Último golpe no mais poderoso clã político da Tailândia
Em julgamento que, segundo observadores, é de cartas marcadas, Yingluck Shinawatra pode ter mesmo destino do irmão, também ex-premiê, e acabar no exílio. Sentença deve reforçar poder de monarquistas e militares.
Começou nesta terça-feira (19/05) na Suprema Corte da Tailândia o julgamento da ex-primeira-ministra Yingluck Shinawatra, num processo que pode representar o último golpe contra uma família que vinha dominando a política nacional desde o início dos anos 2000.
Em janeiro, o Parlamento, dominado pela junta militar, abriu um processo de impeachment e baniu a ex-premiê tailandesa da vida política por cinco anos. O Ministério Público acusa a política, de 47 anos, de negligência diante de um grande caso de corrupção num programa de compra de arroz, uma das promessas eleitorais mais importantes de seu partido, o Puea Thai.
No controverso programa, o governo comprou arroz dos agricultores às vezes pelo dobro do preço de mercado. Porém, muitas sacas nunca foram revendidas. Isso não teria levado somente a protestos contra o governo, mas também custado 3,4 bilhões de euros ao país, de acordo com a comissão nacional anticorrupção (NACC).
Segundo os investigadores, os membros do governo também utilizaram o programa para comprar votos no nordeste da Tailândia. A própria Yingluck enfatizava sempre que o programa servia somente para apoiar os plantadores de arroz, que, de outra forma, estariam expostos à extrema volatibilidade dos preços.
A primeira-ministra já questionou várias vezes a legitimidade do processo de impeachment. Nesta terça-feira, diante do tribunal, ela se disse inocente das acusações, que podem lhe render dez anos de prisão.
À sombra do irmão
Observadores políticos não acreditam que o programa de arroz seja o verdadeiro motivo do processo. Para eles, o julgamento está muito mais ligado com o desejo do estabilishment militar-monarquista de erradicar toda e qualquer influência do irmão mais velho de Yingluck, o também ex-primeiro-ministro Thaksin Shinawatra.
Yingluck, a primeira mulher na chefia de governo da Tailândia, e o hoje exilado Thaksin, derrubado por um golpe militar em 2006, ainda gozam de grande apoio especialmente entre a população predominantemente pobre no norte, nordeste e na planície central tailandesa.
Ao ser eleita primeira-ministra em 2011, a oposição monárquica a acusou de ser apenas um fantoche de seu irmão. A tentativa de Yingluck de impor uma controversa anistia, que possibilitaria o retorno do irmão à Tailândia, levou a protestos violentos por parte dos monarquistas, dos militares e da elite política do país.
"Os militares e os monarquistas tiveram de organizar dois golpes, desenvolver dois projetos de Constituição, dissolver dois partidos, neutralizar politicamente centenas de apoiadores de Thaksin e abusar do poder judicial para livrar a política tailandesa do ex-primeiro-ministro", diz o analista político Zachary Abuza. "O atual julgamento pode ser visto como o último esforço desesperado dos militares e ultramonarquistas de alcançar o seu objetivo."
Processo questionável
Especialistas como Phuong Nguyen, do centro de estudos americano CSIS, afirmam que as chances de um julgamento justo são poucas. "O impeachment retroativo de Yingluck e a proibição de atuar na vida política por cinco anos mostram que, para o governo militar e seu apoiadores, o que está em jogo é um ajuste de contas com a família Shinawatra, e não o fato de serem considerados imparciais."
Isso também é reforçado pelo fato de o processo, que provavelmente vai durar meses, ser presidido por um grêmio de nove pessoas escolhidas pessoalmente por uma Suprema Corte que muitos não consideram de todo independente.
"De todas as instituições políticas na Tailândia, a Justiça é, de longe, a mais monarquista. O tribunal fará o que os ultramonarquistas e o militares mandarem", prevê Abuza.
O analista Paul Chambers, diretor de pesquisa do instituto tailaindês Iseaa, especializado em Sudeste Asiático, também lembra que foi justamente esse tribunal que condenou Thaksin à revelia por abuso de poder em 2008.
"Mesmo que isso não seja uma prova de má-fé, tem forte aparência de parcialidade. Como irmã de Thaksin, vai ser difícil para Yingluck conseguir um julgamento justo", afirma Chambers, que espera um processo curto.
Medo de tumultos
Dependendo de qual seja o veredicto contra a ex-primeira-ministra, a suposta paz na Tailândia até agora controlada pelos militares com punho de ferro poderia ser perturbada.
"Se os militares continuarem a jogar sujo tão abertamente, isso pode fazer com que os apoiadores de Yingluck e Thaksin Shinawatra no nordeste rural do país comecem a agir", explica Nguyen. "No entanto, em relação a alguns anos atrás, ficou mais difícil estimar a dimensão real do apoio a Thaksin."
Uma condenação abalaria ainda mais a relação já difícil com os EUA. Alguns experientes diplomatas americanos já condenaram o impeachment de Yingluck como motivado politicamente.
No caso de ser absolvida e permanecer na Tailândia, Yingluck pode vir a reativar as forças pró-Thaksin e influenciar as próximas eleições algo que seria do desagrado dos monarquistas tailandeses e dos militares, afirma Chambers.
A maioria dos especialistas acredita que o processo vai terminar com uma sentença de prisão, mas com liberdade condicional para Yingluck. Isso a empurraria para o exílio, onde já se encontra o seu irmão. Politicamente, as consequências seriam mais previsíveis do que mantê-la encarcerada.
"O que os ultramonarquistas querem é que Yingluck deixe de vez a Tailândia e vá para junto de seu irmão no exílio. Se ela for considerada culpada, os militares poderão, além disso, culpar os Shinawatra pela frágil situação econômica do país, fortalecendo assim a própria legitimação", avalia Chambers. "Isso é basicamente o que está em jogo no processo contra Yingluck."
Autor: Gabriel Domínguez (ca)Edição: Rafael Plaisant