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"Copa não deve ser feita à custa da exploração dos outros"

10:25 | 31/05/2015
Apesar das promessas, o Catar melhorou muito pouco as condições para os operários estrangeiros que trabalham nas obras do Mundial de futebol de 2022, critica especialista da Anistia Internacional, em entrevista à DW. Regina Spöttl é especialista da Anistia Internacional para a região do Golfo Pérsico. Em entrevista à Deutsche Welle, ela afirma que as condições dos operários estrangeiros que trabalham nas obras para a Copa do Mundo 2022 pouco mudaram, apesar da promessa feita pelo Catar há um ano, de melhorar a situação precária em termos trabalhistas, de segurança e moradia. Spöttl acredita que a Fifa também é responsável pelo problema. Deutsche Welle: Após diversas reportagens sobre as más condições de trabalho no Catar, para onde está programada a Copa do Mundo 2022, em maio de 2014 o governo do país anunciou reformas para melhorar a situação dos operários estrangeiros. O que aconteceu desde então? Regina Spöttl: Infelizmente, muito pouco. Das reformas mínimas que o Catar prometeu no ano passado, muito pouco foi implementado. Por exemplo, aparentemente está sendo lançado um sistema em que cada trabalhador recebe uma conta bancária, e os salários podem ser pagos automaticamente. Ele está sendo iniciado, não foi totalmente implementado. Além disso, o Catar prometeu reformar o sistema kafala. Mas isso não aconteceu até agora. Como esse sistema afeta as condições de trabalho e a vida dos trabalhadores estrangeiros? É um fator de impedimento para os direitos humanos. Segundo o sistema kafala, todo trabalhador que quer trabalhar no Catar precisa de um fiador, que resolve para ele os procedimentos de entrada e, em seguida, lhe dá uma autorização de trabalho. O problema desse sistema é que todo trabalhador que quer deixar o país ou mudar de empregador dentro do Catar precisa da permissão do antigo empregador. Isso é, claro, algo que eles muito raramente recebem. Neste ponto, o governo deveria dizer: "Toda pessoa tem o direito de mudar de empregador ou de deixar o país." O Ministério do Trabalho e de Assuntos Sociais do Catar disse na semana passada que tinha encaminhado "mudanças significativas", afirmando: "Ninguém deve duvidar de que estejamos empenhados em mudanças perceptíveis e duradouras." A senhora duvida da vontade de reformar? Não gostaria de especular sobre a vontade. Fato é que a coisa está muito lenta. Há sempre essas promessas grandiosas e entrevistas coletivas, onde se diz "agora as coisas vão melhorar". Queremos ver, finalmente, ações. E já, porque 2022 não está tão longe. Não só o Catar, mas também o órgão máximo do futebol mundial, a Fifa, tem que agir. O que a organização faz, em sua opinião? A Fifa é a organizadora do Mundial de 2022 e responsável por que tudo corra bem. O órgão também tem responsabilidade em relação a condições de trabalho justas e boas para os muitos que tornam possível esse grande evento. Além de cerca de 280 mil catarenses, vivem no país atualmente de 1,5 milhão a 1,7 milhão de trabalhadores migrantes, e esse número vem aumentando. Suspeitamos que até 2,5 milhões de trabalhadores dos países pobres do Sudeste Asiático estarão no Catar nos próximos anos. Para eles, deverão ser criadas melhores condições. E a Fifa tem que assumir essa responsabilidade. A senhora acredita que seu pleito vai ter papel importante no congresso da Fifa, considerando os atuais problemas da entidade? Espero que as três principais questões com que a Fifa tem lidado nos últimos tempos sejam discutidas da mesma forma: futebol no inverno, o escândalo de corrupção e a situação dos trabalhadores migrantes. Como isso será feito, considerando as atuais notícias, vamos ter que esperar para ver. Espero que os direitos humanos não caiam para segundo plano. Vamos fazer de tudo para lembrar a Fifa do problema. Os funcionários do esporte costumam dizer que não podem mudar os sistemas sociais. O que poderia ser feito concretamente? As diretrizes para escolha das sedes poderiam ser modificadas. Deveríamos examinar previamente se o país candidato a sediar a Copa tem um bom histórico de direitos humanos, ou, pelo menos, demonstra vontade em melhorar a situação. Então, seria possível tornar o respeito pelos direitos humanos um dos pré-requisitos para a realização da Copa do Mundo. No Catar, muitas empresas internacionais, incluindo alemãs, fazem bons negócios. Que influência elas poderiam ter sobre a situação local? Geralmente, as empresas alemãs ou americanas têm padrões muito bons e pagam e acomodam bem seus funcionários. Mas o que suas firmas subcontratadas fazem, muitas vezes foge ao conhecimento delas. É aí que deveríamos tentar assegurar que os direitos humanos sejam respeitados ao longo de todo o sistema, para que as pessoas possam fazer bem o seu trabalho e em boas condições. E, então, poderíamos desfrutar mais tranquilamente de um belo evento esportivo. O Mundial de futebol não deve ser realizado à custa da exploração de milhões de trabalhadores estrangeiros. Autor: Sven Pöhle (md)Edição: Augusto Valente
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