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Caso de jovens desaparecidos aumenta pressão sobre políticos no México

13:00 | Dez. 09, 2014
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Revolta popular por suposto massacre dos 43 alunos de magistério expõe abismos na política e sociedade do país. Ansiedade provocada no meio político impele à ação, mas também ativa velhos mecanismos repressivos. No início de novembro, o palácio do governador do estado mexicano de Guerrero estava em chamas. Estudantes enfurecidos incendiaram a sede, em Chilpancingo, ao mesmo tempo em que exigiam uma prova de vida dos 43 alunos desaparecidos do colégio de formação de professores da aldeia de Ayotzinapa, nos arredores da cidade de Iguala. Em 7 de dezembro, essa esperança se desfez. O procurador-geral Jesús Murillo Karam confirmou à imprensa nacional que, através da análise do DNA de partículas ósseas, pela primeiras vez uma das vítimas pôde ser identificada. "A prova científica confirma que os restos mortais encontrados coincidem com a direção até agora adotada em nossas investigações", declarou. Ele parte do princípio de que outras identificações confirmarão a hipótese de um massacre, e prometeu "prosseguir com os exames até que todos os culpados tenham sido presos". Solidariedade latino-americana em xeque Desde o incidente na cidade de Iguala, em 26 de setembro de 2014, o México se encontra em estado de emergência. O desaparecimento de 43 normalistas pobres do interior do país chocou a população mexicana e a opinião pública internacional, revelando os abismos do país emergente, vizinho dos Estados Unidos. O presidente Enrique Peña Nieto decidiu-se a um gesto atípico na abertura da 24ª Cúpula Ibero-Americana, nesta segunda-feira (08/12), na cidade de Veracruz: num fórum de cunho empresarial, ele expressou publicamente suas condolências aos familiares da vítima identificada. Na qualidade de anfitrião, agradeceu aos chefes de Estado latino-americanos presentes por sua solidariedade. Na realidade, porém, a tão evocada solidariedade da América Latina é frágil. Os chefes de Estado da Bolívia, Venezuela e Nicarágua cancelaram sua participação. Tampouco as presidentes do Brasil, Dilma Rousseff, e da Argentina, Cristina Kirchner, se deslocaram até Veracruz. Recentemente, o presidente do Uruguai em fim de mandato, José Mujica, chegara a classificar o México de "Estado fracassado". Pouco antes do encontro ibero-americano, entretanto, ele relativizou a declaração. "O narcotráfico é um problema de toda a América Latina", declarou Mujica numa visita à Universidade de Guadalajara. "Todos os países têm problemas, o México só é maior e mais próximo dos EUA." Imprensa sob ameaça Aparentemente, a ansiedade provocada pelo noticiário negativo é tão grande no México, que já se empregam métodos ilegais contra artigos ou reportagens críticas a respeito da corrupção e violência no país. Assim, a própria imprensa mexicana é alvo de hostilidades e ameaças. O fato, porém, não é novo: segundo dados da organização jornalística Article 19, somente entre 1º de abril e 30 de junho deste ano foram registradas 87 investidas contra representantes da imprensa. Em 39 casos, houve lesão corporal; os demais envolveram intimidação, detenção arbitrária, ameaça, censura e processos judiciais. Nova no combate às manchetes negativas, é a tática da "clonagem midiática", em que o sentido de reportagens críticas é intencionalmente invertido. A diagramação original da publicação permanece intocada, porém o conteúdo é trocado digitalmente. O produto modificado é, então, lincado na internet ou vendido nas bancas. A revista Luces del Siglo, de Acapulco, já foi várias vezes vítima de tais ataques. Em seu número 546, a manchete original, "Poupança na construção, esbanjamento em shows", foi substituída por "Projetos arquitetônicos importantes consolidam desenvolvimento de Quintana Roo". O título foi ilustrado com uma foto de Roberto Borge, governador do estado mexicano de Quintana Roo. Pressão sobre altos escalões Para a associação Article 19, esses "atentados crônicos" são alarmantes. "Para nós, não há dúvida de que o Estado mexicano não cumpre o seu dever, ou seja: indiciar criminalmente os ataques contra a imprensa. Essa quebra do dever de diligência ameaça a liberdade de imprensa no México." Agora, o governador Roberto Borge foi instado pela Justiça federal a tomar uma posição sobre as acusações de ser responsável pela alteração do conteúdo da Luces del Siglo. E no estado de Guerrero onde, um mês atrás, as chamas irrompiam de sua sede o ex-governador Ángel Aguirre Rivero teve que renunciar. Contudo, a pressão sobre o presidente Peña Nieto também vem aumentando. "O governo possui, de fato, uma visão estratégica e quer mudar o país", admitiu o escritor mexicano Héctor Aguilar Camín ao diário El País. O problema, contudo, é sua aplicação na prática. "O governo é bom em propor concepções para o futuro, mas não em agir no presente", sentenciou. Autor: Astrid Prange (av)Edição: Marcio Damasceno

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