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Brasil na rota dos sommeliers de cerveja

10:24 | 20/07/2015
Riva Simonmattia foi escolhido o melhor sommelier no concurso realizado em São PauloPela primeira vez, país sedia campeonato para escolher o melhor sommelier do mundo. Concorrentes elogiam ousadia, criatividade e sabor local das cervejas artesanais brasileiras. Novato no mercado das cervejas artesanais, o Brasil tem uma produção ousada e inovadora, avaliaram especialistas internacionais que estiveram presentes no Campeonato Mundial de Sommeliers de Cervejas, realizado em São Paulo. Em sua quarta edição, o evento que elege o melhor sommelier de cerveja do mundo ocorreu pela primeira vez no Brasil. O vencedor, divulgado num jantar na madrugada deste domingo (18/07), foi o italiano Riva Simonmattia. O sommelier é um especialista em sabores e tipos de cerveja, sabendo distinguir uma das outras e principalmente recomendar qual cerveja combina melhor com pratos e ocasiões. Para a alemã Irina Zimmermann, única mulher na competição, o Brasil avança a passos largos no setor das artesanais. "Reconheço a qualidade da cerveja brasileira, estou encantada com os sabores. É um estilo muito criativo, que não tem medo de ousar." Na etapa final do concurso, realizada no sábado, os sommeliers escolhem uma cerveja para apresentar ao público. Zimmermann optou pela Wäls Dubbel, da Wäls, cervejaria de Belo Horizonte. A descrição eloquente e carismática da alemã que deixou escapar um "uau" ao provar a cerveja e uma bateria de testes renderam a ela o terceiro lugar no campeonato. O sommelier brasileiro André Soares Rodrigues, de 32 anos, concorda com o caráter arrojado das cervejas artesanais do país. "O Brasil já começou inovando e unindo influências de todas as escolas, como a americana, belga, inglesa e alemã", afirma o curitibano, que ficou em quinto lugar, empatado com o suíço Roger Brügger. Segundo os especialistas, os cervejeiros brasileiros estão buscando criar um estilo próprio, usando ingredientes típicos do país, como madeiras, especiarias e frutas. "É o caso das cervejas com pitanga, buriti ou fermentada em barris de cachaça. Estamos fazendo uma releitura de estilos tradicionais, com um toque de brasilidade", explica o sommelier paulistano Rodrigo Sawamura, quarto colocado no campeonato. Crescimento do mercado O mercado internacional de cervejas especiais está de olho no Brasil. Segundo a Associação Brasileira de Bebidas (Abrabe), há mais de 200 microcervejarias no país, concentradas principalmente no Sul e no Sudeste. Elas representam menos de 1% do setor cervejeiro nacional, mas a previsão é que atinjam 10% do mercado total em dez anos. Entre as marcas mais conhecidas estão as paulistas Colorado e Baden Baden, a mineira Wäls, a catarinense Eiserbahn e a gaúcha Coruja. O italiano Riva Simonmattia, vencedor da competição, disse que o Brasil se destaca no cenário internacional da cerveja. "Por isso foi muito importante fazer o evento aqui. Mesmo com uma cultura cervejeira nova, o Brasil está bem avançado", afirma. Segundo Tatiana Spogis, gerente de marketing de uma importadora de cervejas especiais no Brasil, o setor cresce cerca de 20% ao ano. "Somos o mercado que mais cresce no mundo. O país está saindo do consumo básico para buscar mais informações sensoriais. A ousadia no uso de ingredientes locais se reflete também na ambição de crescimento. Nós nos inspiramos nos americanos, que estão um passo à frente, mas queremos superá-los", diz a sommelier, que ficou em terceiro lugar na última edição do campeonato. As artesanais são um movimento recente no Brasil, que indica uma mudança de mentalidade em relação à cerveja. "O mais comum é beber a cerveja estupidamente gelada, além do consumo em alta quantidade, vinculado ao imaginário da bebedeira. O nicho de cervejas especiais busca o oposto disso: trazer a cerveja para a mesa, harmonizá-la com a gastronomia e fazer os consumidores pararem para sentir os aromas e sabores do produto", diz Spogis. "A grande maioria da cerveja vendida no Brasil é menos aromática e menos amarga, muito em função de pesquisas de mercado, que indicam que o brasileiro prefere assim. Mas isso está mudando", opina Sawamura. Ele ressalta que o alto custo da cerveja no Brasil, a dificuldade de importar rótulos de outros países, além dos altos impostos sobre a bebida são obstáculos para o crescimento do mercado nacional. Para Rodrigues, a baixa temperatura da cerveja industrial brasileira é uma forma de disfarçar a baixa qualidade do produto porque dificulta a degustação correta dos sabores. O sommelier e mestre cervejeiro alemão Frank Lucas, de 46 anos, concorda que, quando morna, esse tipo de cerveja perde seu encanto. Mas, segundo ele, a temperatura baixa é adequada ao clima tropical. "Essas bebidas são menos encorpadas e com pouco álcool, mas são boas para o calor. É uma tradição na América Latina", afirma Lucas, que faturou o segundo lugar da competição. América Latina Os sommeliers latino-americanos Carlos Ruiz (Venezuela), Armin Schmid (Chile) e George Franceschi (Porto Rico) também participaram da competição. Segundo Franceschi, Porto Rico produz o mesmo tipo de cerveja que o Brasil, a american light lager. Ele diz que a produção artesanal está avançada no país, pela proximidade com os EUA. "O estilo pilsen é o que se bebe mais desde o México até a Argentina, pela influência alemã e italiana. Também se usa muito milho e cevada, que são abundantes nos nossos países." Já Schmid afirma que, no Chile, a concorrência com o vinho dificulta o crescimento das cervejas artesanais. O primeiro tem um status maior e é indicado para as refeições, enquanto a cerveja está associada ao churrasco com os amigos, em dias de calor. "Falta profissionalismo quando comparado com o Brasil. Me surpreendi com a qualidade excelente das cervejas artesanais brasileiras. No Chile, beber cerveja na refeição é mal-visto", afirmou. Na Venezuela, segundo o sommelier Ruiz que trabalha como vendedor internacional de cervejas especiais na Alemanha a situação econômica atual não permite o desenvolvimento desse mercado. "O controle do câmbio e das importações inviabiliza as cervejas especiais. Mas há algumas primeiras tentativas." Mulheres cervejeiras Para Zimmermann, uma mulher mestre cervejeira ainda causa espanto num universo predominantemente masculino. "Mas a resistência desaparece quando percebem a minha competência", assegura. De fato, a sommelier foi aplaudida de pé ao chegar à etapa final do campeonato. Na ocasião, ela teve dificuldade de abrir a garrafa, fechada com rolha, e precisou pedir ajuda a um colega homem. Nada que a abalasse. "Nós mulheres temos essa desvantagem", disse, arrancando risos da plateia. Como vantagem, ela afirma, o sexo feminino tem uma maior sensibilidade e um gosto diferente para as cervejas. "As mulheres são menos duras e transmitem melhor as emoções relacionadas à bebida, falam mais diretamente ao coração." Spogis também diz que não sofre preconceito. "Muito pelo contrário, sou muito respeitada. Já foi um universo totalmente masculino, mas hoje somos muitas na cena cervejeira no Brasil. Só na organização desse evento há três mulheres. Ainda somos minoria, mas isso está mudando", afirma. Autor: Marina Estarque, de São PauloEdição: Alexandre Schossler
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