PUBLICIDADE
Notícias

Tunísia procura combater radicalização islâmica da juventude

16:02 | 25/07/2015
Misto de ideais revolucionários desviados, herança da "Primavera Árabe", e falta de perspectiva social jogam jovens tunisianos nas mãos de grupos terroristas. Iniciativas visam recuperar recrutados e dar alternativas. "Ele disse que ia dormir na casa de um amigo. No dia seguinte, enviou um SMS para a gente contando que estava na Síria." A voz do tunisiano Iqbel Ben Rejeb ainda treme um pouco ao lembrar do dia, em março de 2013, quando seu irmão Hamza desapareceu. O estudante de informática havia sido recrutado pela Frente Al-Nusra e partiu para a Síria, através da Líbia. Sua função seria cuidar do site e da propaganda na internet do braço sírio da Al-Qaeda, segundo lhe explicaram. Só que Hamza é portador de deficiência física severa e está confinado à cadeira de rodas. "Eles não têm tempo de cuidar dele, de jeito nenhum. O máximo que consigo imaginar é que fossem colocar uma bomba na cadeira de rodas dele e lançá-lo pelos ares", diz o irmão mais velho. Depois que a família conseguiu trazer Hamza de volta para a Tunísia, Iqbel Ben Rejeb fundou a Associação para Resgate de Tunisianos Detidos no Exterior. Seu escopo é possibilitar que os combatentes já fora do país se desliguem dos jihadistas e, ao mesmo tempo, evitar que ainda mais jovens se filiem a grupos extremistas. Subproduto da "Primavera Árabe" Mais de 5 mil tunisianos lutam nas fileiras de diversos grupos radicais islâmicos, segundo o mais recente relatório da Comissão das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Apesar de já desde a década de 1990 haver combatentes do país, por exemplo, no Afeganistão ou na Tchetchênia, a partir da revolução política de 2011 explodiu o número dos que aderiram a grupamentos terroristas. O historiador e especialista em segurança Faysel Cherif vê dois motivos principais para que seja justamente a Tunísia a produzir tantos jihadistas. Ambos estão relacionados às mudanças da assim chamada "Primavera Árabe" de 2011, que levou à queda do presidente Zine El Abidine Ben Ali. "Muitos queriam exportar essa euforia revolucionária para os países onde a reviravolta política não havia dado certo." Assim, inicialmente nem todos os combatentes agiam por motivação religiosa e muitos só se radicalizaram no exterior, explica Cherif. "Nada além de mesquitas" Ao mesmo tempo, extremistas começaram a recrutar jovens na própria Tunísia. A maioria desses líderes foi condenada a longas penas de prisão sob o regime Ben Ali, libertando-se em meio ao caos da revolução. Alguns nas fugas penitenciárias poucos dias após a queda do ditador, outros nas duas anistias gerais do segundo trimestre de 2011, quando foram soltos juntamente com os presos políticos da ditadura. O governo tunisiano e a sociedade civil pouco têm para contrapor à propaganda dos extremistas, aponta Faysel Cherif. "Se a senhora der uma olhada em volta, o que é que tem aqui, além de mesquitas? Nada." Sobretudo no interior do país, centros de jovens, ofertas culturais ou outras opções de lazer são artigo raro. A ONU informa que os recrutadores lucram entre 3 mil e 10 mil dólares por cada combatente conquistado. Além disso, as famílias dos jihadistas recebem suporte financeiro e material de organizações beneficentes. Agora o governo pretende controlar com mais rigor essas instâncias, assim como as mesquitas onde pregadores radicais conclamam ao jihad. Repressão não basta Desde os dois atentados terroristas de 2015 ao Museu Nacional do Bardo e a um hotel na praia de Sousse, nos quais morreram 60 pessoas, a maioria turistas estrangeiros , a radicalização juvenil desponta como perigo crescente também dentro da própria Tunísia. No momento, Túnis aposta em primeira linha em medidas repressivas para debelar o problema. Desde o começo do ano, 15 mil suspeitos foram investigados; desde o atentado em Sousse, em 26 de junho, mais de 700 foram detidos. Tunisianos com menos de 35 anos estão proibidos de viajar para certos países, como a Líbia, a Turquia ou a Sérvia, típicas estações de passagem a caminho da Síria ou do Iraque. Para o especialista em segurança Faycel Cherif, esse é um passo na direção certa para se controlar a situação a curto prazo, mas não basta, de forma alguma. "Precisamos de uma estratégia. [As autoridades] podem desbaratar 30, 40 células terroristas e encarcerar centenas de pessoas: a máquina vai continuar funcionando, mesmo assim, e cuspir outros dois, três, quatro mil novos combatentes." Preencher o vazio da juventude O maior desafio será montar uma estratégia de longo prazo para que os jovens não cheguem a se associar aos terroristas. O primeiro-ministro tunisiano, Habib Essid, admite: "O vazio que a juventude tunisiana vivenciou por longos anos deu a essas correntes todas as liberdades para penetrar na nossa sociedade e radicalizar muita gente jovem." "Criar trabalho, sobretudo nas regiões [menos centrais], é uma meta importante", afirma o chefe de governo. Só assim os jovens se tornarão economicamente independentes, ficando a salvo dos fundamentalistas. "Estamos progredindo, mas só lentamente", avalia Essid. Em setembro, Túnis pretende organizar um congresso no qual, juntamente com a sociedade civil, as instituições estatais possam desenvolver uma estratégia contra a radicalização da juventude. Enquanto isso, o portador de deficiência Hamza continua se negando a falar publicamente de suas vivências na Síria. "Mas ele desenhou o logo da nossa associação", enfatiza Iqbel Ben Rejeb, o irmão mais velho, com um sorriso orgulhoso. Autor: Sarah Mersch, de Túnis (av)Edição: Fernando Caulyt
TAGS