Um trem regional chega, e cerca de 60 refugiados são encontrados a bordo. "Chega de trens por hoje", um policial confirma com o colega. Mesmo se mais tarde chegarem trens com migrantes em busca de asilo, a polícia não vai averiguar, pois o centro de registros está com lotação máxima por hoje. O processo continua só no dia seguinte. Agora portando somente os números de registro, os refugiados entram em fila em um ônibus da polícia. De lá, eles serão levados para um ginásio esportivo que foi transformado na chamada "Bearbeitungsstraße" "a rua do processamento". No local, dezenas de grupos de refugiados tentam descansar em leitos provisórios. Vários deles estão há vários dias com a mesma roupa. A temperatura passa dos 30 graus. No calor abafado do ginásio, a espera pelo visto de asilo continua. Antes de partir para Munique, cada refugiado precisa fornecer às autoridades alemãs uma foto e suas impressões digitais, além de passar por exames médicos para identificar doenças como tuberculose, sarna e coqueluche. Sem liberdade Agachada perto de um leito laranja, a reportagem encontra Rosina, de 27 anos. Depois de deixar a Eritreia, o plano era seguir para a Suécia. . "Abandonei minha família, toda minha vida", ela conta, dizendo que ama o país, mas que o deixou por causa dos problemas políticos. "Se você termina a faculdade, você não consegue um emprego satisfatório", completa. "Não temos liberdade", continua Rosina, entre suspiros. "Você não tem o direito de falar o que quiser." Na Eritreia, Rosina deixou a filha de sete anos. "Se o governo deixar, vou trazê-la", diz. "Toda a viagem seria muito arriscada para ela." Como vários antes deles, Rosina e o marido atravessaram o Mediterrâneo em um bote com outros 550 refugiados. "Não tivemos problemas, todo mundo chegou a salvo", conta. Sensibilidade na burocracia O tempo é precioso para a polícia. Porém, problemas podem ocorrer caso haja uma falha técnica ou se chegar um grande grupo refugiados. Quem chega no fim do dia, acaba, muitas vezes, tendo que pernoitar no alojamento. Essencial para o processo também é o trabalho de intérpretes e tradutores, todos eles recrutados pelas autoridades. "Às vezes, demora horas até encontrarmos um intérprete de um dialeto específico", afirma o porta-voz da polícia de Rosenheim, Rainer Scharf. Depois de passar por todo o procedimento, cada refugiado recebe um certificado que possibilita que eles viajem até Munique para se inscrever para tentar o visto de asilo. Mesmo com toda a burocracia envolvida, as autoridades alemãs não deixam de tratar o problema com humanidade. No alojamento, crianças correm e brincam por entre as camas com brinquedos e ursinhos de pelúcia muitos deles presenteados pelos próprios policiais. "Trabalhamos em conjunto com organizações humanitárias", explica Scharf. "E nossos funcionários também fazem doações." Além disso, a equipe que lidera as buscas naturalmente tem de lidar com estresse emocional. "Os policiais são confrontados com o destino dessas pessoas", explica o porta-voz. Porém, com o aumento do número dos refugiados, as autoridades acabaram se distanciando das narrativas pessoais de cada um. E o padrão parece que vai continuar. Segundo a Secretaria de Imigração da Alemanha, cerca de 600 mil pedidos de visto de asilo serão feitos só em 2015. Autor: Kate Brady (fca)Edição: Rafael Plaisant
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