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Filmagem de "Os bandoleiros" inflama debate sobre literatura na escola

05:30 | 20/03/2015
Lançamento do longa baseado no clássico drama de Friedrich Schiller coincide com debate na Alemanha sobre a utilidade do que se aprende nas escolas. Tudo começou com um tweet. Acaba de chegar às salas de exibição da Alemanha a coprodução belgo-alemã-luxemburguesa Die Räuber ou Les brigands (Os bandoleiros). Livremente baseada no drama homônimo de Friedrich Schiller (1759-1805), a trama se desenrola no moderno meio bancário. A adaptação cinematográfica desse clássico da literatura chama atenção especial por coincidir com um acalorado debate em curso na Alemanha: até que ponto os clássicos da literatura ainda têm lugar na formação escolar? A discussão sobre a utilidade do ensino começou com uma mensagem no Twitter da estudante Naina, de 17 anos. Ela reclamava que, ao concluir o ensino médio, era capaz de interpretar poesias, mas não sabia praticamente nada sobre assuntos como impostos ou aluguéis. Com esse comentário, desencadeou uma verdadeira avalanche de argumentos e contra-argumentos. Para que ler Goethe? O que leva os jovens a lerem Goethe ou Thomas Mann? Não seria muito mais útil, para a vida adulta, aprender sobre as coisas práticas do dia a dia? A educação escolar é condizente com a época atual? Com um mero tweet, a estudante de Colônia alcançou o que conferências de secretários da Cultura e relatórios vêm tentando há anos: desencadear um amplo debate sobre a escola na Alemanha. Como Naina se referiu especificamente a poesias, a discussão tem-se concentrado na disciplina Alemão [que engloba a língua e a literatura]. Quem tem filhos conhece bem o problema. Depois de ter se ocupado, na época de escola, com os seculares clássicos da literatura, ao tentar transmitir seus conhecimentos à próxima geração, um pai ou mãe sempre se pergunta em algum momento: o que o estudo do Fausto de Goethe ou de Os bandoleiros de Schiller ainda tem a ver com o nosso tempo? A análise dos clássicos da literatura alemã é excepcionalmente importante para o desenvolvimento da compreensão da linguagem escrita, asseguram os peritos em educação: só assim é possível penetrar nas ciências humanas. Os críticos rebatem: as aulas de Alemão são empoeiradas, os professores utilizam material anacrônico, textos velhos que não servem para quase nada hoje em dia. "Bandoleiros" nas telas Contudo, não faltam tentativas de apresentar os conteúdos clássicos em formas mais digeríveis. Por exemplo, integrando a sétima arte nas classes de Alemão. Para grande parte dos jovens, literatura no cinema é mais sexy do que entre duas capas. E aí está uma chance para Die Räuber, versão da peça teatral escrita por Schiller em 1781, que, depois de abrir o Festival Max Ophüls em janeiro, estreia na Alemanha nesta quinta-feira (19/03). "Para se adaptar um clássico, é preciso traí-lo: quanto mais se trai, maior é a chance de se fazer jus a ele", argumenta o cineasta Pol Cruchten, que partilhou a direção com o também roteirista Frank Hoffmann. "Na passagem do século 18 para o 21, o conceito de 'bandoleiro' ou 'assaltante' naturalmente também se redefiniu." Os traços básicos do drama original foram mantidos: no centro da trama está a competição entre os irmãos Karl e Franz. Eles brigam pelo reconhecimento do pai, concorrem pela mesma mulher, lutam por poder e influência. Schiller destacou a relação entre moral e negócios, entre razão e emoção. Esses temas também estão presentes no filme. Mas os luxemburgueses Cruchten e Hoffmann transportaram a narrativa para o século 21. Assim, o que domina o cenário não são a nobreza e as considerações de classe, mas o mundo contemporâneo das finanças e dos bancos. No entanto, as confrontações humanas, as paixões dos protagonistas permanecem basicamente as mesmas. Trilha com Cure e Siouxsie "Eu estava convencido de que se pode trazer as personagens de Schiller para o presente", comenta Hoffmann. Porém, afirma, foi preciso reinventar toda a peça para que se adaptasse à época atual. "Naturalmente Schiller ainda está lá, em alguns diálogos bem específicos, que mantivemos no original. Mas nossa intenção era criar uma obra cinematográfica autônoma." Metrópole financeira da Europa, Luxemburgo é o cenário desse Os bandoleiros, cujo elenco é internacional. Ao lado de atores franceses e alemães, destaca-se o austríaco Maximilian Schell, como pai dos rivais protagonistas. Esse foi o último papel no cinema do ganhador do Oscar de melhor ator em 1961 por Julgamento em Nurembergue, que morreu em fevereiro de 2014, aos 83 anos. Também na trilha sonora, Cruchten e Hoffmann apostaram na contemporaneidade: tanto os sons rítmicos de sintetizador do compositor Michael Rother como as canções das bandas The Cure e Siouxsie and the Banshees têm potencial para seduzir o público jovem. De Schiller a Jean-Pierre Melville Assim, o espectador é confrontado com dois mundos. Por um lado, um material que se mantém há mais de 230 anos, apresentando conflitos que são tão pertinentes hoje como o eram no século 18. "Histórias familiares no cinema sempre me impressionaram", conta Hoffmann. "A imundície dessas árvores genealógicas é um material fantástico, e via de regra bastante flexível." Por outro lado, o que se vê na tela é um filme "de verdade", entremeado de referências à história do cinema e não uma espartana filmagem teatral. Antes do início das gravações, Pol Cruchten assistiu a cerca de 40 representantes do gênero film noir, além de produções dos hollywoodianos Joseph L. Mankiewicz e Jacques Tourneur, ou de grandes cineastas europeus como Jean-Pierre Melville. "Melville tinha um jeito para estabelecer situações. Ele tomava o tempo necessário para mostrar as personagens em seus afazeres quotidianos, fumando um cigarro ou tomando uma bebida. Eu queria que o filme encontrasse o tom certo, de todo jeito", diz. De Schiller até Melville, é um salto ousado. Mas é perfeitamente possível assistir a Os bandoleiros de Cruchten e Hoffmann sem qualquer bagagem cinematográfica prévia, como caso criminal e drama humano de caráter contemporâneo. E também se pode apreciá-lo como adaptação livre de um clássico literário: para emprego didático nas classes de Alemão, ele é ideal. Autor: Jochen Kürten (av)Edição: Rafael Plaisant
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