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"Sumiço de estudantes foi ato do Estado", diz padre mexicano

14:25 | Out. 24, 2014
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Em entrevista à DW, Alejandro Solalinde, reconhecido internacionalmente por trabalho em defesa dos direitos humanos, acusa governo do México de ser único culpado pelo desaparecimento dos 43 jovens no país. O padre católico Alejandro Solalinde, de 69 anos, ganhou reconhecimento internacional por seu trabalho em defesa dos direitos humanos. Em 2007, fundou o abrigo Hermanos en el Camino, em Ciudad Ixtepec, no estado de Oaxaca, que proporciona assistência humanitária aos migrantes das Américas Central e do Sul que passam pelo México rumo aos Estados Unidos. Suas denúncias de abusos contra os migrantes em situação ilegal, sobre os negócios clandestinos de grupos criminosos e sua condenação à atuação de políticos corruptos lhe custaram inimigos e ameaças de morte. Em entrevista à DW, o sacerdote e ativista, ganhador do Prêmio Nacional de Direitos Humanos, atribuído pelo governo mexicano em 2012, criticou duramente o Estado mexicano, o responsabilizando pelo suposto assassinato dos 43 estudantes de magistério da escola de Ayotzinapa, desaparecidos desde 26 de setembro. Solalinde põe em dúvida a versão oficial de que foi o prefeito de Iguala, José Luis Abarca, que ordenou sozinho o ataque aos normalistas. Abarca e sua esposa, que é ligada a um grupo criminoso local, estão foragidos. DW: Desde o fim de semana, o senhor vem mencionando os depoimentos de quatro testemunhas que dizem que os estudantes foram queimados vivos. Quais são as certezas que o senhor tem sobre os 43 desaparecidos de Ayotzinapa? Alejandro Solalinde: Enquanto isso, já são cinco as testemunhas que falaram comigo. A certeza que tenho é que as forças do Estado atacaram os estudantes normalistas com armas de fogo em duas ocasiões. Uns ficaram feridos, outros morreram. Posteriormente, agentes do Estado mexicano os levaram para dentro de patrulhas, com policiais, e sumiram com eles. Algumas testemunhas me disseram que alguns estudantes ainda estavam vivos, estavam feridos, e estes foram transportados, junto com os corpos dos mortos, em patrulhas e foram queimados. Eles foram postos em uma pilha com lenha, molhados com diesel e queimados. A conclusão é de que todos eles estão mortos? Talvez haja alguém que não tenha morrido. Alguém que conseguiu fugir, não sabemos, mas a maioria deles morreu. Qual é a situação de suas testemunhas?Quem são elas? Elas estão em uma situação muito delicada e, obviamente, com medo. Elas querem manter em anonimato, o que naturalmente vou respeitar. Com seus testemunhos, conseguimos ir juntando pecinhas e montamos um quebra-cabeça com toda esta informação. A verdade é muito dolorosa. Mas é claro que, se tudo isso for confirmado, estamos diante de um crime de Estado. Devido à infiltração de grupos criminosos nas estruturas do Estado? Não. Quero esclarecer que não é assim. Não há grupos criminosos, o único criminoso é o governo. De acordo com os testemunhos que eu tenho, em nenhum momento criminosos intervieram, em nenhum momento. Todos eram agentes do Estado. O que falta provar é qual a responsabilidade que o Exército teve, se agiu ou se omitiu. E isso não sabemos. O senhor quer dizer que não é verdade a história de que a polícia municipal entregou os estudantes ao grupo criminoso Guerreros Unidos? Claro que não. Esta é uma versão do governo, para se desvincular como Estado, porque é muito fácil dizer "foram esses maus policiais, todo o resto é bom" e dizer que esses maus policiais entregaram os estudantes aos criminosos, que foram eles que cometeram esses crimes. Isso permite que apresentem o Estado mexicano como exemplar, como um bom Estado, onde os bandidos são os traficantes de drogas. Nós já ouvimos este papo desde o governo anterior, de Felipe Calderón. É a maneira irresponsável e hipócrita de se fugir da responsabilidade. O que é certo, e aí não havia criminoso algum, é que os agentes do governo atacaram duas vezes os estudantes com armas de fogo, atiraram neles, os balearam, e alguns foram mortos. O que é certo é que os estudantes desapareceram em patrulhas da polícia, em veículos oficiais, com agentes do governo a bordo. Esta é a dura realidade. Eles estão desaparecidos e este foi um desaparecimento forçado. Foi um ato do Estado, com o qual o crime organizado não tem nada a ver. Estamos falando de um crime de Estado cometido por policiais locais ou estariam envolvidas forças federais? O presidente Enrique Peña Nieto acabou de dizer anteontem; há uma perfeita coordenação entre todos os níveis de governo. Impossível pensar que haja algo que saia do controle do Estado. O Estado controla tudo, é um Estado autoritário, com uma fachada de democracia. É um estado presidencialista em que tudo depende do presidente. Ninguém faz nada sem receber ordens de cima. Esta escola normal de Ayotzinapa que, temos de mencionar, é uma escola que incomodou muito. Há dois anos que questiona as autoridades, por causa dos estudantes que mataram. Esta escola tem alunos ativos e militantes, muito conscientes, que apontaram os erros do governo. Essa escola é uma pedrinha no sapato muito incômoda, por isso, acho que essa foi uma decisão de Estado. O prefeito de Iguala e sua esposa fugiram. Foram eles, de acordo com o governo federal, que ordenaram o massacre... Talvez eles o tenham executado. Mas eu duvido que tenham feito isso sem consultar o governador. São decisões fortes demais para que as tenham tomado sozinhos. Tudo isso é um sistema. Não é fácil pensar que tenha sido uma ideia deles. Qual é o apoio que a comunidade internacional deveria dar à sociedade civil mexicana diante desses eventos? Faço um apelo à comunidade internacional para que não se deixe enganar por um governo simulador, que afirma respeitar os direitos humanos. Ele não os respeita. É um governo corrupto, que ataca estudantes e jovens, não só agora, mas há décadas, é uma verdadeira ameaça para eles.

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