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Atentado a museu ameaça herança multicultural da Tunísia

17:32 | 18/03/2015
Com mais de 20 vítimas, ataque ao Museu Nacional do Bardo pode ser início de nova cruzada jihadista contra milenar legado pré-islâmico. Coleção arqueológica é uma das mais importantes do Norte da África. O site do Museu Nacional do Bardo, em Túnis, ostenta em sua página inicial duas sorridentes máscaras do fim do século 6º a.C., originárias da vizinha Cartago e que tinham a função de afastar os maus espíritos. Porém, nesta quarta-feira (18/03) seu poder protetor não conseguiu evitar um ataque. Por volta do meio-dia, terroristas armados com kalashnikovs penetraram na ampla área onde também está sediado o parlamento tunisiano. Segundo autoridades locais citadas pela agência de notícias AFP, ao menos 22 pessoas foram mortas, entre elas 20 turistas, incluindo alemães, espanhóis, italianos e poloneses. Ainda não está claro se o atentado se dirigiu contra o museu ou o Parlamento: talvez o alvo tenham sido ambas as instituições. Contudo, depois da destruição de antigos tesouros no Museu de Mossul e de outros bens culturais milenares no Iraque, é compreensível interpretar-se o crime também como um ataque contra o passado cultural da Tunísia. Multiplicidade mediterrânea Há bastante tempo as autoridades nacionais vêm predizendo o retorno dos jihadistas tunisianos que foram lutar no Iraque e na Síria pelo "Estado Islâmico" (EI) grupo extremista que reivindicou os recentes ataques contra o legado pré-islâmico iraquiano. Caso se confirmem as suposições das autoridades tunisianas, então, as ofensivas iconoclastas dos fundamentalistas tiveram agora como alvo um passado multicultural inigualável. Trata-se da multifacetada cultura do "Mar Branco do Meio" como o Mediterrâneo é denominado em árabe: um mar que separa os países ao norte e ao sul, mas também os une. O Museu do Bardo documenta como poucos o caráter congregador do Mar Mediterrâneo. Ao lado do Museu do Cairo, ele possui a coleção arqueológica mais abrangente do Norte da África, reunindo relíquias de todas as civilizações que viveram em solo tunisiano. Entre os objetos mais antigos estão telhas e cunhas de pedra de Ain Brimba, no sul do país, com 4 mil anos de existência; ou o santuário de El Guettar, dito "Hermaion". Além disso, encontram-se placas de pedra da época púnica, em que estão gravados os acordos de Cartago com outras potências do Mediterrâneo. Elas documentam as relações da cidade no norte da Tunísia com gregos, romanos e fenícios. Máscaras datando de 500 a.C. exibem influências gregas, mas também mesopotâmicas, egípcias e dos negros africanos. Do século 2º a.C. há os restos de um santuário trazido de Dougga, no noroeste da Tunísia, que incluem inscrições púnicas e dos antigos líbios. De Roma ao islã As estelas de La Ghorfa, por sua vez, refletem a sincrética cultura da África Setentrional na era dos romanos, os quais, em 146 a.C., tomaram e destruíram Cartago. Bustos dos conquistadores romanos testemunham a vitoriosa campanha militar da grande potência da época. Uma das principais atrações do Museu Nacional é a maior coleção de mosaicos romanos do mundo. Eles contêm os mais variados motivos: vida urbana e rural, cenas de caça, lutas de animais e de gladiadores. Entre as representações religiosas encontram-se também motivos cristãos. O período islâmico está igualmente representado em peças caligráficas medievais, sendo a mais famosa delas o "Alcorão Azul" de Kairouan, do início do século 10º. Instrumentos musicais preservados também registram a riqueza cultural dos primórdios do islã: além de instrumentos de percussão, há vários exemplares do violino árabe e do oud, ancestral do alaúde europeu. Ruptura com o passado O ensaísta tunisiano Hichem Djaït lamenta o declínio, na história recente do país, da diversidade cultural representada no Museu Nacional do Bardo. Em seu livro La crise de la culture islamique, de 2004, ele descreve um difundido processo de destruição no mundo árabe, que levou a uma perda de contato com o passado. O intelectual de 79 anos atribui esse processo destrutivo às correntes fundamentalistas islâmicas na região. "O movimento islamista não tem uma concepção religiosa profunda nem é cultural ou intelectualmente inspirado no islã. Por isso, suas capacidades intelectuais são simplórias e débeis", analisa Djaït. Sua tese ficou comprovada mais uma vez em Túnis, caso se confirme que o novo atentado foi obra de jihadistas. Na capital tunisiana, eles teriam começado uma cruzada contra os legados de todas aquelas culturas que, a seus olhos, nunca deveriam ter existido. Autor: Kersten Knipp (av)Edição: Luisa Frey
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