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Rastrear dinheiro é um dos maiores desafios da Lava Jato

13:35 | 17/03/2015
Operação da PF já se estende por um ano. Mas esquema com ampla rede de empresas de fachada, "laranjas" e paraísos fiscais torna difícil recuperar todos os recursos desviados. Isso, porém, não deverá impedir condenações. A Operação Lava Jato completa um ano nesta terça-feira (17/03). A investigação, que inicialmente visava organizações criminosas ligadas à lavagem de dinheiro, acabou revelando um enorme esquema de corrupção na Petrobras. Em dez etapas, a Polícia Federal (PF) cumpriu mais de 70 mandatos de prisão e 250 mandados de busca e apreensão. Só que o dinheiro desviado estimado em no mínimo 2 bilhões de reais, mas que o Ministério Público Federal (MPF) calcula que pode chegar a mais de 4 bilhões dificilmente será recuperado na íntegra. Até o momento, foram recuperados 500 milhões de reais, e outros 200 milhões em bens dos acusados de participação estão bloqueados. A dificuldade para recuperar o dinheiro está na ampla rede de corrupção montada, que envolve empresas de fachada, "laranjas" e contas bancárias em paraísos fiscais. Por isso, a PF se concentra em descobrir quem são os envolvidos e em recolher provas contra eles. Para a abertura de um processo penal, a Justiça não precisa saber onde está o dinheiro, basta comprovar que uma pessoa recebeu dinheiro de forma ilícita. Para isso, são suficientes provas reunidas com a quebra dos sigilos bancário e fiscal, escutas telefônicas e testemunhas. No caso de processos por corrupção, é necessário ainda encontrar indícios de que o dinheiro foi repassado em troca de algum favor. A devolução aos cofres públicos, no entanto, depende da localização do dinheiro. E isso dificilmente acontecerá. "As pessoas que participam desses esquemas são profissionais em esconder. O destino do dinheiro só pode ser descoberto se houver uma pista eletrônica, por exemplo, transferências financeiras, ou por meio da vigilância eletrônica, como a espionagem da NSA", afirma o professor de criminologia Michael Levi, da Universidade de Cardiff. Como funcionava o esquema De acordo com o Ministério Público Federal, o esquema revelado pela Operação Lava Jato consistia no pagamento de propinas a diretores da Petrobras, por parte de empreiteiras, para garantir a vitória em licitações da petrolífera. As empreiteiras acertavam entre si quem ficaria com qual licitação. O montante repassado aos diretores variava de 1% a 5% do valor total dos contratos licitados. As obras eram superfaturadas, ou seja, as empreiteiras repassavam aos diretores recursos que elas recebiam a mais da Petrobras. A propina, porém, não era sempre entregue diretamente aos diretores. Operadores financeiros, como o doleiro Alberto Youssef, intermediavam as operações. Na maioria das vezes, eram eles que recebiam o dinheiro em espécie, ou depositado em contas no exterior, ou ainda por meio de empresas de fachada, que, no papel, estavam sendo pagas por supostos serviços prestados. Os intermediários, por sua vez, repassavam a propina disfarçada de dinheiro limpo, ou seja, o dinheiro já lavado, aos diretores da estatal ou a políticos da base aliada do governo, como o PMDB e o PP, além do próprio PT. Parte do dinheiro alimentava o caixa 2 dos partidos. O suborno era pago em espécie, através de transferência em contas no exterior ou com a entrega de bens. Foi justamente esse último tipo de pagamento que levou a PF ao esquema da Petrobras. O ex-diretor de abastecimento da estatal Paulo Roberto Costa começou a ser investigado após ganhar de presente um carro de luxo de Youssef, em março de 2013. Achar e recuperar o dinheiro Apesar de parecer simples, localizar o destino final do dinheiro desviado é quase impossível. As contas bancárias no exterior, utilizadas nesse tipo de esquema, pertencem a empresas offshore com sede em paraísos fiscais, registradas no nome de intermediários, os populares "laranjas". Como não há relação direta entre os envolvidos e as offshores, para rastrear os desvios é preciso descobrir quais são as empresas usadas no esquema e quem de fato está por trás delas. Algo que pode demorar anos. Ou nunca acontecer. Além disso, empresas offshore são apenas uma das formas de esconder o dinheiro ilegal. "Além de destinos costumeiros, como os paraísos fiscais, existem outros produtos e formas de escamoteamento do dinheiro que simplesmente não deixam rastros, como a compra de diamantes ou de bitcoins", acrescenta Renato de Mello Jorge Silveira, especialista em direito penal da Universidade de São Paulo (USP). Localizar essas contas também não significa encontrar o dinheiro, que pode já ter sido transferido para outros paraísos fiscais. Ou simplesmente ter sido gasto em bens, viagens, restaurantes ou festas. "É errado pensar que os envolvidos estavam economizando o dinheiro. Eles provavelmente estavam se divertindo com essa fortuna", afirma Levi. O especialista em criminologia acha praticamente impossível recuperar a maior parte do dinheiro desviado da Petrobras, mas isso não significa impunidade aos culpados. "É possível condenar algumas pessoas sem saber onde o dinheiro está, mas, para isso, é necessário provar que elas foram beneficiárias de alguma maneira. Assim, é possível ter alguma forma de justiça", diz. O especialista em direito penal Giovani Agostini Saavedra, da PUC-RS, também descarta a devolução integral dos valores desviados. Segundo Saavedra, a recuperação do dinheiro depende de quem o recebeu e de como ele foi utilizado. Legalmente é mais fácil ressarcir valores repassados a partidos políticos do que os destinados a pessoas físicas, pois partidos costumam ter dinheiro em caixa, oriundo do fundo partidário, das contribuições dos associados e de doações. Devido à complexidade do esquema, é mais difícil localizar o valor recebido por pessoas. E se elas não têm mais o dinheiro, não há como recuperá-lo. "Uma pessoa que chega a esse nível de criminalidade está habituada a esconder seu patrimônio. Se ela não tiver dinheiro nem bens no nome dela, então não há o que recuperar", afirma Saavedra. Enquanto se tenta rastrear o dinheiro, o MPF entrou com ações contra as empresas investigadas, cobrando, ao todo, 4,47 bilhões de reais das empreiteiras. Esse valor corresponde a processos por danos morais coletivos, multas e ressarcimento ao erário. No entanto, apenas uma parcela desse valor deve voltar para os cofres da estatal. O destino do montante depende do tipo de processo. De acordo com Saavedra, no caso de processo penal, uma parte vai para as instituições envolvidas na investigação e no julgamento. No caso de uma ação civil pública do MPF para ressarcimento, o valor é destinado ao Tesouro Nacional. Autor: Clarissa NeherEdição: Alexandre Schossler
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